quinta-feira, 29 de julho de 2010

Zaratustra

Tranquilo é o fundo do mar que trago em mim; quem adivinharia que oculta monstros divertidos? Imutável é a minha profundidade, mas cintila de enigmas e de gargalhadas flutuantes.” Zaratustra falava assim da profundidade da sua alma sorrindo ao ver os sublimes que por ele passam. Peitos inflamados cheios de ar, homens engalanados com feias verdades, cobertos de espinhos e vestimentas rotas. Não conhecem o riso nem a beleza, nem nunca trazem uma única rosa consigo. Sisudos, lutam como animais selvagens, traindo a fera mal domada dentro de si. São almas tensas e recalcadas que vivem na sombra da sua sublimidade.

Há que dar um salto para o sol e, na verdade, isso só será possível quando conseguirem saltar para fora da sombra. Zaratustra chama-lhes penitentes do espírito. Homens de faces pálidas que esperam por qualquer coisa que há-de vir, não se sabe quando, numa fome que quase os mata. Têm desdém no olhar, rugas de repugnância no canto dos lábios, nucas de touro. Seria interessante ver-lhes um olhar de anjo mas o seu conhecimento ainda não os ensinou a sorrir nem a sair da sombra das paixões que traem a ascensão ao éter da beleza. Deviam descansar, com braços negligentemente colocados atrás da nuca.

É assim o descanso dos heróis, dominando o seu repouso. Conservar os músculos descontraídos e a vontade desenvolta é o grande desafio que se impõe aos homens sublimes. Não será ao poder clemente e condescendente que se chamará beleza? A ninguém se exige tanta beleza como aos homens sublimes porque é nessa vaidade, ao olharem-se ao espelho, que residirá o verdadeiro segredo da alma. A derradeira bondade que se convola em virtude. Não podemos esperar de Zaratustra, um visionário do além, a quem o mundo parece por vezes saído de um sonho, que todos os sublimes sofram as metamorfoses desejáveis de modo a ascenderem ao patamar bafejado pelo sol das virtudes.

Zaratustra é um sonhador, que desce da solidão da montanha em passos de dança, com o olhar límpido e lábios virgens de qualquer desgosto. Zaratustra renasce quando se mistura com os homens e o seu espírito sofre as 3 metamorfoses: de besta de carga a leão e de leão a menino. Zaratustra é inocência e esquecimento, um novo recomeçar, uma roda que gira por si mesma, descoberta e conquista do seu próprio mundo.
*Nietzsche

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