terça-feira, 20 de julho de 2010

O fim e essas coisas

“Um minuto de vida ainda é vida”
(Autor desconhecido em uma parede de auschwitz)

E deixe-me voltar ao que sei. Da reza, vela, menina morta. Corpo que flutua no alqueire da lembrança perdida. Que perdidamente pude me apaixonar tantas vezes; não o fiz, não o quis, não o pude querer fazer. De sal de terra corrompida é a ferida em cada pé. Capitães devassos, donzelas frígidas, estivadores sem porto, cães que ladram de dia, uma floresta de sistemas respiratórios a soterrar o que dantes leve foi. A consciência do mundo é um cadinho de desesperanças. Meu jardim foi infestado, senhoras hediondas, metáforas inverossímeis... Onde estão meus óculos de ficar cego? Por deus, se há acaso deuses aqui!

O mar que é massa de água por fora, é tormenta líquida por dentro, sem contudo deixar de ser massa ou água. Dêem-me um sedativo barato ou me deixem dormir de calças azuis, a imaginação deixou de fazer sentido quando todo o sentido se perdeu. Algumas flores saúdam minha passagem pelo relvado, elas devem me ver como um gnomo ou elfo perdido de sua gente. Isso me faz sentir uma compaixão profunda, saber que há quem acredite no espírito de corpos em decomposição. O feerismo deve habitar instâncias mais altas que a de um pântano travestido, isso não seria digno a quem acredita.

Preciso continuar, preciso estuprar a terra com minha verdade inventada. O mundo sou eu, o nada é meu peito! Sobre a vista cansada um constelação de mil Judas querem trair os sentidos, abaixo dos pés um lamaçal de um milhão de olhos famintos me consome a recomeço. Arremedo de gente, cidade perdida no tempo, paixão achada no ontem. O bojo de um seio que alimente a promessa do longínquo de todo passado, alheio a qualquer início, o que se passa é a mentira de um Oasis em terra infértil. Só os sonhos são felizes, pelo menos isso válido às crianças que tiveram família. Depois vem a vida, e as crianças são dissolvidas junto com seus sonhos.

Quero um bilhete só de ida, o papel da impressora acabou. Existe um sentido de impunidade em apodrecer cativo num país que tem a prisão perpétua como uma prática abominável. Se fosse possível uma amigdalectomia na alma, talvez conseguisse vomitar as chaves da cela. Já passou, elas foram apropriadas pelas paredes do estômago. O dilema da vida tem mais em comum com um cão que corre atrás do próprio rabo que com algo profundamente poético. As coisas se repetem insuportavelmente, se remoçam e voltam quando parecem já ultrapassadas. Eles querem que você cave com os dentes até que a gengiva reste em carne viva, que você roa as unhas até terminar por comer os dedos. Quando nada mais restar pode acontecer que esse ninguém tenha se tornado um Ser livre, isso se você ainda tiver fôlego e pouco daquilo que diferencia o conquistador das pessoas ordinárias.

Pode gritar a vontade, não fará diferença, sua voz foi roubada há anos. O ruído desarticulado que sai de sua boca não é mais que blasfêmia a tudo quanto houve de belo. Eu só queria retornar ao passado, mas o tempo é a mentira mais perigosa. Para Getúlio Vargas o único tempo possível é aquele preso ao instante em que uma bala lhe foi desfechada ao coração, assim como para uma donzela solitária o tempo será eternamente o momento de partida do amado. Todos boiamos num rio sem correnteza, isso é incondicional.

Que a terra lhe seja leve, ou pesada como queira. Construir um modo de sobrevivência nesses tempos tem haver com a capacidade de fuga. Dêem-me um comprimido de dormir com princípio ativo de religião, claro, se os de sexo, agressão e ou dinheiro já tiverem se esgotado. Há mais farmácias no mundo do que supõe nossa vã filosofia. Não fique feliz tão rápido, o uso repetitivo de analgésicos e sedativos os fazem perder efeito. É uma dor insuportável quando acontece... Você reza antes de dormir? Prepare-se para praguejar a partir de agora, esse é um lugar de desesperança, só a maldição triunfa.

O que pensei fazer foi dar um aviso, não uma solução. O enigma das coisas parece irremediável, mesmo quando são por demais simples. Para estar alheio é preciso estar no todo, e sendo tudo pode-se ser um nada, estar alforriado enfim. Deus é o grande vazio, não sei qual a coerência disso, mas é confortável pensar que se possa ir um dia para o aquém do picadeiro. A imaginação subverte o óbvio da vida. Mesmo havendo um só lugar e um único tempo, escrever isso é como sentir no corpo as lacunas deixadas por pedaços que se perderam. O excelente é ter descoberto como estar longe, de tudo fui um andarilho só, nenhuma novidade foi surpresa, nenhuma noite foi intangível. Todavia, não houve por onde fosse uma só alma, planta ou horizonte que não me tenha compartido.


*Leandro M. de Oliveira

3 comentários:

Monica disse...

O menino Matusalém, O fim
e essas coisas,coisas essas
que teimam, espezinham...
Esses óculos de ficar cego,
a imaginação deixou de fazer
sentido quando todo sentido
se perdeu. E agora ? esse nada
que preenche...o meu o seu
os nossos...nadas...
Existe isso, logo o oposto disso
é real! um tudo que floresce,
faz sentido,ecoa,ressucita,
ama e compartilha.

Cela Ton disse...

Olá Leandro,
Muito Obrigada pelo comentário! Também fico feliz com sua visita, seja bem vindo sempre na minha página!!!

Dona Fernanda disse...

não leve a vida tão a sério meu querido, tudo pode ser reinventado.