sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Antífona da chuva

I
Limalhas de aço a sibilar liquidamente

Espaço entre o corte e a compostura,
A presença da água assim como o desatino
A fazer mais úmida a caminhada do hoje.
A água cai, do mesmo modo que exita
Um homem em seu leito de morte.
Sepulcral, a forca em que entregaste
Aquilo que teu jamais pôde ser.
O metal rarefeito violenta o silêncio,
O corpo, a memória. Nesse país
Todo o sangue é vil, toda dor é vã.
Que as indelicadezas sejam perdoadas.
Ao cortar os pulsos pense em mim
Com um pouco mais de candura
Antes que a horda de cães chegue aqui.

II
Dorme enquanto os outros trabalham, trabalha enquanto todos dormem. O levante das Termópilas não durará toda uma vida. Quando a primavera chegar o clima será mais ameno caso todas as flores não tiverem sido pisadas. Sinto como se tivesse chovido mas, ao acordar constatei que a água era imaterial. Só eu é que me umedecera por dentro.


*Leandro M. de Oliveira

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Do Interior

Nada mudou.
O corpo faz doer,
tem que comer, que respirar e que dormir,
tem a pele fina e o sangue logo em baixo,
provisão farta de dentes e de unhas,
ossos que quebram, articulações que esticam.
Nas torturas tudo isto é tido em conta.

Nada mudou.
O corpo treme como tremeu
antes e após a fundação de Roma,
no século XX antes de Cristo e depois,
torturas há, como antes houve,
apenas a terra diminuiu,
e o que quer que se passe é como se passasse ali à esquina.

Nada mudou.
Há só mais gente.
às velhas culpas novas se juntaram,
reais, insinuadas, fugazes e nenhumas,
mas o grito com que o corpo lhes responde,
é, foi e será um grito de inocência,
numa escala e num registo eternos.

Nada mudou.
talvez só as maneiras, a dança, as cerimónias.
O gesto da mão protegendo a cabeça
permanece o mesmo todavia.
O corpo enrosca-se, arranha-se e arranca-se,
cai das pernas cortadas, encolhe os joelhos,
arroxeia, incha, baba-se e sangra.

Nada mudou.
Fora o curso do rio,
a linha das florestas, da costa, desertos e glaciares.
Entre paisagens assim se desfia a alma,
desaparece e volta, aproxima-se e parte,
estranha para si própria, inabarcável,
certa uma vez e logo incerta de existir,
enquanto o corpo está, está e está
e não tem lugar para onde ir.

*Wislawa Szymborska

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Será tudo mentira?

Será tudo mentira?
Desde quando?
Encurraladas as verdades de outrora
que eram apenas desejos…
E os desejos crescem como as plantas
seguindo as estações…
E o desejo tornou-se uma voz desolada.
Também te dói, dizes.
Bem sei.
Se posso?
Três dias sim, três dias não…
Os dias também perderam as estações.
Desejo poder.

*Sofia Leal

terça-feira, 19 de julho de 2011

Antes de Nascer o Mundo (Fragmentos) II

Mil vezes Ntunzi me fez recordar o motivo por que meu pai me elegera como predilecto. A razão desse favoritismo sucedera num único instante: no funeral da nossa mãe, Silvestre não sabia estrear a viuvez e se afastou para um recanto para se derramar em pranto. Foi então que me acerquei de meu pai e ele se ajoelhou para enfrentar a pequenez dos meus três anos. Ergui os braços e, em vez de lhe limpar o rosto, coloquei as minhas pequenas mãos sobre os seus ouvidos. Como se quisesse convertê-lo em ilha e o alonjasse de tudo que tivesse voz. Silvestre fechou os olhos nesse recinto sem eco: e viu que Dordalma não tinha morrido. O braço, cego, estendeu-se na penumbra:
- Alminha!
E nunca mais ele proferiu o nome dela.Nem evocou lembrança do tempo em que tinha sido marido. Queria tudo isso calado, sepultado em esquecimento.
- E você me ajude, meu filho.
Para Silvestre Vitalício, a minha vocação estava definida: tomar conta dessa insanável ausência, pastorear demónios que lhe abocanhavam o sono. Certa vez, enquanto partilhávamos sossegos, arrisquei:
- Ntunzi diz que lhe faço lembrar a mãe. É verdade, pai?
- É o contrário, você me afasta das lembranças. Esse Ntunzi é que me traz espinhos do antigamente.
- Sabe, pai? Ontem sonhei com a mãe.
- Como pode sonhar com alguém que nunca conheceu?
- Eu conheci, só não me lembro.
- É a mesma coisa.
- Mas recordo a voz dela.
- Qual voz dela? Dordalma quase nunca falava.
- Recordo um sossego que parece, sei lá, parece água. Às vezes penso que me lembro da casa, o grande sossego da casa...
- E Ntunzi?
- Ntunzi o quê, pai?
- Ele insiste que se recorda da mãe?
- Não há dia em que ele não se recorde dela.
Meu pai nada respondeu. Ruminou um novelo de resmungos e, depois, com voz rouca de quem foi ao fundo da alma, afirmou:
- Vou dizer uma coisa, nunca mais vou repetir: vocês não podem lembrar nem sonhar nada, meus filhos.
- Mas eu sonho, pai. E Ntunzi se lembra de tanta coisa.
- É tudo mentira. O que vocês sonham fui eu que criei nas vossas cabeças. Entendem?
- Entendo, pai.
- E o que vocês lembram sou eu que acendo nas vossas cabeças.
O sonho é uma conversa com os mortos, uma viagem ao país das almas.Mas já não havia nem falecidos nem território das almas.O mundo tinha terminado e o seu final era um desfecho absoluto: a morte sem mortos.O país dos defuntos estava anulado, o reino dos deuses cancelado. Foi assim que, de uma assentada, meu pai falou.Até hoje essa explanação de Silvestre Vitalício me parece lúgubre e confusa. Porém, naquele momento, ele foi peremptório:
- É por isso que vocês não podem nem sonhar nem lembrar. Porque eu próprio não sonho, nem lembro.
- Mas, pai, o senhor não tem memória da nossa mãe?
- Nem dela,nem da casa,nem de nada. Já não me lembro de nada.
E ele se ergueu, rangente, para esquentar o café.Os passos eram de embondeiro que vai arrancando as próprias raízes. Olhou o fogo, fez de conta que se mirava num espelho, fechou os olhos e aspirou os perfumosos vapores da cafeteira.Ainda de olhos fechados, sussurrou:
- Vou dizer um pecado: deixei de rezar quando você nasceu.
- Não diga isso, meu pai.
- Estou-lhe a dizer.
Uns têm filhos para ficarem mais perto de Deus. Ele se convertera em Deus desde que era meu pai. Assim falou Silvestre Vitalício. E prosseguiu: os falsos tristes, os maus solitários acreditam que os lamentos sobem às alturas.
- Mas Deus está surdo - disse.
Fez uma pausa para erguer a chávena e saborear o café e, depois, rematou:
- Mesmo que não estivesse surdo: que palavra há para falar a Deus?
Em Jesusalém, não havia igreja de pedra ou cruz. Era no meu silêncio que meu pai fazia catedral. Era ali que ele aguardava o regresso de Deus.
*Mia Couto

sábado, 16 de julho de 2011

A descendência de Caim

Num lugar ermo, donde mapas são indiferentes, um homem só vive entre a imensidão das montanhas e a modéstia de sua pequena casa. Um quarto austero, alguns livros de páginas amarelas, um bule amassado de chá, a cama feita com um colchão de palha e a velha escrivaninha única companheira inabalada em anos a fio. Acima de tudo, o negrume da noite é cortado por uma lamparina de bico já gasto ostentando uma pequena chama. Nas raras manhãs onde a enxaqueca ou gota não o atordoam como fossem uma fúria dos antigos amaldiçoados, ele caminha demoradamente entre as árvores, muito talvez invejando a espessura da casca que protege os troncos. Ademais, pensa e escreve. Debruçado no velho móvel sob o auxílio do precário lume, redige cartas a um amigo que nunca existiu. À 03 de março de um ano não pertencente ao calendário gregoriano:

“O mundo vive dias de indecência e superficialidade tamanha que às vezes sem pressentir, a idéia de suicídio me bate como uma das poucas coisas dignas que restaram. Mil vezes me envergonho, integralmente por ter partilhando as minhas mais elevadas aspirações dizendo-as ao público. Aspirações essas que mesmo em tempos muito mais valiosos e profundos, não deveria ter sido partilhadas. Depois de um século de liberdade o homem se vê prostrado sem saber que frutos essa árvore de fato deu, a abertura desmedida à imprensa transformou a vida em mercado, corrompeu o gosto, chacinou a beleza. Viver assim tão a mercê da imposição alheia é existir somente, como gado que foi marcado de forma voluntária. Todavia, abraço a solidão em que me recolho tal como Dante ou Espinosa, mesmo sabendo que esses homens eram muito mais preparados. É inegável que a sua maneira de processar o mundo era muito mais ajustada à solidão que a minha, afinal, os que conseguem inventar “Deus” por companhia jamais conhecerão a solidão que sinto. Sou um aborto da natureza e a minha razão não pode querer pretender mais(...)”

Olha pela janela, fita o opaco vidro com intensidade mesmo percebendo que nada se pode ver além da muralha escura da noite. Depois dessa pausa, mergulha mais uma vez a pena no tinteiro e escreve a frase derradeira:

“A minha fé tão parca, reside agora na esperança, ou na desesperança, de que surja um homem novo que possa demonstrar que tudo é deveras avesso ao que penso, que refunde o pesadelo da vida transformando-o em coisa mais viçosa. Creio que jamais me encontrei em tamanha decadência mas, estranhamente, sinto agora alívio em dizer minhas aspirações mais profundas”.
*Leandro M. de Oliveira

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Além

Muito além de lugar algum é como se beijasse o chão com a força de olhos. Faz o sinal da cruz e escarra sobre ele com a torpeza dos que envelheceram antes da infância. Meu lugar é o que virá e enfim começo a me sentir ressarcido. Ao talhe do artista mais raro, um corpo a simular verdades decaídas.

O que quererá a vida de nós, o que pretenderei eu que já não ouso coisa alguma... A chegada sempre tardia, as muitas intragabilidades da deficiência alheia. O cume de uma montanha só parece algo grandioso visto de baixo, no alto tudo é planície e ordinariedade como em qualquer viela marginal. O espelho mudado na invenção mais incerta, porque sustentar a beleza à luz do dia exige mais que um reflexo sofismático.

Setenta e sete metros abaixo do chão parece ser um bom lugar para se ocultar um cadáver. Todavia, isso não indica o que fazer o aquilo que resta dele. Gerir a transposição da existência numa coisa inominada, apreender a dimensão da verdade depois de haver existido em erro. Algures num planeta parecido com esse, inventado ou percebido pela intuição, pessoas fazem seu trabalho maquinal, riem, comem, lembram, esquecem. Num sítio diverso do que estou agora, tenho a impressão de que o existir existe apenas, com todo o resto sendo algo como uma doença nos olhos.

A tortura mais arcaica, um homem que sangra sozinho. Você só leu sobre o inferno na bíblia, meu amor. Eu, estive lá! Descendo ao Hades com a verdade dos nunca sentiram remorso, determinadamente a querer que a beleza se reinventasse do enxofre de estar vivo. Falhei como um amador barato, não consegui transpor o estige. Agora essa sombra é como todas as outras sombria, e ela ainda está lá. Desfolho os dedos por sobre uma lápide imaterial, taciturnamente um comboio imaginário de homens sem rosto leva o que restou daqui.

Qualquer encruzilhada que dê numa sala sem janelas sou eu, ermo, solene, desabitado. De todos os vícios a vaidade pode e deve ser o mais sórdido. Mergulhar num corpo alhures, arrancar de um organismo exterior a obstinação necessária. Ninguém jamais penetrará esse mistério, a geração que não virá, o entendimento selado onde as mãos não alcançam, como fora sonho ou maldição que não se sente. Imortalidade tem haver com ser incapaz de aceitar a grandeza das coisas. Que é o homem além de um ser amputado?

A consciência assim como vontade nunca se compartilham, amar frequentemente é um nome sofisticado que se criou para rituais antropofágicos.

*Leandro M. de Oliveira

quarta-feira, 18 de maio de 2011

A Gama do Vazio

Vi este perseguir tal meta e aquele tal outra; vi os homens fascinados por objetos díspares, sob o encanto de projetos e de sonhos ao mesmo tempo vis e indefiníveis. Analisando cada caso isoladamente para descobrir as razões de tanto fervor desperdiçado, compreendi o sem-sentido de todo gesto e de todo esforço.

Existe uma só vida que não esteja impregnada dos erros que fazem viver? Existe uma só vida clara, transparente, sem raízes humilhantes, sem motivos inventados, sem os mitos surgidos dos desejos? Onde está o ato puro de toda utilidade: sol que abomine a incandescência, anjo em um universo sem fé, ou verme ocioso em um mundo abandonado à imortalidade?

Quis defender-me contra todos os homens, reagir contra sua loucura, descobrir sua origem; escutei, vi e tive medo: medo de agir pelos mesmos motivos ou por qualquer outro motivo, de crer nos mesmos fantasmas ou em qualquer outro fantasma, de deixar-me afogar pelas mesmas embriaguezes ou por qualquer outra embriaguez; medo, enfim, de delirar em comum e de expirar em uma multidão de êxtases. Eu sabia que ao separar-me de uma pessoa despojara-me de um erro, que estava pobre da ilusão que lhe deixava…

Suas palavras febris a revelavam prisioneira de uma evidência absoluta para ela e irrisória para mim; ao contato de seu absurdo, despojava-me do meu… A quem aderir sem o sentimento de enganar-se e sem enrubescer? Só pode justificar-se aquele que pratica, com plena consciência, o disparate necessário para qualquer ato, e que não embeleza com nenhum sonho a ficção a que se entrega, do mesmo modo que só se pode admirar um herói que morre sem convicção, tanto mais disposto ao sacrifício quanto entreviu seu fundo.

Quanto aos amantes, seriam odiosos se no meio de suas caretas o pressentimento da morte não os roçasse. É perturbador pensar que levamos para o túmulo nosso segredo — nossa ilusão —, que não sobrevivemos ao erro misterioso que vivificava nosso alento, que excetuando as prostitutas e os céticos todos se perdem na mentira, por que não adivinham a equivalência, na nulidade, das volúpias e das verdades.

Quis suprimir em mim as razões que os homens invocam para existir e para agir. Quis tornar-me indizivelmente normal — e eis-me aqui, no embrutecimento, no mesmo plano que os idiotas e tão vazio como eles.
*Emil M. Cioran

quarta-feira, 11 de maio de 2011

A Multiplicidade do Gênio

Há variedade de gênios como há múltiplos talentos e belezas. Alguns génios são inovadores, outros são pensadores profundos, outros são pessoas de extraordinária habilidade, alguns têm uma imaginação fora de vulgar ou formas enviesadas de ver as coisas, alguns são superiormente inteligentes, outros apaixonadamente curiosos; a maioria é a combinação de, pelo menos, três destas qualidades, constituindo uma mistura volátil de dádivas intelectuais e traços de caráter. As dádivas intelectuais são a habilidade para ver as coisas de ângulos muitíssimo improváveis, de relevar o que não é essencial, e entender o verdadeiro significado do óbvio. Os traços de caráter são a persistência, teimosia, a capacidade para se entregar a grandes esforços, e a indiferença perante o ridículo ou a hostilidade de qualquer um que pense que aqueles fins perseguidos, os objetivos e as inovações em questão, são loucos.

A genialidade tem qualquer coisa da abertura e prontidão mental de uma criança, essa engenhosa capacidade para ver de outro modo, para dar saltos imaginativos e combinar coisas aparentemente inconciliáveis em novos sistemas. Entre os gênios, os grandes pensadores - Platão, Aristóteles, Newton, Kant, Einstein - viram para um lugar onde as raízes de coisas muito diferentes se juntam e enredam subterraneamente. Alguns gênios dificilmente são conscientes do seu poder, mas criam a impressão de uma transbordante abundância de talento. Mozart era um desses. O Talento está também no gênio de pintores e escultores, nos melhores cirurgiões, artesãos, jardineiros e arquitetos. Também há gênios calmos: o gênio dos poetas e dos grandes novelistas, e há gênio visionário nos grandes homens de estado e generais. Alguns gênios devem o seu sucesso ao cuidado, estudo, esforço tenaz, dedicação e "focus", determinação e coragem. outros devem-no a um flash de feliz e excêntrica inspiração no espaço e no tempo certo para ela.
*A.C. Grayling

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Sofismática da mansarda

Semelhante a um amor clandestino, a noite invade as salas antes mais iluminadas. Inscritas em matéria mais líquida que o fogo, sibilas inventam o futuro ainda presas ao hostil passado. A pertinência daquele corpo reside ao longo do edifício, muito embora de forma imaterial. O choque entre mundos deve ser um evento de natureza dúctil, caso contrário, seriam menos acidentados os caminhos que circundam o intransponível cume. Sentir na carne a verdade do mistério é ter de respirar no fundo d’água a plenos pulmões, como se compacta toda a fibra que espera ou se oprime qualquer porção de carne posta em torniquete, não há como retroagir quando se é cegado.

Dir-se-ia do homem que uma vez posto em jornada a um país estrangeiro perdera o caminho de volta pra casa. Sugerir que a crença do lar só existe quando não há mais nada para substituí-la pode ser uma das idéias mais honestas que se ousa. Nesse lugar, onde a fome de justiça conta com recursos tão parcos, só a quimera de alguns raros comporta a resignação necessária. Recorre-se à acolhida como uma porta que da para dentro de si, todo o resto que é lançado fora está igualmente perdido. O mundo a brotar como uma suspeição dos improváveis, pessoas a escavar o peito em busca de um abrigo anti-bombas.

O inteiro universo é uma massa oca e o buraco negro que sugou as constelações sou eu.

Impressentido, por campos abertos vou, ceifando a erva jovem, pisoteando as flores da insistente primavera. A natureza de um homicida não é diferente da de outro homem. No fim todos serão julgados com severidade, apesar de não haver quem saiba exatamente se são mais graves os vícios ou as virtudes ou se acaso há diferença entre eles. Ninguém pode ser belo ou grandioso demais sem que aconteça uma desgraça. Toda força, toda vitalidade há de ser subtraída um dia e aqueles que nos trouxeram aqui estarão na indiferença de suas distâncias, rindo como bêbados insanos.

Ademais da cisma de uma tragédia irreparável, a hesitação da vida rasga a consciência como um túnel.
*Leandro M. de Oliveira

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Como a noite descesse...

Como a noite descesse e eu me sentisse só, só e
[ desesperado diante dos horizontes
[ que se fechavam,
gritei alto, bem alto: ó doce e incorruptível
[ Aurora! e vi logo que só as estrelas
[ é que me entenderiam.
Era preciso esperar que o próprio passado
[ desaparecesse,
ou então voltar à infância.
Onde, entretanto, quem me dissesse
ao coração trêmulo:
— É por aqui!

Onde, entretanto, quem me dissesse
ao espírito cego:
— Renasceste: liberta-te!

Se eu estava só, só e desesperado,
por que gritar tão alto?
Por que não dizer baixinho, como quem reza:
— Ó doce e incorruptível Aurora...
se só as estrelas é que me entenderiam?

*Emílio Moura