Ha alguns dias uma pessoa me propôs uma leitura do séc. XX, um exercício de pensar a respeito do que enfim significou esse espaço de tempo na história. O choque de contradições que o moldou e a situação herdada pelo mundo nascida da dialética desses conflitos. Essa análise é interessante para compreender a constrção de alguns paradigmas e em que medida devem ser mantidos ou rediscutidos por nós. De acordo com o grande historiador egípicio Eric Hobsbawm, pode-se resumir os pontos nevralgicos desse tempo mais ou menos como se segue:
1. Uma tecnologia em avanço constante. Um mundo muito mais rico em sua capacidade de produzir bens e serviços, em grande variedade. Uma revolução nos transportes e nas comunicações, que encurtou o tempo e as distâncias.
2. Uma população mundial muitas vezes maior do que jamais antes na história da humanidade. Uma redução drástica da população agrícola, em face do êxodo maciço do campo e do aparecimento de cidades gigantescas (hoje mais no Terceiro Mundo, enquanto as grandes cidades das nações desenvolvidas caem para patamares mais baixos).
3. A humanidade tornou-se mais culta. A maioria das pessoas é considerada alfabetizada -- embora seja crescente o enorme fosso entre o analfabetismo funcional e o domínio da leitura e da escrita.
4. Nas últimas décadas, a maioria das pessoas vivia melhor do que seus pais, principalmente nas economias avançadas. Entretanto, a desigualdade econômica e social voltava a prevalecer no final do Século -- mesmo nos países mais ricos.
5. Foi o Século mais assassino: guerras (freqüentes, extensas e em grande escala), genocídios e fomes. As guerras, agora "sem limites", têm sido travadas cada vez mais contra as populações civis e contra a infra-estrutura do país. A nova impessoalidade da guerra: a tecnologia torna suas vítimas invisíveis.
6. Uma acentuada regressão à barbárie: condições de vida não-civilizada, crescente brutalidade e desumanização. A volta da tortura e do extermínio pelo Estado (apesar de ser uma época de desenvolvimento jurídico). Milhões de pessoas, na condição de refugiados, são forçadas a cruzar fronteiras, repatriadas e desenraizadas.
7. Queda dos grandes impérios coloniais e declínio da Europa como centro da civilização ocidental. Os europeus são hoje uma minoria decrescente, uma minoria cercada, erguendo barricadas contra a pressão da imigração das regiões pobres do mundo. Por outro lado, consolida-se a hegemonia mundial dos Estados Unidos (que também enfrenta a pressão da imigração, da América Latina).
8. A globalização das economias: uma economia mundial única, cada vez mais integrada, operando por sobre as fronteiras dos Estados, com predomínio das grandes empresas multinacionais. Os Estados-nação viram-se limitados em sua soberania pelas forças dessa economia transnacional (restringindo também a implantação das políticas sociais).
9. A economia cada vez mais dominada pelas grandes corporações, tornando balela termos como "livre competição" e "economia de livre mercado". E sem esperanças de se restaurar a velha economia liberal, de livre concorrência, do Século XIX.
10. Após uma Era de Catástrofes, notadamente na Europa (duas Grandes Guerras, nazi-fascismo, depressão econômica no entre-guerras), seguida de uma Era de Ouro (dos anos 50 até o início dos 70), quando o desenvolvimento material parecia ilimitado e duradouro (sem preocupações com o meio ambiente), vivemos no final do Século uma Era de Crise, com o desmoronamento do mundo socialista e do Estado de Bem Estar Social nos países capitalistas avançados. No Terceiro Mundo, crise, tensões e conflitos permanentes.
11. A crise agora é global, afeta todas as partes do mundo -- mesmo que de maneiras e em graus diferentes. É uma era de problemas de longo prazo que os teóricos do livre mercado não conseguem resolver: desemprego em massa, contrastes sociais cada vez maiores, depressões econômicas cíclicas, etc.
12. A desintegração dos velhos padrões de relacionamento social humano. A quebra dos elos entre as gerações. A predominância do individualismo, principalmente no capitalismo ocidental: sociedades formadas por pessoas egocentradas, em busca apenas da própria satisfação (o prazer, o lucro, etc.). A própria força econômica do capitalismo acabaria por desintegrar partes do passado que antes achava conveniente ou mesmo essencial para o seu desenvolvimento: a família, a religião, o trabalho árduo, etc.
Quanto ao fim disso? Bem, todos somos em si um fim e um começo, dessa forma o projeto é infinito embora se recicle e se reinvente. Cabe a nós, agentes da história construir o que esta por vir. Que o novo suprima o antigo, que o porvir revele frutos mais adocicados.
*Leandro M. de Oliveira1. Uma tecnologia em avanço constante. Um mundo muito mais rico em sua capacidade de produzir bens e serviços, em grande variedade. Uma revolução nos transportes e nas comunicações, que encurtou o tempo e as distâncias.
2. Uma população mundial muitas vezes maior do que jamais antes na história da humanidade. Uma redução drástica da população agrícola, em face do êxodo maciço do campo e do aparecimento de cidades gigantescas (hoje mais no Terceiro Mundo, enquanto as grandes cidades das nações desenvolvidas caem para patamares mais baixos).
3. A humanidade tornou-se mais culta. A maioria das pessoas é considerada alfabetizada -- embora seja crescente o enorme fosso entre o analfabetismo funcional e o domínio da leitura e da escrita.
4. Nas últimas décadas, a maioria das pessoas vivia melhor do que seus pais, principalmente nas economias avançadas. Entretanto, a desigualdade econômica e social voltava a prevalecer no final do Século -- mesmo nos países mais ricos.
5. Foi o Século mais assassino: guerras (freqüentes, extensas e em grande escala), genocídios e fomes. As guerras, agora "sem limites", têm sido travadas cada vez mais contra as populações civis e contra a infra-estrutura do país. A nova impessoalidade da guerra: a tecnologia torna suas vítimas invisíveis.
6. Uma acentuada regressão à barbárie: condições de vida não-civilizada, crescente brutalidade e desumanização. A volta da tortura e do extermínio pelo Estado (apesar de ser uma época de desenvolvimento jurídico). Milhões de pessoas, na condição de refugiados, são forçadas a cruzar fronteiras, repatriadas e desenraizadas.
7. Queda dos grandes impérios coloniais e declínio da Europa como centro da civilização ocidental. Os europeus são hoje uma minoria decrescente, uma minoria cercada, erguendo barricadas contra a pressão da imigração das regiões pobres do mundo. Por outro lado, consolida-se a hegemonia mundial dos Estados Unidos (que também enfrenta a pressão da imigração, da América Latina).
8. A globalização das economias: uma economia mundial única, cada vez mais integrada, operando por sobre as fronteiras dos Estados, com predomínio das grandes empresas multinacionais. Os Estados-nação viram-se limitados em sua soberania pelas forças dessa economia transnacional (restringindo também a implantação das políticas sociais).
9. A economia cada vez mais dominada pelas grandes corporações, tornando balela termos como "livre competição" e "economia de livre mercado". E sem esperanças de se restaurar a velha economia liberal, de livre concorrência, do Século XIX.
10. Após uma Era de Catástrofes, notadamente na Europa (duas Grandes Guerras, nazi-fascismo, depressão econômica no entre-guerras), seguida de uma Era de Ouro (dos anos 50 até o início dos 70), quando o desenvolvimento material parecia ilimitado e duradouro (sem preocupações com o meio ambiente), vivemos no final do Século uma Era de Crise, com o desmoronamento do mundo socialista e do Estado de Bem Estar Social nos países capitalistas avançados. No Terceiro Mundo, crise, tensões e conflitos permanentes.
11. A crise agora é global, afeta todas as partes do mundo -- mesmo que de maneiras e em graus diferentes. É uma era de problemas de longo prazo que os teóricos do livre mercado não conseguem resolver: desemprego em massa, contrastes sociais cada vez maiores, depressões econômicas cíclicas, etc.
12. A desintegração dos velhos padrões de relacionamento social humano. A quebra dos elos entre as gerações. A predominância do individualismo, principalmente no capitalismo ocidental: sociedades formadas por pessoas egocentradas, em busca apenas da própria satisfação (o prazer, o lucro, etc.). A própria força econômica do capitalismo acabaria por desintegrar partes do passado que antes achava conveniente ou mesmo essencial para o seu desenvolvimento: a família, a religião, o trabalho árduo, etc.
Quanto ao fim disso? Bem, todos somos em si um fim e um começo, dessa forma o projeto é infinito embora se recicle e se reinvente. Cabe a nós, agentes da história construir o que esta por vir. Que o novo suprima o antigo, que o porvir revele frutos mais adocicados.
**Eric Hobsbawm
2 comentários:
somos caóticos. quanta tristeza causamos.
Olá Leandro,
Como sempre o Soturna Primavera me fazendo pensar,refletir,pesquisar.
Com respeito ao "Balanço do Século
XX" me vejo compelida a colocações.
Dentro desta leitura,coloco o movimento Hippie,nascido na California-1966 que surgiu para expor o"absurdo"da guerra do Vietnã
expor o desencanto de uma juventude sem rumo,contrária a especialização da mão-de-obra, o elogio à máquina, à razão, à objetividade, etc. A cultura underground, marginal se opunha a tudo isso, propondo um retorno hedonista à natureza, onde o novo homem deveria estar de acordo com seus instintos.Junto a isso,veio
o LSD.
"Estavam inventando um mundo novo e original, e com a imaginação estavam tomando o poder. Estas eram as palavras do manifesto afixado à entrada da tradicional Universidade de Sourbonne, durante as manifestações estudantis que abalaram Paris e o mundo em maio de 68. Suas palavras poderiam figurar em qualquer texto de qualquer canto do planeta nos anos 60."
Paz e Amor,
um abraço,
Monica
Postar um comentário