quarta-feira, 2 de março de 2011

26º

Outro ano faz, tempo
Surdo, cego, mudo,
Agudo. De ter na mente
O éter que não se sente,
Apartado assim, um sei quê
Não sabendo de mim.

Cronos persiste algoz
De tudo quanto hesita.

Mais tarde será tarde,
E aqui, assim tardiamente
A porta por demais entreaberta.
A mão sombria tateia no ermo
O séquito do corpo jaz perdido.
Um carinho passa furioso por nós,
Pra morrer de cansaço tempos atrás.
Estar em si é pesado como chumbo.
Tempo alado dos dias calados,
Onde estás, a não ser na suposição?

*Leandro M. de Oliveira

A memória estrangeira

Ora as lembranças de amor não constituem exceção às leis gerais da memória, também elas regidas pelas leis mais gerais do hábito. Como este enfraquece tudo, o que melhor nos recorda um ser é justamente o que esquecemos (porque era insignificante e lhe deixámos assim toda a sua força).

Por isso é que a melhor parte da nossa memória está fora de nós, numa aragem pluviosa, no cheiro de um quarto fechado ou no cheiro de uma primeira labareda, em toda a parte onde encontramos de nós mesmos o que a nossa inteligência, por não o utilizar, pusera de lado, a última reserva do passado, a melhor, aquela que, quando todas as nossas lágrimas parecem esgotadas, nos sabe ainda fazer chorar.
*Marcel Proust