O Argumento do Desígnio
O Argumento do Desígnio (também conhecido como Argumento Teleológico) parte do fato de que o universo comporta toda a espécie de padrões ou de regularidades, tão diferentes como os intrincados padrões dos flocos de neve, a lei da atração universal e a maravilhosa complexidade do corpo humano. Algumas espécies de ordem (como, por exemplo, a ordem num mecanismo de um relógio de pulso ou na construção de uma represa por um castor) são explicadas pelo homem ou por outros animais. Mas muitas regularidades não podem ser explicadas dessa maneira; por exemplo, a ordem dos cristais ou a constância do ponto de fusão de cada uma das diferentes espécies de elementos. O argumento do desígnio postula um deus para explicar essas espécies de ordem que não são explicadas de outra maneira. Eis uma versão do argumento do desígnio:
1. Há ordem no universo.
2. Mas a ordem não pode existir sem desígnio. (Isto é, sem um projetista).
3. Logo, deve haver um projetista: Deus.
A força psicológica e apelativa do argumento é óbvia. A estonteante e maravilhosa complexidade de algo como o corpo humano parece gritar por um projetista ? um ser que calculou como funcionaria e depois o compôs. Nem a teoria da evolução satisfaz esta necessidade, dado que os detalhes de tais teorias dependem de leis da física e da química que, elas mesmas, exibem maravilhosas regularidades. No entanto o argumento tem falhas sérias ou mesmo fatais.
Objeções ao Argumento do Desígnio
A objeção mais óbvia é a de que, no melhor dos casos, o argumento do desígnio apenas prova que há um projetista e não um Deus padrão, tal como o argumento da causa primeira apenas provaria que há uma primeira causa. O projetista, claro, não precisa ser um Deus padrão; poderia muito bem ser o diabo, muitos deuses, um outro deus ou, talvez, um deus já falecido. Mas o argumento do desígnio nem sequer prova tanto porque a sua segunda premissa (a de que a ordem nem poderia existir sem um ordenador) é duvidosa, para não dizer pior. Porquê assumir que a ordem não pode existir sem um organizador?
Afirma-se muitas vezes que podemos justificar a existência de um projetista por um método chamado indução. Verifica-se que muitas coisas que manifestam ordem (relógios de pulso, por exemplo) foram deliberadamente compostas por projetistas humanos ou animais. Já vimos muitos relógios que sabemos que são projetados por humanos mas nunca vimos um que, sendo investigado, provasse não ter sido assim projetado. Portanto, se agora nós descobrirmos um relógio de pulso na areia de uma praia deserta. Assumimos (por indução) que ele também foi projetado por humanos.
Flocos de neve, as leis da natureza e o corpo humano manifestam ordem (apesar de, claro, nunca termos visto um projetista, humano ou não, a projetá-los). Sabemos, claro, que os seres humanos (ou noutros animais) não podem tê-los ordenado, pelo que concluímos, por indução, algum organizador não animal, nomeadamente Deus, deve tê-los feito assim.
Mas esta conclusão não está justificada. Quando concluímos por indução que o relógio de pulso encontrado na areia não se ajeitou sozinho ou que não apareceu completo por acidente, e que, portanto, deve ter sido projetado por seres humanos, estamos seguros. O nosso argumento assemelha-se a isto:
1. Já foram observados muitos relógios de pulso, e todos os que foram examinados foram projetados por humanos.
2. Este relógio deve ter sido projetado por seres humanos.
Podemos, inclusive, argumentar em termos mais gerais e, portanto, de uma maneira mais poderosa, assim:
1. Muitos dispositivos mecânicos foram já observados, e de todos os que foram examinados se concluiu que foram projetados por humanos.
2. Este dispositivo mecânico (que, por acaso, é um relógio de pulso) deve ter sido projetado por seres humanos.
Notemos agora quão mais geral um argumento teria de ser para nos levar até um projetista de flocos de neve, leis da natureza ou seres humanos:
1. Muitas das coisas organizadas têm sido observadas e de todas as que foram examinadas se concluiu que foram projetadas por humanos.
2. Esta coisa organizada (que, por acaso, é um floco de neve, uma lei da natureza ou um ser humano) deve ter sido projetada por um projetista.
O argumento é claramente defeituoso porque a sua premissa é obviamente falsa. Há um grande número de coisas ordenadas para as quais não descobrimos um projetista ou um organizador ? flocos de neve, arco-íris, cristais e seres humanos são alguns. (Se há um deus que projetou todas essas coisas, então, para observarmos o projetista de flocos de neve a trabalhar, teríamos de apanhar Deus no ato de os amoldar a partir de H20, ou, talvez, de o apanhar no ato de criar as leis da física de que resulta que H20 se compõe a si mesmo em flocos de neve).
O ponto é o de que as coisas que manifestam ordem parecem cair em duas classes distintas: aquelas que nós (ou outros animais) ordenaram; aquelas que não ordenamos. Já verificamos e encontramos muitos itens da primeira classe que são projetados por humanos. Mas nunca encontramos um projetista para um só membro da segunda classe. Portanto, não estamos autorizados a concluir por indução que toda a ordem implica um organizador ou um projetista, logo o argumento pelo desígnio não pode ser apoiado pelo raciocínio indutivo. Se estamos prontos para o aceitar, devemos estar a fazê-lo sem razão, isto é, pela fé.
A aposta de Pascal
O grande matemático e filósofo francês, Blaise Pascal (1632-1662), argumentou pela existência de Deus de maneira algo diferente:
“Deus existe ou Deus não existe… Que apostarás tu? De acordo com a razão, não poderás fazer nem uma coisa nem outra; de acordo com a razão não poderás defender nenhuma das opções… mas deves apostar. [E quanto à] tua felicidade? Pesemos ganhos e perdas apostando que Deus existe… Se ganhares (a aposta), ganhas tudo; se perderes, não perdes nada. Aposta então, sem hesitação, que Ele existe.”
A base da aposta de Pascal parece ser esta: devemos apostar (acreditar) em que Deus existe ou em que Deus não existe. Se Deus não existe, aquilo em que apostarmos fará pouca diferença. Mas se ele existir, fazemos um grande negócio. Assim a pessoa esperta ou sensata apostará (acreditará) que Deus existe.
Objeções à aposta de Pascal
Em primeiro lugar, Pascal está enganado na sua crença de que devemos apostar contra ou a favor da existência de Deus. Podemos optar por permanecer nas margens como faz o agnóstico. Claro que nesse caso podemos perder o prémio, se houver um prémio, por termos apostado incorretamente. Mas Pascal não pode provar que há tal prémio.
Em segundo lugar, a aposta não é tão simples como Pascal pensou porque há um número indefinido de possíveis criadores. O Deus cristão padrão em quem Pascal apostou é apenas um deles. Assim, o número de possibilidades para apostar é muito maior do que duas e jogadores racionais não têm a possibilidade de escolher mesmo que queiram escolher um Deus ou outro. Por outras palavras, se a aposta de Pascal faz sentido, será tão razoável apostar num deus lua ou deus sol como no Deus dos Judeus, Cristão ou Muçulmano.
E, finalmente, não há nenhuma prova ou razão para supor que ganhamos um prémio se apostarmos no Deus que de fato exista. Porque não podemos assumir sem razões que Deus recompense os crentes ou que puna os descrentes. (De fato, em última análise o próprio Pascal apelou à revelação ou fé). Pelo contrário, as intuições de muitos de nós dizem precisamente o contrário talvez porque quando nos tentamos pôr no lugar de Deus, percebemos que estaríamos inclinados a olhar a crença baseada na aposta de Pascal como sendo hipócrita. Deus, se existir, pode impressionar-se bem mais com a honestidade daqueles que não conseguiram apostar (acreditar) na ausência de provas do que com aqueles que acreditam porque pensam que é prudente fazê-lo.
*Howard Kahane
O Argumento do Desígnio (também conhecido como Argumento Teleológico) parte do fato de que o universo comporta toda a espécie de padrões ou de regularidades, tão diferentes como os intrincados padrões dos flocos de neve, a lei da atração universal e a maravilhosa complexidade do corpo humano. Algumas espécies de ordem (como, por exemplo, a ordem num mecanismo de um relógio de pulso ou na construção de uma represa por um castor) são explicadas pelo homem ou por outros animais. Mas muitas regularidades não podem ser explicadas dessa maneira; por exemplo, a ordem dos cristais ou a constância do ponto de fusão de cada uma das diferentes espécies de elementos. O argumento do desígnio postula um deus para explicar essas espécies de ordem que não são explicadas de outra maneira. Eis uma versão do argumento do desígnio:
1. Há ordem no universo.
2. Mas a ordem não pode existir sem desígnio. (Isto é, sem um projetista).
3. Logo, deve haver um projetista: Deus.
A força psicológica e apelativa do argumento é óbvia. A estonteante e maravilhosa complexidade de algo como o corpo humano parece gritar por um projetista ? um ser que calculou como funcionaria e depois o compôs. Nem a teoria da evolução satisfaz esta necessidade, dado que os detalhes de tais teorias dependem de leis da física e da química que, elas mesmas, exibem maravilhosas regularidades. No entanto o argumento tem falhas sérias ou mesmo fatais.
Objeções ao Argumento do Desígnio
A objeção mais óbvia é a de que, no melhor dos casos, o argumento do desígnio apenas prova que há um projetista e não um Deus padrão, tal como o argumento da causa primeira apenas provaria que há uma primeira causa. O projetista, claro, não precisa ser um Deus padrão; poderia muito bem ser o diabo, muitos deuses, um outro deus ou, talvez, um deus já falecido. Mas o argumento do desígnio nem sequer prova tanto porque a sua segunda premissa (a de que a ordem nem poderia existir sem um ordenador) é duvidosa, para não dizer pior. Porquê assumir que a ordem não pode existir sem um organizador?
Afirma-se muitas vezes que podemos justificar a existência de um projetista por um método chamado indução. Verifica-se que muitas coisas que manifestam ordem (relógios de pulso, por exemplo) foram deliberadamente compostas por projetistas humanos ou animais. Já vimos muitos relógios que sabemos que são projetados por humanos mas nunca vimos um que, sendo investigado, provasse não ter sido assim projetado. Portanto, se agora nós descobrirmos um relógio de pulso na areia de uma praia deserta. Assumimos (por indução) que ele também foi projetado por humanos.
Flocos de neve, as leis da natureza e o corpo humano manifestam ordem (apesar de, claro, nunca termos visto um projetista, humano ou não, a projetá-los). Sabemos, claro, que os seres humanos (ou noutros animais) não podem tê-los ordenado, pelo que concluímos, por indução, algum organizador não animal, nomeadamente Deus, deve tê-los feito assim.
Mas esta conclusão não está justificada. Quando concluímos por indução que o relógio de pulso encontrado na areia não se ajeitou sozinho ou que não apareceu completo por acidente, e que, portanto, deve ter sido projetado por seres humanos, estamos seguros. O nosso argumento assemelha-se a isto:
1. Já foram observados muitos relógios de pulso, e todos os que foram examinados foram projetados por humanos.
2. Este relógio deve ter sido projetado por seres humanos.
Podemos, inclusive, argumentar em termos mais gerais e, portanto, de uma maneira mais poderosa, assim:
1. Muitos dispositivos mecânicos foram já observados, e de todos os que foram examinados se concluiu que foram projetados por humanos.
2. Este dispositivo mecânico (que, por acaso, é um relógio de pulso) deve ter sido projetado por seres humanos.
Notemos agora quão mais geral um argumento teria de ser para nos levar até um projetista de flocos de neve, leis da natureza ou seres humanos:
1. Muitas das coisas organizadas têm sido observadas e de todas as que foram examinadas se concluiu que foram projetadas por humanos.
2. Esta coisa organizada (que, por acaso, é um floco de neve, uma lei da natureza ou um ser humano) deve ter sido projetada por um projetista.
O argumento é claramente defeituoso porque a sua premissa é obviamente falsa. Há um grande número de coisas ordenadas para as quais não descobrimos um projetista ou um organizador ? flocos de neve, arco-íris, cristais e seres humanos são alguns. (Se há um deus que projetou todas essas coisas, então, para observarmos o projetista de flocos de neve a trabalhar, teríamos de apanhar Deus no ato de os amoldar a partir de H20, ou, talvez, de o apanhar no ato de criar as leis da física de que resulta que H20 se compõe a si mesmo em flocos de neve).
O ponto é o de que as coisas que manifestam ordem parecem cair em duas classes distintas: aquelas que nós (ou outros animais) ordenaram; aquelas que não ordenamos. Já verificamos e encontramos muitos itens da primeira classe que são projetados por humanos. Mas nunca encontramos um projetista para um só membro da segunda classe. Portanto, não estamos autorizados a concluir por indução que toda a ordem implica um organizador ou um projetista, logo o argumento pelo desígnio não pode ser apoiado pelo raciocínio indutivo. Se estamos prontos para o aceitar, devemos estar a fazê-lo sem razão, isto é, pela fé.
A aposta de Pascal
O grande matemático e filósofo francês, Blaise Pascal (1632-1662), argumentou pela existência de Deus de maneira algo diferente:
“Deus existe ou Deus não existe… Que apostarás tu? De acordo com a razão, não poderás fazer nem uma coisa nem outra; de acordo com a razão não poderás defender nenhuma das opções… mas deves apostar. [E quanto à] tua felicidade? Pesemos ganhos e perdas apostando que Deus existe… Se ganhares (a aposta), ganhas tudo; se perderes, não perdes nada. Aposta então, sem hesitação, que Ele existe.”
A base da aposta de Pascal parece ser esta: devemos apostar (acreditar) em que Deus existe ou em que Deus não existe. Se Deus não existe, aquilo em que apostarmos fará pouca diferença. Mas se ele existir, fazemos um grande negócio. Assim a pessoa esperta ou sensata apostará (acreditará) que Deus existe.
Objeções à aposta de Pascal
Em primeiro lugar, Pascal está enganado na sua crença de que devemos apostar contra ou a favor da existência de Deus. Podemos optar por permanecer nas margens como faz o agnóstico. Claro que nesse caso podemos perder o prémio, se houver um prémio, por termos apostado incorretamente. Mas Pascal não pode provar que há tal prémio.
Em segundo lugar, a aposta não é tão simples como Pascal pensou porque há um número indefinido de possíveis criadores. O Deus cristão padrão em quem Pascal apostou é apenas um deles. Assim, o número de possibilidades para apostar é muito maior do que duas e jogadores racionais não têm a possibilidade de escolher mesmo que queiram escolher um Deus ou outro. Por outras palavras, se a aposta de Pascal faz sentido, será tão razoável apostar num deus lua ou deus sol como no Deus dos Judeus, Cristão ou Muçulmano.
E, finalmente, não há nenhuma prova ou razão para supor que ganhamos um prémio se apostarmos no Deus que de fato exista. Porque não podemos assumir sem razões que Deus recompense os crentes ou que puna os descrentes. (De fato, em última análise o próprio Pascal apelou à revelação ou fé). Pelo contrário, as intuições de muitos de nós dizem precisamente o contrário talvez porque quando nos tentamos pôr no lugar de Deus, percebemos que estaríamos inclinados a olhar a crença baseada na aposta de Pascal como sendo hipócrita. Deus, se existir, pode impressionar-se bem mais com a honestidade daqueles que não conseguiram apostar (acreditar) na ausência de provas do que com aqueles que acreditam porque pensam que é prudente fazê-lo.
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