segunda-feira, 12 de julho de 2010

Don Juan

(Em lugar algum perdido jovens sem futuro tramam cartas de amor,
senhoras puras maculam seus leitos beatos,
e enquanto isso um homem desesperado é sincero pela primeira vez...)

Dama de longos estivais, se me é permitido um conselho vos dou, esqueça a vaidade de teu nome. Suas veias ardem porque estão dominadas pela ambição invencível, pelo frenesi desmesurado e ancestral que leva o homem a pensar um estado de invulnerabilidade. Como uma sombra do tártaro, as seduções levianas do que pode haver de “casto” amordaçam seu corpo, enquanto o interior sequioso de suas coxas vislumbra coisas que vão além de uma retração absurda. Eu estava lá quando tudo começou... Essa jaula não comporta a geometria de tuas curvas, perecer em auto-degradação é coisa entregue a deuses e loucos.

Eventualmente você tem sentido um calafrio entre as pernas, como se minha barba mal feita roçasse lugares proibidos. Nesse momento seu corpo muda num arrepio inconsútil, a eletricidade te faz desesperar... Alheio ao entorno, seu corpo arcaico mostra sinais de vencida, seus olhos gritam como dois faróis. Reconhecer a força do oponente não é estar derrotado. Eu inventei o traçado de seus passos, montei guarda numa espera anterior à tua vinda. Salve a alma que te resta, tudo o mais já me pertence.

Há apenas uma mulher que usa vários rostos, você não pode querer ser diferente. És a mesma que me iniciou, e a mesma a quem fiz estremecer, quando já velho encontrei-a ainda como uma flor não colhida. Você quer fugir pra um lugar onde as coisas não pareçam tão irremediáveis, mas a calamidade em seu rosto te faz imóvel. Tenha o prazer do meu corpo de um modo animal, ou reze aos céus em contrição à decadência de tua vontade. Ainda é possível escolher, mas por pouco tempo. Se isso realmente conforta, eu não sei.

Há homens bem intencionados, como o outro que te quis. Suas mãos eram formadas em meandros de calos, as minhas são do mesmo modo em sangue, vertido de hímens inocentes, sugados de jugulares incautas. Há um charme febril nos assassinos por serem homens livres, você não é a primeira a perder a compostura quando me vê. Corte meus pulsos, por favor mate-me agora.Toda beleza é fugaz, todo carinho é agressão. Posso te ensinar a sorrir um pouco, depois como sempre, terá de aprender sozinha como se chora dignamente, não importa. De qualquer forma, a essa altura já estarei longe. Tudo o que existe de relevância vive em nós, entre o suor e fúria. Piedade é o único crime que não admite perdão.

Quero rasgar jugulares, me banhar em desejo rubro. Venha à mesa do sacrifício, naquele lugar terá tudo o que procura. Não é questão de estar se gabando, vendendo a visão de um sacerdote refinado. As coisas são como são, nasci para vitimar mulheres, como algumas flores nascem para a primavera ou uma moça puritana para ser desvirginada após o matrimônio. O vacilo de seus joelhos em permanecerem firmes não é medo, só um estado de incerteza quando se sabe estar perto do fim. Farei com que isso seja inesquecível, essa será tua pena mais aguda. Caminhar no tempo presente sempre dando conta de estar ainda abrigada por um passado longínquo. Minha imaterial lembrança te fará urrar como um cão quando a lua for cheia, ou gritar de horror quando perceber que tudo é sonho, pedaço de descaminho que vive onde não se consente.

Por quê eu faço isso? Pra cada mil perguntas há um milhão de respostas. Talvez uma delas seja, porque eu posso! A benevolência é luxo de quem tem família, eu fui abortado, a vida me fez assim e me deu ao mundo como flagelo. Sodomizaria minha própria mãe se a conhecesse, não é o que se passa. A pobre que me deu a luz foi só mais uma vítima das circunstâncias. Quando penso na criança que deves ter sido ha anos atrás, quase consigo consigo ter remorso, é impossível. O tempo assim como a natureza, são forças por demais implacáveis. Exterminarei o bom de ti sem mesmo saber o por que. Quando a máscara cair, pode ser que minhas cicatrizes a incomodem. Que a luz se apague então, para que fantasmas bailem em traje de gala.

*Leandro M. do Oliveira

Um comentário:

Monica disse...

Leandro de Deus, que texto!!
calou no fundo do profundo...
Poeta menino, menino Matusalém
Don Leandro! e tantos outros...