terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Enxergua-me a alma


Enxergua-me a alma,
Antes que o dia feneça
Enxergua-me por completo.
Observe, além pele e músculo
Sou fúria e sonho, ideal e não existir...
Amiúde sou infinito, cotidiano sou ninguém,
Me recomponho na aragem do dia,
Me reinvento silente por entre esse caminho de imensidão.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

OS TRABALHOS DE MARIA E O LAMENTO DE JOSE


Em menção ao Natal e todo esse "espírito religioso" que aflora dentro sociedade ocidental nesse período do ano posto uma série de Helder Macedo da qual gosto muito. Espero que apreciem...


OS TRABALHOS DE MARIA E O LAMENTO DE JOSE

ANUNCIAÇÃO

Espada dúctil de fogo

negro sol latejando vertical

ave branca explodia no meu ventre

é sem partilha

o amor que me anuncias

nem é humana

ou tua

a sombra que cresceu sobre o meu corpo

e me alongou num fundo mar

sem esperança

pois não há esperança no mistério revelado

e o que a carne concebe

é já divino

porque sem comando.

NATIVIDADE

Latejar intervalado de orgasmo já em ferida.

Rotura. Espanto. Irreversível dor.

Um ventre inchado golfa a expectativa de si próprio.

Porém já fui pequena

já fui também pequena

e me nasceram seios

e me cresceram pelos

e o sexo me floriu

no afago quente

do primeiro sangue.

Um grito rouco. Um ventre rasgado de dentro.

Viscoso, um novo corpo

tomba

e limita a eternidade.

Fiquei então sozinha

no corpo que era meu

para que o desse.

E dei-o

e mo romperam

com amor.

Não tem olhos nem dentes, não tem nome,

digere, vage, suga,

é calvo, é mole, é outrem,

só fúria sem contornos de crescer.

E agora

por mim própria violada

me castrei.

O amor que existe

Começa e acaba em mim.

Como negar-me

Se eu fui quem me devora:

Mas fui pequena

mas fui também pequena.

O DESERTO

Agora o vazio

agora o deserto

agora o vazio

porque estou sem mim

agora o deserto

porque a vida que gerei

negou a vida

chorai chorai comigo

ou tapai-me a boca

com pedras e com estrume

chorai chorai chorai

porque aquele que tinha em si

a morte e a vida

escolheu a morte

essas vozes que ouvias

meu menino

essas vozes que ouviste

e chamavam por ti

não era a morte não

que a morte é muda

e quando a morte fala

é porque a vida

era a voz do que tu és

e não conheces

a chamar-te por ti

a chamar o seu dono

para lhe mostrar

que toda a eternidade

está contida

no teu corpo

que podes conhecer

a eternidade

pois não há outra

além de conhecê-la

no prazo temporário

do teu ser

e só ai

só em ti

porque ela é tão finita

como tu

é tão mutável

e tudo o que o não seja

é só o nada

nada

nada

ah chorai comigo

ou então matai-me

recusaste

ser tudo quanto és

recusaste

encontrar-te

face a face

com o segredo de ti

ou cegaste

quando o viste

e guardaste só nos olhos

a visão

que projectaste no vazio

e então morreste

antes de ser

pois és profeta

de mundos que não há

e não do mundo

e morreste

e morreste

e morreste antes de seres

e não deste o teu nome

à tua vida

e eu choro

choro

choro

sobre o teu pavor

de não teres alma

de não seres tu

a alma do teu corpo

e choro sobre mim

que te gerei

e pari morte

porque negaste

a vida que em mim tinha

e que te dei

e fiquei só

e estou sem nada

e o meu ventre está oco

é o vazio

e sequei

e sequei

como o deserto

CRUCIFICAÇÃO

O que ofereces não chega.

Tua vontade tem o teu tamanho]

e o corpo que lhe dás é o teu corpo

meu corpo anterior que me usurpaste.

Nem o reino que anuncias pode abrir-se

para ti

mais que os lábios rasgados do meu sexo.

Um parto é sem regresso.

E é já dos outros

a fé que rege o mundo

e que os teus braços breves esticou

num abraço maior do que podias.

Não o teu verbo

mas o teu corpo

eu quero

que nele se transformou o meu poder.

Morre sozinho

Se não crês em ti.

Meu ventre bifurcando lembra ainda

a forma imaculada do teu crânio.

RESSURREIÇÃO

E agora há morte

porque tu morreste

e agora já sou eu quem vai morrer

quando eu morrer

tu foste o sangue

mas eu sou a carne

devolveste-me a vida

quando acabaste a vida que te dei

e tenho medo agora

e já não sei

em que sonhos de ti me hei-de ocultar

teu cadáver não foi meu impunemente

pois desceste de ti

não ao teu ventre

mas ao ventre amorfo

e triturante

da terra

que te despojará da tua forma

corroendo de ti todo o meu ser

para ressuscitares

em nada

para sempre.

O LAMENTO DE JOSÉ

Amei. Não fui amado. Sem paixão.

O mundo que inventaste não permite

nem que o rancor defina o meu amor.

Teu corpo fecundei

inchou de mim

mas como um estupro do que te ofereci

recusaste a verdade do meu corpo

no filho que pariste

em vez do meu.

Meu destino cumpri em não ter sido.

Estou velho e só.

Que venha a morte

Mas que seja minha.

(De Poesia – 1957-1968)

*Helder Macedo - Poeta, romancista, ensaísta, crítico e investigador literário, nasce em 1935, em Krugersdorp, perto de Joanesburgo, África do Sul. Passa a infância em Moçambique até 1948, ano em que vem para Lisboa. Entre 1955 e 1959 frequenta a Faculdade de Direito de Lisboa. No ano seguinte, Helder Macedo instala-se em Londres, onde se licencia em Estudos Portugueses e Brasileiros e História. Em 1971, inicia a sua carreira académica no King’s College, em Londres — onde obtém o doutoramento na área de Letras, em 1974 —, passando, entre outras universidades, por Harvard (E.U.A.), pela EHECS (França) e pela Universidade de São Paulo (Brasil). Especializou-se nas obras de Camões, Bernardim Ribeiro e Cesário Verde, detendo, desde 1982, a cátedra Camões no King’s College. Colaborou na organização de várias antologias poéticas e assinou artigos ensaísticos em diversos jornais e revistas nacionais e internacionais.

O seu primeiro livro de poesia, Vesperal, foi publicado em 1957, marcando o início da sua obra poética.

Guillaume Apollinaire


LIENS

Cordes faites de cris

Sons de cloches à travers 1'Europe
Siécles pendus

Rails qui ligotez les nations
Nous ne sommes que deux ou trois hommes
Libres de tous liens
Donnons-nous la main

Violente pluie qui peigne les fumées
Cordes
Cordes tissées
Câbles sous-marins
Tours de Babel changées en ponts
Araignées-Pontifes
Tous les amoureux qu'un seul lien a liés

D'autres liens plus ténus
Blancs rayons de lumiére
Cordes et Concorde

J'ecris seulement pour vous exalter
O Sens ô sens chéris
Ennemis du souvenir
Ennemis du désir

Ennemis du regret
Ennemis des larmes
Ennemis de tout ce que j'aime encore

LAÇOS

Cordas feitas de gritos

Sons de sinos badalam pela Europa
Séculos suspensos

Trilhos ligando nações
Somos só dois homens ou três
Livres de todos os laços
Vamos de mãos dadas

Chuva violenta penteia a fumaça
Cordas
Cordas tecidas
Cabos submarinos
Torres de Babel transformadas em pontes
Aranhas-Pontífices
Todos os amantes que um só laço ligou
Outros laços mais tênues
Alvos raios de luz
Cordas e Concórdia

Escrevo só para celebrar vocês
Oh meus sentidos queridos
Inimigos da memória
Inimigos do desejo

Inimigos do pesar
Inimigos das lágrimas
Inimigos de tudo que amo agora


*Guillaume Apollinaire,
escritor francês de origem polonesa, nasceu em 1880. Poeta, estudioso de artes plásticas e dramaturgo, esteve ligado aos movimentos de vanguarda do início do século XX, como o cubismo e o futurismo. Lutou na I Guerra Mundial, sendo gravemente ferido; de volta a Paris, levou vida boêmia, desregrada, tendo inclusive publicado obras pornográficas para ganhar seu pão. Faleceu em 1918, ano de conclusão do conflito bélico. A poesia de Apollinaire, inovadora (sobretudo Alcools, de 1913, e Caligramas, de 1918) adotou recursos como o verso livre, a supressão da pontuação, as "palavras em liberdade" e recursos espaciais da caligrafia ideogrâmica chinesa. Apollinaire destacou-se também como dramaturgo (As Mamas de Tirésias, 1917), crítico de artes plásticas (Os Pintores Cubistas, 1913) e ensaísta (O Espírito Novo e os Poetas, 1946 ), e é de sua autoria o termo "surrealista". De sua enorme produção, é a poesia que ocupa o primeiro plano; além das coletâneas citadas, merecem destaque o Bestiário (1911), Choix de Poésies (1946), Poèmes Secrets a Madelaine(1949) e Poèmes (1962). Apollinaire exerceu notável influência sobre os modernistas brasileiros, nos anos 20, como Mário e Oswald de Andrade.

sábado, 27 de dezembro de 2008

SENSATION


Pas les beaux soirs d’été, j’irai dans les sentiers
Picoté par les blés, fouler l’herbe menue:
Rêveur, j’en sentirai la fraîcheur à mes pieds:
Je laisserai le vent baigner ma tête nue.

Je ne parlerai pas, je ne penserai rien…
Mais un amour immense entrera dans mon âme,
Et, j’irai loin, bien loin; comme un bohémien
Par la Nature, — heureux comme avec une femme!

oooo0000oooo

Nas belas tardes de verão, pelas estradas irei,
Roçando os trigais, pisando a relva miúda:
Sonhador, a meus pés seu frescor sentirei:
E o vento banhando-me a cabeça desnuda.

Nada falarei, não pensarei em nada:
Mas um amor imenso me irá envolver,
E irei longe, bem longe, a alma despreocupada,
Pela Natureza — feliz como com uma mulher.



*Arthur Rimbaud 1870

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Poema de Natal


Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.


*Vinicius de Moraes

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

LA SPERANZA


    Per l’amor dei poeti
    Principessa dei sogni segreti
    Nell’ali dei vivi pensieri ripeti ripeti
    Principessa i tuoi canti:
    O tu chiomata di muti canti
    Pallido amor degli erranti
    Soffoca gli inestinti pianti
    Da trégua agli amori segreti
    Chi le taciturne porte
    Guarda che la Notte
    Ha aperte sull’infinito ?
    Chinan l’ore : col sogno vanito
    China la pallida Sorte ........
    ..................................

    Per l’amor dei poeti, porte
    Aperte de la morte
    Su l’infinito !
    Per l’amor dei poeti
    Principessa il mio sogno vanito
    Nei gorghi de la Sorte





            A ESPERANÇA


            Pelo amor dos poetas
            Princesa dos sonhos secretos
            Nas asas dos vivos pensamentos repete repete
            Princesa os teus cantos:
            Ó tu frondosa de mudos cantos
            Pálido amor dos errantes
            Sufoca os inextintos prantos
            Dá trégua aos amores secretos:
            Quem as taciturnas portas
            Olha que a Noite
            Abre ao infinito?
            Declinam as horas: com o sonho esvaído
            Declina a pálida Sorte
            ..................................

            Pelo amor dos poetas, portas
            Abertas da morte
            Sobre o infinito!
            Pelo amor dos poetas
            Princesa o meu sonho esvaído
            Nos vórtices da Sorte!


           





 *Dino Campana, in Mesa de Amigos
            Versão de Pedro da Silveira

sábado, 20 de dezembro de 2008

TREZE VERSOS


  E finalmente pronunciaste a palavra
    não como quem se ajoelha,
    mas como quem escapa da prisão
    e vê o sagrado dossel das bétulas
    através do arco-íris do pranto involuntário.
    E à tua volta cantou o silêncio
    e um sol muito puro clareou a escuridão
    e o mundo por um instante transformou-se
    e estranhamente mudou o sabor do vinho.
    E até eu, que fora destinada
    da palavra divina a ser a assassina,
    calei-me, quase com devoção,
    para poder prolongar esse instante abençoado.


    Anna Akhmátova, 
Poesia: 1912-1964
    Trad.:Lauro Machado Coelho

O imperialismo, etapa superior do capitalismo - Lênin (parte 2)

II. Os Bancos eo seu novo papel

 

A operação fundamental e inicial que os bancos realizam é a de intermediários nos pagamentos. É assim que eles convertem o capital-dinheiro inativo em capital ativo, isto é, em capital que rende lucro; reúnem toda a espécie de rendimentos em dinheiro e colocam-nos à disposição da classe capitalista.

À medida que vão aumentando as operações bancárias e se concentram num número reduzido de estabelecimentos, os bancos convertem-se, de modestos intermediários que eram antes, em monopolistas onipotentes, que dispõem de quase todo o capital-dinheiro do conjunto dos capitalistas e pequenos patrões, bem como da maior parte dos meios de produção e das fontes de matérias-primas de um ou de muitos países. Esta transformação dos numerosos modestos intermediários num punhado de monopolistas constitui um dos processos fundamentais da transformação do capitalismo em imperialismo capitalista, e por isso devemos deter-nos, em primeiro lugar, na concentração bancária.

No exercício de 1907-1908, os depósitos de todas as sociedades anônimas bancárias da Alemanha que possuíam um capital de mais de um milhão de marcos eram de 7.000 milhões de marcos; no exercício de 1912-1913 tinham subido para 9800 milhões. Um aumento de 40 % em cinco anos, com a particularidade que, desses 2.800 milhões de aumento, 2.750 milhões correspondiam a 57 bancos com um capital de mais de 10 milhões de marcos. A distribuição dos depósitos entre os bancos grandes e pequenos era a seguinte*1:

Percentagem de todos os depósitos

Nos 48 bancos Nos bancos
Nos 9 grandes restantes com Nos 115 bancos pequenos (com
bancos capital superior com capital de menos de
Berlinenses a 10 milhões 1 a 10 milhões 1 milhão)
de marcos 

1907-1908 ........ 47 32,5 16,5 4
1912-1913 ........ 49 36 12 3



Os bancos pequenos vão sendo afastados pelos grandes, nove dos quais concentram quase metade de todos os depósitos. E aqui ainda não se têm em conta muitos elementos, por exemplo a transformação de numerosos bancos pequenos em simples sucursais dos grandes, etc., do que trataremos mais adiante.

Em fins de 1913, Schulze-Gaevernitz calculava os depósitos dos 9 grandes bancos berlinenses em 5.100 milhões de marcos para um total de cerca de 10.000 milhões. Tomando em consideração não só os depósitos mas todo o capital bancário, esse mesmo autor escrevia: “Em fins de 1909, os nove grandes bancos berlinenses, contando com os bancos a eles ligados, controlavam 11.300 milhões de marcos, isto é, cerca de 83 % de todo o capital bancário alemão. O Banco Alemão (Deutsche Bank), que controla, contando com os bancos a ele ligados, cerca de 3.000 milhões de marcos, representa, ao lado da administração prussiana dos caminhos-de-ferro do Estado, a acumulação de capital mais considerável do Velho Mundo, com a particularidade de estar altamente descentralizada.”*2

Sublinhamos a indicação relativa aos bancos “ligados” porque se refere a uma das características mais importantes da concentração capitalista moderna. Os grandes estabelecimentos, particularmente os bancos, não só absorvem diretamente os pequenos como os “incorporam”, subordinam, incluem-nos no “seu” grupo, no seu “consórcio” - segundo o termo técnico - por meio da “participação” no seu capital, da compra ou da troca de ações, do sistema de créditos, etc., etc. O Prof. Liefmann consagrou todo um volumoso “trabalho” de meio milhar de páginas à descrição das “sociedades de participação e financiamento” contemporâneas*3, mas, infelizmente, acrescentando raciocínios “teóricos”, de qualidade mais que inferior a um material em bruto, freqüentemente mal digerido. Ao que conduz este sistema de “participação” do ponto de vista da concentração, mostra-o melhor do que qualquer outra a obra do Sr. Riesser, “personalidade” do mundo das finanças, acerca dos grandes bancos alemães. Todavia, antes de examinarmos os seus dados, exporemos um exemplo concreto do sistema de “participação”.

O “grupo” do Banco Alemão é um dos mais importantes, para não dizer o mais importante, dos grupos de grandes bancos. Para nos apercebermos dos laços principais que ligam entre si todos os bancos do grupo mencionado é necessário distinguirmos as “participações” de primeiro, segundo e terceiro grau, ou, o que é o mesmo, a dependência (dos bancos mais pequenos em relação ao Banco Alemão) de primeiro, segundo e terceiro grau. Os resultados são os seguintes*4: 

O banco Alemão Dependência Dependência Dependência
participa de 1º grau de 2º grau de 3º grau

permanentemente . em 17 bancos dos quais 9 parti- dos quais 4 parti-
cipam noutros 34 cipam noutros 7
por tempo indeter- 
minado ................ 5m 5 bancos -------- ---------

ocasionalmente ..... em 8 bancos dos quais 5 parti- dos quais 2 parti-
cipam noutros 14 cipam noutros 2

Total.................... em 30 bancos dos quais 14 parti- dos quais 6 parti-
cipam noutros 48 cipam noutros 9

Entre os oito bancos “dependentes de primeiro grau”, subordinados ao Banco Alemão “ocasionalmente”, figuram três bancos estrangeiros: um austríaco (a Sociedade Bancária - Bankverein - de Viena) e dois russos (o Banco Comercial Siberiano - Sibírski Torgóvi Bank e o Banco Russo de Comércio Externo - Rússki Bank dliá Vnéchnei Torgóvii). No total, fazem parte do grupo do Banco Alemão, direta ou indiretamente, parcial ou totalmente, 87 bancos, e o capital total, próprio ou alheio, que o grupo controla calcula-se em 2 ou 3 mil milhões de marcos.

É evidente que um banco que se encontra à frente de um tal grupo e que se põe de acordo com meia dúzia de outros bancos, quase tão importantes como ele, para operações financeiras particularmente volumosas e lucrativas, tais como os empréstimos públicos, deixou já de ser um “intermediário”) para se converter na aliança de um punhado de monopolistas.

Os dados seguintes de Riesser, que citamos de forma abreviada, mostram a rapidez com que, em fins do século XIX e princípios do século XX, se efetuou a concentração bancária na Alemanha:

SEIS GRANDES BANCOS BERLINENSES TINHAM

Sucursais Caixas de Participações Total
Anos na depósito e casas constantes em dos
Alemanha de câmbio sociedades anônimas estabelecimentos
bancárias alemãs 

1895 .................. 16 14 1 42
1900 .................. 21 40 8 80
1911 .................. 104 276 63 450


Estes dados permitem ver a rapidez com que cresce a apertada rede de canais que abarca todo o país, centraliza todos os capitais e rendimentos em dinheiro, converte milhares e milhares de empresas dispersas numa empresa capitalista única, nacional a princípio e mundial depois. A “descentralização” de que, na passagem que referimos acima, falava Schulze-Gaevernitz em nome da economia política burguesa dos nossos dias, consiste, na realidade, na subordinação a um centro único de um número cada vez maior de unidades econômicas que antes eram relativamente “independentes”, ou, para sermos mais exatos, eram localmente limitadas. Trata-se pois, com efeito, de uma centralização, de um reforço do papel, da importância e do poder dos gigantes monopolistas.

Nos países capitalistas mais velhos, a referida “rede bancária” é ainda mais apertada. Na Inglaterra, com a Irlanda, em 1910 o número de sucursais de todos os bancos era de 7.151. Quatro grandes bancos tinham mais de 400 sucursais cada um (de 447 a 689); seguiam-se outros quatro, com mais de 200, e 11 com mais de 100.

Em França, os três bancos mais importantes, o Crédit Lyonnais, o Comptoir National e a Société Générale ampliaram as suas operações e a rede das suas sucursais do seguinte modo*5:

Número de sucursais Capitais (em milhões
e de caixas de francos)

Província Paris Total Próprios Alheios

1870 ....... 47 17 64 200 427
1890 ....... 192 66 258 265 1245
1909 ....... 1033 196 1229 887 4363


Para caracterizar as “relações” de um grande banco moderno, Riesser fornece dados sobre o número de cartas enviadas e recebidas pela Sociedade de Desconto (Disconto-Gesellschaft), um dos bancos mais importantes da Alemanha e de todo o mundo (o seu capital ascendia em 1914 a 300 milhões de marcos):

Número de cartas
Recebidas Expedidas

1852 .......................... 6 135 6 292
1870 .......................... 858 000 87 513
1900 .......................... 533 102 626 043


No grande banco parisiense Crédit Lyonnais, o número de contas correntes, que em 1875 era de 28.535, passou em 1912*6 para 633.539.

Estes simples números mostram, talvez com maior evidência do que longos raciocínios, como a concentração do capital e o aumento do movimento dos bancos modificam radicalmente a importância destes últimos. Os capitalistas dispersos acabam por constituir um capitalista coletivo. Ao movimentar contas correntes de vários capitalistas, o banco realiza, aparentemente, uma operação puramente técnica, unicamente auxiliar. Mas quando esta operação cresce até atingir proporções gigantescas, resulta que um punhado de monopolistas subordina as operações comerciais e industriais de toda a sociedade capitalista, colocando-se em condições - por meio das suas relações bancárias, das contas correntes e de outras operações financeiras -, primeiro de conhecer com exatidão a situação dos diferentes capitalistas, depois de controlá-los, exercer influência sobre eles mediante a ampliação ou a restrição do crédito, facilitando-o ou dificultando-o, e, finalmente, de decidir inteiramente sobre o seu destino, determinar a sua rendibilidade, privá-los de capital ou permitir-lhes aumentá-lo rapidamente e em grandes proporções, etc.

Acabamos de mencionar o capital de 300 milhões de marcos da Sociedade de Desconto de Berlim. Este aumento de capital da referida sociedade foi um dos episódios da luta pela hegemonia entre os dois bancos berlinenses mais importantes: o Banco Alemão e a Sociedade de Desconto. Em 1870, o primeiro, que então acabava de aparecer em cena, tinha um capital de 15 milhões, enquanto o do segundo se elevava a 30 milhões. Em 1908, o primeiro tinha um capital de 200 milhões; o do segundo era de 170 milhões. Em 1914, o primeiro elevou o seu capital para 250 milhões; o segundo, mediante a fusão com outro banco importantíssimo, a Aliança Bancária Schaffhausen, passou o seu para 300 milhões. E, naturalmente, esta luta pela hegemonia decorre paralelamente aos “acordos”, cada vez mais freqüentes e mais sólidos, entre os dois bancos. Eis as conclusões a que este desenvolvimento dos bancos leva alguns especialistas em questões bancárias que examinam os problemas econômicos de um ponto de vista que nunca ultrapassa os limites do reformismo burguês mais moderado e circunspecto:

“Os restantes bancos seguirão o mesmo caminho - dizia a revista alemã Die Bank a propósito da elevação do capital da Sociedade de Desconto para 300 milhões - e as trezentas pessoas que no momento atual regem os destinos econômicos da Alemanha ver-se-ão reduzidas, com o tempo, a 50, 25 ou menos ainda. Não há que esperar que o movimento moderno de concentração fique circunscrito aos bancos. As estreitas relações entre diferentes bancos conduzem também naturalmente à aproximação entre os sindicatos de industriais que estes bancos protegem ... Um belo dia acordaremos e perante os nossos olhos espantados não haverá mais do que trusts, encontrar-nos-emos na necessidade de substituir os monopólios privados pelos monopólios de Estado. Contudo, na realidade, nada teremos de que censurar-nos, a não ser o fato de termos deixado que a marcha das coisas decorresse livremente, um pouco acelerada pelo uso das cações. “ *7

Eis um exemplo da impotência do jornalismo burguês, do qual a ciência burguesa se distingue apenas por uma menor franqueza e pela- tendência para ocultar o fundo das coisas, para esconder o bosque atrás das árvores. “Espantar-se” com as conseqüências da concentração, “fazer censuras” ao governo da Alemanha capitalista ou à “sociedade” capitalista (“nós”), temer a “aceleração” da concentração provocada pela introdução das ações, do mesmo modo que um especialista alemão “em cartéis”, Tschierschky, teme os trusts americanos e “prefere” os cartéis alemães, porque, segundo ele, não são tão susceptíveis “de acelerar, de forma tão excessiva como os trusts, o progresso técnico e económico”*8, não será tudo isto prova de impotência?

Mas os fatos são fatos. Na Alemanha não há trusts, há “apenas” cartéis, mas o país é dirigido quando muito por 300 magnatas do capital, e o seu número diminui incessantemente. Os bancos, em todo o caso, em todos os países capitalistas, qualquer que seja a diferença entre as legislações bancárias, intensificam e tomam muitas vezes mais rápido o processo de concentração do capital e de constituição de monopólios.

“Os bancos criam, à escala social, a forma, mas nada mais que a forma, de uma contabilidade geral e de uma distribuição geral dos meios de produção” - escrevia Marx, há meio século, em O Capital (trad. rus., t. III, parte II, p. 144). Os dados que reproduzimos, referentes ao aumento do capital bancário, do número de escritórios e sucursais dos bancos mais importantes e suas contas correntes, etc., mostram-nos concretamente essa “contabilidade geral” de toda a classe capitalista, e não só capitalista, pois os bancos recolhem, ainda que apenas temporariamente, os rendimentos em dinheiro de todo o gênero, tanto dos pequenos patrões como dos empregados, e de uma reduzida camada superior dos operários. A “distribuição geral dos meios de produção”: eis o que surge, do ponto de vista formal, dos bancos modernos, os mais importantes dos quais, 3 a 6 em França e 6 a 8 na Alemanha, dispõem de milhares e milhares de milhões. Mas, pelo seu conteúdo, essa distribuição dos meios de produção não é de modo nenhum “geral”, mas privada, isto é, conforme aos interesses do grande capital, e em primeiro lugar do maior, do capital monopolista, que atua em condições tais que a massa da população passa fome e em que todo o desenvolvimento da agricultura se atrasa irremediavelmente em relação à indústria, uma parte da qual, a “indústria pesada”, recebe um tributo de todos os restantes ramos industriais.

Quanto à socialização da economia capitalista, começam a competir com os bancos as caixas econômicas e as estações de correios, que são mais “descentralizadas”, isto é, que estendem a sua influência a um número maior de localidades, a um número maior de lugares distantes, a setores mais vastos da população. Eis os dados recolhidos por uma comissão americana encarregada de investigar o aumento comparado dos depósitos nos bancos e nas caixas econômicas*9:

Depósitos (em milhares de milhões de marcos)

Inglaterra França Alemanha 

Anos Nos Nas Nos Nas Nos Nas Nas
bancos caixas bancos caixas bancos sociedades caixas
econômicas econômicas de crédito econômicas


1880 ............ 8,4 1,6 ? 0,9 0,5 0,4 2,6
1888 ............ 12,4 2,0 1,5 2,1 1,1 0,4 4,5
1908 ............ 23,2 4,2 3,7 4,2 7,1 2,2 13,9



As caixas econômicas, que pagam 4% e 4 1/4% aos depositantes, vêem-se obrigadas a procurar uma colocação “lucrativa” para os seus capitais, a lançar-se em operações de desconto de letras, de hipotecas e outras. As fronteiras existentes entre os bancos e as caixas econômicas “vão desaparecendo cada vez mais”. As Câmaras de Comércio de Bochum e de Erfurt, por exemplo, exigem que se “proíbam”, às caixas as operações “puramente” bancárias, tais como o desconto de letras; exigem a limitação da atividade “bancária” das estações de correios*10. Os magnatas bancários parecem temer que o monopólio de Estado os atinja por esse caminho, quando menos esperem. Mas, naturalmente, esse temor não ultrapassa os limites da concorrência entre dois chefes de serviço num mesmo escritório, porque por um lado são, ao fim e ao cabo, esses mesmos magnatas do capital bancário que dispõem de fato dos milhares de milhões concentrados nas caixas econômicas; e, por outro lado, o monopólio de Estado na sociedade capitalista não é mais do que uma maneira de aumentar e assegurar os rendimentos dos milionários que correm o risco de falir num ou noutro ramo da indústria.

A substituição do velho capitalismo, no qual reina a livre concorrência, pelo novo capitalismo, no qual domina o monopólio, é expressa, entre outras coisas, pela diminuição da importância da Bolsa. “Há já algum tempo - diz a revista Ide Bank - que a Bolsa deixou de ser o intermediário indispensável da circulação que era dantes, quando os bancos não podiam ainda colocar a maior parte das emissões nos seus clientes. - *11

“‘Todo o banco é uma Bolsa'. Este aforismo moderno é tanto mais exato quanto maior é o banco, quanto maiores são os êxitos da concentração nos negócios bancários. *12 “Se anteriormente, nos anos 70, a Bolsa, com os seus excessos de juventude” (alusão “delicada” ao craque bolsista de 1873364, aos escândalos gründeristas, 365, etc.) “abriu a época da industrialização da Alemanha, no momento atual os bancos e a indústria 'podem arranjar as coisas por si mesmos'. A dominação dos nossos grandes bancos sobre a Bolsa ... não é outra coisa senão a expressão do Estado industrial alemão completamente organizado. Se restringirmos deste modo o campo de ação das leis econômicas, que funcionam automaticamente, e dilatarmos extraordinariamente o da regulação consciente através dos bancos, aumenta, em relação com isso, em proporções gigantescas a responsabilidade que, quanto à economia nacional, recai sobre umas poucas cabeças dirigentes”- diz o Prof. alemão Schulze-Gaevernitz*13, esse apologista do imperialismo alemão, que é uma autoridade entre os imperialistas de todos os países, e que se esforça por dissimular um “pequeno pormenor”: que essa “regulação consciente” através dos bancos consiste na espoliação do público por meia dúzia de monopolistas “completamente organizados”. O que o professor burguês se propõe não é pôr a descoberto todo o mecanismo, não é desmascarar todas as artimanhas dos monopolistas bancários, mas embelezá-las.

Do mesmo modo, Riesser, economista ainda mais autorizado e “personalidade” do mundo da Banca, evita a questão com frases que nada dizem, falando de fatos que é impossível negar: “A Bolsa vai perdendo cada dia mais a qualidade, absolutamente indispensável para toda a economia e para a circulação dos valores, de ser não só o instrumento mais fiel de avaliação, mas também um regulador quase automático dos movimentos econômicos que convergem para ela. *14

Por outras palavras: o velho capitalismo, o capitalismo da livre concorrência, com o seu regulador absolutamente indispensável, a Bolsa, passa à história. Em seu lugar apareceu o novo capitalismo, que tem os traços evidentes de um fenômeno de transição, que representa uma mistura da livre concorrência com o monopólio. Surge a pergunta: em que desemboca a “transição” do capitalismo moderno? Mas os homens de ciência burgueses têm medo de a formular.

“Há trinta anos, os empresários que competiam livremente entre, si realizavam 9/10 da atividade econômica que não pertence à esfera do trabalho físico dos 'operários'. Na atualidade, são os funcionários que realizam os 9/10 desse trabalho intelectual na economia. Os bancos encontram-se à frente desta evolução.”*15 Esta confissão de Schulze-Gaevernitz conduz novamente ao problema de saber onde desemboca esta transição do capitalismo moderno, do capitalismo na sua fase imperialista.

Entre o reduzido número de bancos que, em conseqüência do processo de concentração, ficam à frente de toda a economia capitalista, verifica-se e acentua-se cada vez mais, como é natural, a tendência para chegar a um acordo monopolista, ao trust dos bancos. Nos Estados Unidos, não são nove, mas dois grandes bancos, dos multimilionários Rockefeller e Morgan, que dominam um capital de 11.000 milhões de marcos*16. Na Alemanha, a absorção a que anteriormente aludimos da Aliança Bancária Schaffhausen pela Sociedade de Desconto levou o jornal de Frankfurt, que defende os interesses bolsistas, a fazer as seguintes reflexões:

“O aumento da concentração dos bancos restringe o círculo de instituições a que nos podemos dirigir em busca de crédito, com o que aumenta a dependência da grande indústria relativamente a um reduzido número de grupos bancários. Como resultado da estreita relação entre a indústria e o mundo financeiro, a liberdade de movimentos das sociedades industriais que necessitam do capital bancário vê-se assim restringida. Por isso, a grande indústria assiste com certa perplexidade à trustificação (unificação ou transformação em trusts) dos bancos, cada vez mais intensa; com efeito, tem-se podido observar com freqüência o germe de acordos realizados entre consórcios de grandes bancos, acordos cuja finalidade é limitar a concorrência. *17

Verifica-se mais uma vez que a última palavra no desenvolvimento dos bancos é o monopólio.

Quanto à estreita relação existente entre os bancos e a indústria, é precisamente nesta esfera que se manifesta, talvez com mais evidência do que em qualquer outro lado, o novo papel dos bancos. Se o banco desconta as letras de um empresário, abre-lhe conta corrente, etc., essas operações, consideradas isoladamente, não diminuem em nada a independência do referido empresário, e o banco não passa de um modesto intermediário. Mas se essas operações se tornam cada vez mais freqüentes e mais firmes, se o banco “reúne” nas suas mãos capitais imensos, se as contas correntes de uma empresa permitem ao banco - e é assim que acontece - conhecer, de modo cada vez mais pormenorizado e completo, a situação econômica do seu cliente, o resultado é uma dependência cada vez mais completa do capitalista industrial em relação ao banco.

Simultaneamente, desenvolve-se, por assim dizer, a união pessoal dos bancos com as maiores empresas industriais e comerciais, a fusão de uns com as outras mediante a posse das ações, mediante a participação dos diretores dos bancos nos conselhos de supervisão (ou de administração) das empresas industriais e comerciais, e vice-versa. O economista alemão Jeidels reuniu dados extremamente minuciosos sobre esta forma de concentração dos capitais e das empresas. Os seis maiores bancos berlinenses estavam representados, através dos seus diretores, em 344 sociedades industriais, e, através dos membros dos seus conselhos de administração, noutras 407, ou seja, num total de 751 sociedades. Em 289 sociedades tinham dois dos seus membros nos conselhos de administração ou ocupavam a presidência dos mesmos. Entre essas sociedades comerciais e industriais encontramos os ramos industriais mais diversos: companhias de seguros, vias de comunicação, restaurantes, teatros, indústria de objetos artísticos, etc. Por outro lado, nos conselhos de administração desses seis bancos havia (em 1910) 51 grandes industriais, e entre eles o diretor da firma Krupp, o da gigantesca companhia de navegação Hapag (Hamburg-Amerika), etc., etc. Cada um dos seis bancos, de 1895 a 1910, participou na emissão de ações e obrigações de várias centenas de sociedades industriais, cujo número passou de 281 para 419*18.

A “união pessoal” dos bancos com a indústria completa-se com a “união pessoal”, de umas e outras sociedades com o governo. “Lugares nos conselhos de administração - escreve Jeidels - são confiados voluntariamente a personalidades de renome, bem como a antigos funcionários do Estado, os quais podem facilitar (!!) em grau considerável as relações com as autoridades”... “No conselho de administração de um banco importante encontramos geralmente algum membro do Parlamento ou da vereação de Berlim.

Por conseguinte, os grandes monopólios capitalistas vão surgindo e desenvolvendo-se, por assim dizer, aperfeiçoando-se a todo o vapor, seguindo todos os caminhos “naturais” e “sobrenaturais”. Estabelece-se sistematicamente uma determinada divisão do trabalho entre várias centenas de reis financeiros da sociedade capitalista atual:

“Paralelamente a este alargamento do campo de ação dos diversos grandes industriais” (que entram nos conselhos de administração dos bancos, etc.) “e ao fato de se confiar aos diretores dos bancos de província unicamente a administração de uma zona industrial determinada, produz-se um certo aumento da especialização dos dirigentes dos grandes bancos. Tal especialização, falando em geral, só é concebível no caso de toda a empresa bancária, e particularmente as suas relações industriais, serem de grandes proporções. Esta divisão do trabalho efetua-se em dois sentidos: por um lado, ás relações com a indústria no seu conjunto confiam-se, como ocupação especial, a um dos diretores; por outro lado, cada diretor encarrega-se do controlo de empresas separadas ou de grupos de empresas afins pela produção ou pelos interesses”. ... (O capitalismo está já em condições de exercer o controlo organizado das empresas separadas)... “A especialidade de um é a indústria alemã, ou mesmo simplesmente a da Alemanha Ocidental” (que é a parte mais industrial do país), “a de outros, as relações com outros Estados e com as indústrias do estrangeiro, os. relatórios sobre a personalidade dos industriais, etc., sobre as questões da Bolsa, etc. Além disso, cada um dos diretores de banco fica freqüentemente encarregado de uma zona ou de um ramo especial da indústria; um dedica-se principalmente aos conselhos de administração das sociedades elétricas, outro às fabricas de produtos químicos, de cerveja ou de açúcar, um terceiro a um certo número de empresas separadas, figurando paralelamente no conselho de administração de sociedades de seguros ... Numa palavra, é indubitável que, nos grandes bancos, à medida que aumenta o volume e a variedade das suas operações, estabelece-se uma divisão do trabalho cada vez maior entre os diretores, com o fim (que conseguem) de os elevar um pouco, por assim dizer, acima dos negócios puramente bancários, de os tornar mais aptos para julgarem, mais competentes nos problemas gerais da indústria e nos problemas especiais dos seus diversos ramos, com o objetivo de os preparar para a sua atividade no setor industrial da esfera de influência do banco. Este sistema dos bancos é completado pela tendência que neles se observa de serem eleitos para os seus conselhos de administração pessoas que conheçam bem a indústria, empresários, antigos funcionários, particularmente os que vêm dos departamentos de caminhos-de-ferro, minas”, etc.*19

Na Banca francesa encontramos instituições semelhantes, apenas sob uma forma um pouco diferente. Por exemplo, um dos três grandes bancos franceses, o Crédit Lyonnais, tem montada uma “seção especial destinada a recolher informações financeiras” (service des études financières). Na referida seção trabalham permanentemente mais de 50 engenheiros, especialistas de estatística, economistas, advogados, etc. Custa anualmente entre 600.000 e 700.000 francos. A seção encontra-se por sua vez dividida em oito subsecções: uma recolhe dados sobre empresas industriais, outra estuda a estatística geral, a terceira as companhias ferroviárias e de navegação, a quarta os fundos, a quinta os relatórios financeiros, etc. .*20

Daqui resulta, por um lado, uma fusão cada vez maior ou, segundo a acertada expressão de N. I. Bukhárine, a junção dos capitais bancário e industrial, e, por outro, a transformação dos bancos em instituições com um verdadeiro “caracter universal.” Julgamos necessário reproduzir os termos exatos que a este respeito emprega Jeidels, o escritor que melhor estudou o problema:

“Como resultado do exame das relações industriais no seu conjunto surge o caracter universal dos estabelecimentos financeiros que trabalham para a indústria. Contrariamente a outras formas de bancos, contrariamente às exigências formuladas por vezes na literatura, de que os bancos devem especializar-se numa esfera determinada de negócios ou num ramo industrial determinado a fim de pisarem terreno firme, os grandes bancos tendem para que as suas relações com os estabelecimentos industriais sejam o mais variadas possível, tanto do ponto de vista do lugar como do ponto de vista do gênero de produção: procuram eliminar a distribuição desigual do capital entre as diferentes zonas ou ramos da indústria, desigualdade que encontra a sua explicação na história de diferentes estabelecimentos”. "Uma tendência consiste em converter as relações com a indústria num fenômeno de ordem geral; outra em torná-las sólidas e intensivas; ambas se encontram realizadas nos seis grandes bancos não de forma completa, mas lá em proporções consideráveis e num grau igual.”

Nos meios comerciais e industriais ouvem-se com freqüência lamentações contra o “terrorismo” dos bancos. E nada tem de surpreendente que essas lamentações surjam quando os grandes bancos “mandam” da maneira que nos mostra o exemplo seguinte. Em 19 de Novembro de 1901, um dos bancos berlinenses chamados bancos d (o nome dos quatro bancos mais importantes começa pela letra d) dirigiu ao conselho de administração do Sindicato do Cimento da Alemanha do Noroeste e do Centro a seguinte carta: “Segundo a nota que tomaram pública em 18 do corrente no jornal tal, parece que devemos admitir a eventualidade de a assembléia geral do vosso sindicato, a celebrar em 30 do corrente, adotar resoluções susceptíveis de determinarem na vossa empresa modificações que não podemos aceitar. Por isso, lamentamos profundamente ver-nos obrigados a retirar-vos o crédito de que até agora gozavam ... Porém, se a referida assembléia geral não tomar resoluções inaceitáveis para nós, e se nos derem garantias a este respeito para o futuro, estamos dispostos a entabular negociações com vista a abrir um novo crédito.” *21

Em essência, trata-se das mesmas lamentações do pequeno capital relativamente ao jugo do grande, com a diferença de, neste caso, a categoria de “pequeno” capital corresponder a todo um sindicato! A velha luta entre o pequeno e o grande capital reproduz-se num grau de desenvolvimento novo e incomensuravelmente mais elevado. É compreensível que, dispondo de milhares de milhões, os grandes bancos podem também apressar o progresso técnico utilizando meios incomparavelmente superiores aos anteriores. Os bancos criam, por exemplo, sociedades especiais de investigação técnica, de cujos resultados só aproveitam, naturalmente, as empresas industriais “amigas”. Entre elas figuram a Sociedade para o Estudo do Problema dos Caminhos-de-Ferro Elétricos, o Gabinete Central de Investigações Científicas e Técnicas, etc.

Os próprios dirigentes dos grandes bancos não podem deixar de ver que estão a aparecer novas condições na economia nacional, mas são impotentes perante as mesmas:

“Quem tiver observado durante os últimos anos - diz Jeideis - as mudanças de diretores e membros dos conselhos de administração dos grandes bancos, não terá podido deixar de se aperceber de que o poder passa paulatinamente para as mãos dos que pensam que o objetivo necessário, e cada vez mais vital, dos grandes bancos consiste em intervir ativamente no desenvolvimento geral da indústria; entre eles e os velhos diretores dos bancos surgem, por tal motivo, divergências no campo profissional, e freqüentemente no campo pessoal. Trata-se, no fundo, de saber se essa ingerência no processo industrial da produção não prejudica os bancos, na sua qualidade de instituições de crédito, se os princípios firmes e o lucro seguro não são sacrificados a uma atividade que não tem nada de comum com o papel de intermediário para a concessão de créditos, e que coloca os bancos num terreno em que se encontram ainda mais expostos do que antes ao domínio cego da conjuntura industrial. Assim afirmam muitos dos velhos diretores, de bancos, enquanto a maioria dos jovens considera a intervenção ativa nos problemas da indústria como uma necessidade semelhante à que fez nascer, juntamente com a grande indústria moderna, os grandes bancos e a banca industrial moderna. A única coisa em que as duas partes estão de acordo é em que não existem princípios firmes nem fins concretos para a nova atividade dos grandes bancos.-*22

O velho capitalismo caducou. O novo constitui uma etapa de transição para algo diferente. Encontrar “princípios firmes e fins concretos” para a “conciliação” do monopólio com a livre concorrência é, naturalmente, uma tentativa votada ao fracasso. As confissões dos homens práticos ressoam de maneira muito diferente dos elogios do capitalismo “organizado”, entoados, pelos seus apologistas oficiais, tais como Schulze-Gaevernitz, Liefmann e outros “teóricos” do mesmo estilo.

Jeidels dá-nos uma resposta bastante exata ao importante problema de saber em que período se situam, com precisão, os começos da “nova atividade” dos grandes bancos:

“As relações entre as empresas industriais, com o seu novo conteúdo, as suas novas formas e os seus novos órgãos, quer dizer, os grandes bancos organizados de um modo ao mesmo tempo centralizado e descentralizado, não se estabelecem talvez, como fenômeno característico da economia nacional, antes do último decênio do século XIX; em certo sentido, pode-se mesmo tomar como ponto de partida o ano de 1897, com as suas grandes 'fusões' de empresas, que implantaram pela primeira vez a nova forma de organização descentralizada, de acordo com a política industrial dos bancos. Este ponto de partida pode talvez remontar mesmo a um período mais recente, pois só a crise de 1900 acelerou em proporções gigantescas o processo de concentração, tanto da indústria como da banca, consolidou, converteu pela primeira vez as relações com a indústria num verdadeiro monopólio dos grandes bancos e deu a essas relações um caracter incomparavelmente mais estreito e mais intenso” *23.

O século XX assinala, pois, o ponto de viragem do velho capitalismo para o novo, da dominação do capital em geral para a dominação do capital financeiro.

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*1 Alfred Lansburgh, Fünf jahre d. Bankwesen -, Die Bank, 1913, n." 8, S. 728.
*2 SchuIze-Caevernitz, - Die deutsche Kredábank -, em Grundriss der Sozialõkonomik, Tüb. 1915, S. 12 e 137.
*3R. Liefrnann, Beteifiguns - und FinanzierungsgeselIschaften. Eine Studie über den modernen Kapitafismus und das Effiektesen, 1. Aufl, jena, 1909, S. 212.
*4 Alfred Lansburgh, - Das Beteiligungssystem im deunchen Bankwesen -, Die Bank, 1901, I,S.500.
*5 Eugen Kaufmann, Das franzõsische Bankwesen, Tüb., 1911, S. 356, 362.
*6 Jean Lescure, L’épargne en France, P., 1914, p. 52.
*7 Alfred Lansburgh, “Dic Bank mit den 300 Milhonen”, Die Bank, 1914, 1, S. 426.
*8 S. Tschierschky, Ob. cit., S. 128.
*9 Dados da National Monetary Commission, americana, em Die Bank, 1910, 2, S. 1200.
*10 Relatório da National Monetary Commission, americana, em Die Bank, 1913, S. 811, 1022; 1914, S. 713.
*11 Die Bank, 1914, 1, S. 316
*12 Dr. Oscar Stiffich, Geld-und Bankwesen, Berlin, 1907, S. 169.
*13 SchuIze-Gaevernitz, “Die deutsche Krediffiank”, em Grundriss der Sozialõkonomik, Tüb., 1915, S. 101.
*14 Riesser, Ob. cit, 4ª ed., S. 629.
*15 SchuIze-Gaevernitz. “Die deunche Kreditbank .,em Grundriss der Sozialõkonomik,, Tüb., 1915, S. 151.
*16 Die Bank, 1912, 1, S. 435.
*17 Citado por SchuIze-Caevernitz em Grdr. d. S. - Ök, S. 155.
*18 Jeidels e Riesser, Ob. cit.
*19 Jeidels. Ob. cit., S. 156-157.
*20 Artigo de Eugen Kaufmann sobre os bancos franceses, em DieBank, 1909,2, S. 851 e segs.
*21 Dr. Oscar Stillich, Geld und Bakwesen, Berlin 1907, S. 147.
*22 Jeidels. Ob. cit., S. 183-194.
*23 Jeidels. Ob. cit,, S. 181.




*V. I. Lênin - Petrogrado, 26 de Abril de 1917.