segunda-feira, 12 de julho de 2010

Minotauro

Depois de algum tempo a descoberta de estar colocado em um mundo de cabeça pra baixo é inevitável. Parece algo como enfiar as mãos em bolsos furados, ou um parto de cócoras sem auxílio profissional. Não há um analgésico específico, se a criança possuir saúde frágil, os recursos de tratamento são precários. O que ainda se pode tentar é ser resignado com a tragédia surda de mãos e olhos. Celebrar Baco com um copo sujo de água ferruginosa. Os Deuses foram exilados, a alegria também. Nos dias em que se passam é como que ser grande significa regredir ao pequeno, evadir-se ao triunfo em nome da piedade vã. A cratera dos mundos foi aberta a nossos pés, ninguém pode se sentir isento por não ter saltado. A vida é impiedosa àquele que hesita.

No meio de uma noite hipotética, dois carinhos se buscam, hipoteticamente. Esperar o encontro aqui, é como viver abaixo da linha da miséria. Ademais do inverno, entre as árvores e o impossível, uma revolução botânica prepara a primavera. Lírios, cravos, jasmins, rosas, amores-perfeitos... Essa apoteose dos bosques murmura nas veias da terra. O ar quer se tornar respirável de novo, liquens de formas inverossímeis são depositados pela relva. E eu que tenho estado daltônico, vejo a explosão de cores como um filme dos anos 30. A nostalgia é para o homem como estrelas são para o céu, ou o vômito é para o bêbado. Ha quem se conforte em carregar um cadáver nas costas, adorar um defunto conhecido pode ser mais estável que apostar em uma vida ainda por descobrir. O problema é que a matéria se decompõe e o corpo de quem carrega o cadáver, por extensão, acaba convertido em cemitério ambulante.

Dais as traças uma colônia no lado esquerdo de teu peito!

Abaixo de galhos, bromélias e sonhos, uma turba de jovens prageja contra o desabrochar das flores. Há um terrorismo cruel nos jardins. Atravessar um canteiro de orquídeas é muito mais difícil que saltar de um penhasco. A beleza põe abaixo o ímpeto. É impossível fugir, lá fora, leões e panteras desfecham golpes no ar, aqui dentro, mães choram por filhos que nunca nasceram. A morte faz pensar no que vem depois, isso não se aplica ha uma morte anterior à vida. Ver a bailarina rodopiante e ter no corpo o vigor exaurido para acompanhar a dança. Mergulhar sem querer num passado em que as coisas eram simples, descobrir que o que resta são rugas e frases de adeus mal formuladas.

E essa figura dourada invade a tela, a cena, a desesperança. Deve-se sentir compaixão por ela, que ainda não entendeu o propósito disso. Os homens nada mais são que escombros de si mesmos. Aquele encanto original só é possível quando inédito. Especular já significa ter certeza de algo, a condução do caminho fica mais branda quando estão obsoletos sentido e razão. Entregar-se, calcular-se, escarrar-se. A revolta parece ser o salário do que é parcial, há um vazio sublime na totalidade. Reorientemos as coordenadas porque, o fim da palavra é o silêncio, do mesmo modo como o do algo é o nada. Ou não é?

Talvez aconteça que o silêncio da palavra seja o que faz dela mais grave e constante. Que o não existir é a substância única de tudo quanto pode haver. Quem vai ter a chave do dilema, o que julgar certo numa terra onde nada tem sentido... As palavras conseguem incendiar, ou congelar o homem mais constante, ainda que sejam abstrações da mente irrequieta ou convulsões da alma em descaminho. Reencontrar nelas a verdade, do pensamento ou do vazio, é como amputar uma parte do próprio corpo. Quero me deitar num sono leve, sem contudo saber exprimir o que estará acontecendo.

Não importa quanto tempo se dedique, no final tudo termina do jeito mais ingrato possível.

Escrever é a última coisa que resta depois que se traiu alguém...
*Leandro M. de Oliveira

Um comentário:

Monica disse...

"Quando a terra é avistada da lua,não são visíveis, nela as divisões em nações ou estados.
Isso pode ser o símbolo da mitologia futura.Essa é a nação que iremos celebrar,essas são as pessoas às quais nos uniremos."

Joseph Campbell