domingo, 21 de setembro de 2008

O mito da alma e de Eros (Por Platão)


Com efeito, a alma estava outrora repleta de penas e eis que, agora sente a dor própria do crescimento das asas! As impressões que sofre são exatamente como as que derivam do nascimento dos dentes: dores e irritação nas gengivas.
Quando de repente, contempla a beleza de um jovem, sente um fluxo de partículas dele provenientes, de onde nasce o que se designa por onda de desejo (hímeros) e a alma encontra assim remédio para as suas dores, e assim nasce a alegria.

Mas quando se encontra separada do objeto amado, sente-se fenecer. As aberturas pelas quais saem as asas começam a murchar e, logo se fecham, interrompendo o seu crescimento. 

Por sua vez, a asa, feita prisioneira no interior, juntamente com a força do desejo, começa a palpitar fazendo pressão sobre cada uma das saídas. Assim atormentada, a alma abandona-se sem resistência à dor, ao mesmo tempo que a recordação do objeto belo leva-a a deixar-se invadir pelo frenesi. A mistura destes dois sentimentos, atormenta-a pois verifica ser incapaz de vencer a situação. Neste delírio em que foi lançada, não pode repousar, nem de noite, nem de dia, e impelida pela paixão lança-se em busca dos lugares onde, segundo julga, pode encontrar a Beleza. Quando a consegue rever e dirigir-lhe a força do desejo, os poros, ainda obstruídos começam a abrir-se. A alma retoma a respiração, deixa de sentir o aguilhão da dor e goza, nesse instante a volúpia mais deliciosa. Esta é uma das coisas das quais não se pode afastar voluntariamente, e nada existe que possa merecer-lhe tanta atenção como o objeto amado. Nem mãe, nem irmãos, nem camaradas! Tudo é esquecido e a perda dos bens materiais, por culpa da sua incúria, não tem para a alma a menor importância. Os bons costumes e as boas maneiras que até aí se comprazia em praticar, são vistas com o mesmo desdém. Está disposta à escravidão, a repousar em qualquer parte desde que seja a mais próxima possível do seu amado. Efetivamente, não contente em venerar o ser que possui a Beleza, ela encontra nele e só nele, o remédio para a sua grande dor. O homen, belo jovem a quem dirijo este discurso, denominam de amor este estado (...)

Platão, Fedro

Na concepção Platônica o amor surge como uma iniciação da alma em direção à procura do saber, posto que em sua definição "Amor é a busca constante pelo bem" e ao homem grego não havia bem maior que o conhecimento. A jornada da descoberta se inicia com a libertação (servida no texto pela imagem das asas) das penas ou escravidão terrena a que estaria sujeita a alma enquanto condicionada pelo corpo. O termo "escravidão" é advindo da sensação de um bem que produzido em qualquer instância de cárcere é um sentimento condicionado, e não sendo espontâneo é artificial, para Platão a realidade física é uma quimera, um jogo de artificialidades. Esse Filósofo sugere que o Amor possui em si uma medida de potência que impulsiona o indivíduo à evolução, e as tormentas causadas por esse são,  como diria a psicanálise inferências do ego, o falso eu, portador de toda a sorte de preconceitos que nos impedem de ir além. Em outras palavras, para Platão, a falsidade do cotidiano se sente oprimida com a verdade do extraordinário (o Amor).  
Nota : 1 - O Amor alado, na etimologia da palavra grega, dar asas, dar asas ao desejo.

            2 - Seria interessante, num estudo do inconsciente iconográfico ocidental relacionar esta imagem de uma alma alada por força do Amor com a imagem do Anjo que surge com o Cristianismo.


"Espero que as perguntas tenham alcançado uma resposta satisfatória. Desde já, aguardo novos contatos..."


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