Há alguns dias recebi um e-mail comentando o post sobre Caravaggio e uma pergunta foi lançada, ela consistia em uma indagação sobre o que seria necessário para se apreciar e compreender uma obra de arte. Falando a nível pessoal, entendo que existem várias formas de contemplação, por exemplo:
A Criação de Adão - Michelângelo
O Afresco acima é parte da grande obra prima de Michelângelo na capela sistina, entretanto, para muitos pode ser alguma coisa além ou aquém disso. Se o espectador é um acadêmico ele considerará a composição em si, inclinado por seus conhecimentos, levará em conta a profundidade, o movimento, a paleta de cores utilizada, etc. O Acadêmico vê a obra basicamente como um conjunto técnico. Por outro lado, se o expectador é um religioso, e está em peregrinação pelo vaticano, certamente haverá algo de sobrenatural no impacto dessa visão sobre ele, pois é uma narrativa da história de aliança de seus “antepassados”, é uma lembrança da porção divina existente em cada um. Um religioso comum vê a obra religiosa apenas por esse ângulo, ele busca ícones de transcendência. De forma paralela, mas não com menos admiração, um homem comum, analizando a obra a partir do senso comum, poderá achá-la sublime sem necessariamente vinculá-la a uma crença, técnica ou momento histórico específico. Assim sendo, é lúcido convir que uma das determinantes na apreciação é o filtro subjetivo, e as limitações ou aberturas que esse impõe. Mas será ele o único? Nesse sentido, achei conveniente para maiores investigações publicar um pequeno texto de autoria de Monroe Beardsley que discorre sobre razões objetivas na arte, traçando uma espécie de método sistêmico de análise.
“O método afetivo de avaliação crítica consiste em avaliar a obra pelos seus efeitos psicológicos, ou pelos efeitos psicológicos prováveis, sobre o próprio crítico ou os outros. Como mais adiante se tornará patente, não considero irrelevantes as razões as razões afetivas para a avaliação dos objetos estéticos (...)Neste momento, apenas defenderei que as razões afetivas, só por si, são inadequadas, porque não são informativas em dois aspectos importantes.
Primeiro, se alguém afirma que ouviu o andamento lento do Quarteto de Cordas em Mi Bemol Maior (Op.127), de Beethoven, e que lhe deu prazer, ou nos adverte que nos daria prazer, penso que deveríamos considerar esta advertência uma resposta fraca a esta grande música. E, contudo, num sentido muito amplo e vago é verdade que nos dá prazer, tal como os amendoins salgados ou um mergulho em água fresca. Somos, assim, a perguntar que tipo de prazer nos dá e como difere esse prazer de outros, se é que assim pode ser chamado, e como obtém a sua qualidade única precisamente a partir dessas diferenças. E esta linha de investigação levar-nos-ia ao segundo aspecto. Pois uma afirmação afetiva informa-nos sobre o efeito da obra, mas não identifica as características da obra que causam esse efeito. Poderíamos ainda perguntar, por outras palavras, o que há de prazeroso nesta música que está ausente noutra música. Esta linha de investigação seria paralela à primeira, uma vez que nos conduziria a discriminar este tipo de prazer de outros que têm diferentes causas e objetos.
As mesmas duas questões poderiam ser levantadas acerca da noção geral que parece estar implícita nas outras razões afetivas: a obra é boa se conduz a uma forte reação emocional de um certo tipo. Mas de que modo difere a reação emocional das fortes reações emocionais geradas por telegramas anunciando mortes, por sustos de morte em carros descontrolados, pela doença grave de um filho, ou por um pedido de casamento? Há certamente uma diferença importante que a explicação da reação emocional tem de ter em conta para ser completa. O que há no objeto estético que causa reação emocional? Talvez seja alguma qualidade específica intensa, na qual a nossa atenção está centrada quando estamos perante a obra. De fato, alguns termos afetivos são muitas vezes enganadores, pois são realmente sinônimos de termos descritivos: querem dizer que o objeto tem certas qualidades específicas num grau de intensidade apreciável. E nesse caso, é claro que a razão já não é afetiva, mas objetiva. (...)
Penso que ao inspecionarmos bem as razões presentes nos juízos críticos, podemos inseri-las, sem grande dificuldade, em três grupos principais. Em primeiro lugar, há razões que parecem ser suportadas pelo grau de unidade da obra:
... é bem organizada (ou desorganizada).
... é formalmente perfeita (ou imperfeita).
... tem uma estrutura e um estilo internamente coerentes (ou incoerentes).
Em segundo lugar, há razões que parecem apoiar-se no grau de complexidade ou simplicidade da obra:
... é desenvolvida em larga escala.
... é rica em contrastes (ou falta-lhe diversidade e é repetitiva).
... é sutil e imaginativa (ou grosseira).
Em terceiro lugar, há razões que parecem apoiar-se na intensidade ou falta de intensidade das qualidades humanas específicas presentes na obra:
... é cheia de vitalidade (ou apagada).
... é poderosa e vivida (ou fraca e deslavada).
... é terna, irônica, trágica, graciosa,delicada, profundamente cômica.”
Monroe Beardsley, Estética, 1958
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