segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Ensaios de Friedrich Nietzsche 2ª Parte



Moral como Antinatureza (Parte 2)

IV

– Reduzo um princípio a uma fórmula. Todo naturalismo na moral – isto é, toda moral saudável – é
dominado por um instinto vital; qualquer mandamento de vida é preenchido por um determinado cânone
de “deves” e “não deves”; remove-se assim um elemento hostil e inibitório no caminho da vida. A moral
antinatural – ou seja, quase toda moral que até agora foi ensinada, venerada e pregada – volta-se, de
modo oposto, contra os instintos vitais: é uma condenação desses instintos, ora secreta, ora explícita e
impudente. Quando ela diz “Deus observa os corações”, diz Não tanto aos desejos mais baixos quanto aos
mais altos da vida, colocando Deus na posição de inimigo da vida. O santo com o qual Deus se encanta é
um castrado ideal. A vida termina onde o “Reino de Deus” começa...

V

Compreendendo o sacrilégio que tal revolta contra a vida representa, tal como se tornou quase
sacrossanta na moral cristã, também se compreende, felizmente, outra coisa: o caráter fútil, aparente,
absurdo e mendaz de tal revolta. Uma condenação da vida pelo próprio vivente no fim continua sendo
apenas um sintoma de um tipo específico de vida: com isso a questão de ela ser justificada ou não nem
chega ser levantado. Seria necessário posicionar-se fora da vida, e ainda conhecê-la tão bem quanto um,
quanto muitos, quando todos que a viveram, para que seja permitido mesmo tocar o problema do valor
da vida: razões suficientes para compreendermos que esse problema é inacessível a nós. Quando falamos
de valores, falamos com a inspiração, com a perspectiva das coisas que são parte da vida: a própria vida
nos força a estabelecer valores; a vida mesma valora através de nós quando estabelecemos valores.
Segue-se disso que mesmo aquela moral antinatural que concebe Deus como contra-conceito e
condenação da vida é apenas um juízo de valor da vida – mas de que vida? De que tipo de vida? Já dei a
resposta: da vida decadente, enfraquecida, cansada, condenada. A moral, tal como até aqui foi entendida
– como por fim foi formulada uma vez mais por Schopenhauer, como “negação da vontade de vida” –, é o
próprio instinto da decadência que se fez um imperativo. Ela diz: “Pereça!”; é uma condenação
pronunciada pelo condenado.

VI

Finalmente, consideremos quão ingênuo é dizer: “O homem deveria ser de tal ou de tal modo!” A
realidade nos mostra uma encantadora riqueza de tipos, uma abundante profusão de jogos e mudanças
de forma – e um miserável serviçal de um moralista comenta: “Não! O homem deveria ser diferente.”
Esse beato pedante até sabe como o homem deveria ser: ele pinta seu retrato na parede e diz: “Ecce
homo!(1)”Mas mesmo quando o moralista dirige-se a apenas um indivíduo e diz “você deveria ser de tal e
de tal modo!”, ainda não deixa de ser ridículo. O ser humano, visto pela frente ou por trás, é um pedaço
de destino, uma lei a mais, uma necessidade a mais para tudo que há de vir e será. Dizer-lhe “muda-te” é
exigir que tudo seja mudado, mesmo retroativamente. E realmente houve moralistas conseqüentes que
desejavam tornar o homem diferente, isto é, virtuoso – desejavam-no reformado à sua própria imagem,
como pedante: e, para tal fim, negavam o mundo! Nenhuma pequena loucura! Nenhum modesto tipo de
imodéstia!
A moral, à medida que condena por sua própria causa, e não a partir dos interesses, considerações e
pontos de vista da vida, é um erro específico pelo qual não se deve ter compaixão – uma idiossincrasia de
degenerados que causou danos imensuráveis.
Nós outros, nós imoralistas, pelo contrário, fizemos de nosso coração uma morada para todo tipo de
entendimento, compreensão e aprovação. Não negamos facilmente; encontramos honra no fato de
sermos afirmativos. Cada vez mais, nossos olhos se abrem a uma economia que necessita e sabe utilizar
tudo que a sagrada insensatez do padre, a doentia razão do padre, rejeita – aquela economia na lei da
vida que encontra alguma vantagem mesmo nas espécies mais repulsivas de pedantes, padres e
virtuosos. Que vantagem? Mas nós mesmos, nós imoralistas, somos a resposta.
[1] “Eis o homem”

Como prometido aí vai a segunda parte de uma crônica acerca da moral redigida pela "dinamite humana". Decerto a maior parcela de quem estudou esse filósofo jamais conseguiu ler os seus "sinais", muito provavelmente eu também, entretanto de uma coisa pode-se ter certeza pela vivência empírica, a transformação assim como a evolução nunca é gratuita! Algo tem de morrer pra que outra coisa possa viver, o objetivo meta-existencial mesmo só pode ser alcançado em plenitude quando se leva à mesa do sacrifício os mitos criados imolando-os em honra a um algo além. Apesar do tom místico da última declaração isso tem muito mais de cotidiano e pragmático do que de transcedental, a revelação se dá no exercício diário, o homem deve renegar as verdades alheias para encontrar as suas próprias. Nietzche como contestador do senso comum é sem sombra de dúvidas perseguido, pois ha entre muitos dos assim ditos ou auto-denominados intelectuais o pressuposto de que compreendem tudo e de que aquilo que por acaso não compreendam deve ser mesmo coisa muito ruim; vive-se em uma época ainda demasiado primitiva, o ser humano enquanto representação prefere dar as costas às mudanças que lhe batem a porta.  Talvez no futuro  eles transformem Friedrich Nietzche, como fizeram com todos outros (Jesus, Luther King, Chê Guevara...) que pareciam ofensivos em seu tempo, em um martir ou  um visionário mas até la ja teram logrado êxito em transformar sua doutrina em engodo avesso a ele próprio, como  ha de se esperar nesses tempos, a dissimulada visão poderá ser recebida por alguns como profética, ja consigo até imaginar, "Igreja Nietzche Cristo É O Senhor Do Reino De Deus". Quando isso acontecer muitos se beneficiarão do fenômeno, sobretudo os seus inimigos que compulsivamente hão de comer da sua carne e beber de seu sangue, talvez até o representem como sacerdotes e escondam atrás da batina ou do terno todo o ressentimento acumulado contra a humanidade, mas isso é outro papo...
   

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