Um desejo existe como luz ou treva
Cruza a estreita fronteira entre a suposição e o tangível.
Mulheres mutiladas rondam o pórtico
Eu ausente de mim tateio o invisível,
Rogo mundos inalheios, rogo donzelas em torpor
Pelas noites convertidas em deserto
Nada faz eco ao meu sonho.
Quis me deitar, não tenho sono
Quis partir, não tenho pernas.
Ofertei no abismo tudo o que tinha
Ao mergulhar em busca da origem.
Meus ancestrais; éreis belos, éreis fortes
Mas o tempo vos deformou como às paisagens
Da infância remota
Hoje não sois mais que trapos mal cheirosos
Fingindo Deuses de outrora.
Gaya violentada, Madona em degredo
Para tua tristeza ofereço meu peito oco
Para meu desespero tomo o teu sexo faminto.
Desço à cidade observando as coisas à volta
Ela existe com seus carros, árvores e pessoas,
Que vazio imenso, que pesar infinito...
Não me reconheço carro, árvore ou pessoa.
O mundo é estrangeiro, nada faz sentido aqui
A realidade é fugida, só minha dor é palpável.
Sinto a miséria e o regozijo
Dos generais e das prostitutas,
Dos Santos sem alma e das concubinas sem dinheiro.
Ou de tantos outros que analfabetos não escrevem
Ou que mudos não falam
Ou que sem vontade não pensam, sentem ou escrevem.
E a miséria maior a ferida aberta do que o não vivido deixa...
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