sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009
Da necessidade de ser autêntico
Todavia ao lado do desespero que às cegas se embrenha no infinito até a perda do eu, existe um de outra espécie, que se deixa como que frustrar do seu eu por "outrem". A contemplar as multidões à sua volta, a encher-se com ocupações humanas, a tentar compreender os rumos do mundo, este desesperado esquece-se de si mesmo, esquece o seu nome divino, não ousa crer em si mesmo e acha demasiado ousado sê-lo e muito mais simples e seguro assemelhar-se aos outros, ser uma imitação servil, um número, confundido no rebanho. Este tipo de desespero passa completamente despercebido. Perdendo assim o seu eu, um desesperado desta espécie adquire uma aptidão sem-fim para ser bem-visto em toda parte, para se elevar na sociedade. Aqui, sem nenhuma dificuldade, aqui o eu e sua infinitização deixaram de ser um entrave. Polido como um seixo, o nosso homem gira dum lado para outro como moeda corrente. Bem longe de o tomarem por um desesperado, é precisamente um homem como a sociedade o quer. De modo geral a sociedade ignora, e isso explica-se, quando há motivo para recear. Esse desespero, que facilita a vida ao invés de a entravar, não é, naturalmente, tomado como desespero. Essa é a opinião da sociedade, como se pode ver pela maioria dos provérbios, que nada mais são do que regras de prudência. Dessa maneira, o ditado que diz a palavra é de prata, o silêncio é de ouro. Por quê? Porque as nossas palavras, como fato material, podem trazer-nos dissabores, o que é uma coisa real. Como se calar-se fosse uma coisa de nada! Quando é o maior dos perigos! O homem que se cala fica com efeito reduzido ao diálogo consigo mesmo e a realidade não o vem socorrer castigando-o, fazendo recair sobre ele as consequências das suas palavras. Nesse sentido não, nada custa calar-se. No entanto aquele que sabe onde há que temer, receia precisamente mais que tudo qualquer má ação, qualquer crime duma orientação interior que não deixe vestígios exteriores. Aos olhos do mundo, o perigo está em arriscar, pela simples razão de se poder perder. Evitar os riscos, eis a sabedoria. Contudo, a não arriscar, que espantosa facilidade de perder aquilo que, arriscando, só dificilmente se perderia, por muito que se perdesse, mas de toda maneira nunca assim, tão facilmente, como se nada fora: a perder o quê? A si mesmo. Porque se arrisco e me engano, que seja! A vida castiga-me para me socorrer. Todavia se nada arriscar, quem me ajudará? Tanto mais que nada arriscando no sentido mais lato - o que significa tomar consiência do eu - ganho ainda por cima todos os bens deste mundo - e perco o meu eu.
*Soren Kierkegaard - O Desespero Humano
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