terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Poema de uma Quarta -Feira de Cinzas


Entre a turba grosseira e fútil
Um pierrot doloroso passa.
Veste-o uma túnica inconsútil
feita de sonho e de desgraça...

o seu delírio manso agrupa
atrás dele os maus e os basbaques.
Este o indigita, este outro apupa...
indiferente a tais ataques,

Nublaba a vista em pranto inútil,
Dolorosamente ele passa.
veste-o uma túnica inconsútil,
Feita de sonho e de desgraça...




*Manuel Bandeira

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Carnaval ?


Quero beber! cantar asneiras
No esto brutal das bebedeiras
que tudo emborca e faz caco...
Evoe' Baco!

La se me parte a alma lavada
No torvelim da mascarada,
A gargalhar em doudo assomo...
Evoe' Momo!

Lacem-na toda, multicores,
As serpentinas dos amores,
Cobras de lividos venenos ...
Evoe' Venus!

Se perguntarem: Que mais queres,
Alem de versos e mulheres?...
- Vinhos!... o vinho que e meu fraco!...
Evoe' Baco!

O alfange rutilo da lua,
Por degolar a nuca nua
Que me alucina e que eu nao domo!...
Evoe' Momo!

A Lira eterea, a grande Lira!...
Por que eu extatico desfira
Em seu louvor versos obscenos,
Evoe' Venus!
 


*Manoel Bandeira (publicada em 1918)

Os Ombros Suportam o Mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.



*Drummond de Andrade

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Antologia Grega: Paladas de Alexandria



1.
Só isso, a vida: um instante de prazer. Para longe, mágoas.
Se é tão breve a existência dos homens, que venha Baco
com as suas danças, coroas de flores, mulheres.
Hoje eu quero ser feliz - ninguém sabe nada do amanhã. (5.72)

2.
Fortuna que retalhaste sempre a vida,
desnaturando-lhe o vinho sem mistura,
agora que taverneira, não mais deusa,
te dedicas a misturar e a servir,
tens ofício mais conforme ao teu caráter. (9,180)

3.
Ouro, pai dos aduladores,filho da aflição e do cuidado,
não te possuir dá medo e possuir-te aflição. (9.394).

4.
Admirou-me ver, nas encruzilhadas, o brônzeo filho
de Zeus, tão invocado outrora, ora por terra,
e irado exclamei: "Oh trilunar que nos guarda dos males
e nunca foste derrotado, hoje tombaste".
Mas de noite, ao pé do leito, Héracles disse-me a sorrir:
"Embora deus, aprendi a sujeitar-me aos tempos". (9.441)

5.
A filha do gramático ajuntou-se e teve uma criança
do gênero masculino, feminino e neutro. (9.489)

6.
Muita coisa pode acontecer entre o cálice e o lábio. (10.32).

7.
Se lembrares, homem, como foste por teu pai gerado,
esquecerás as idéias de grandeza.
Platão, o sonnhador, encheu tua cabeça de empáfia
ao te chamar de imortal, planta celeste.
De barro és feito; por que a presunção? Só fala assim
quem se compraz em fingimentos vistosos.
Mas se buscas a verdade, recorda que vieste de um
ato de luxúria e de uma gota suja. (10.45)

8.
A inveja, segundo Píndaro, é melhor que a compaixão;
os invejados levam uma vida esplêndida,
enquanto aos desgraçados lamentamos. Mas eu não queria
ser rico por demais nem motivo de pena.
O meio termo é ideal, pois a opulência extremada
traz perigos e a extremada penúria insultos. (10.51)

9.
Vim nu à terra e nu irei para debaixo dela.
Por que canseiras vãs se o fim é só nudez? (10.58)

10.
A espera da morte é causa de aflição dolorosa;
dela se poupa o mortal quando perece.
Por conseguinte, não lamentes quem desta vida se foi:
além da morte não existe mais dor. (10.59)

11.
Enriqueces; e daí? Quando morreres, a riqueza por acaso
te seguirá ao te arrastarem para o túmulo?
No juntá-la gastaste o teu tempo de vida; não poderias
pagar por ela preço mais exorbitante. (10.60)

12.
Navegação perigosa, a vida: em meio às tempestades,
somos às vezes mais de lastimar que náufragos.
Tendo como piloto de nossas vidas a Fortuna,
incertamente é que vogamos no mar alto;
uns fazem boa viagem, outros ao contrário, mas
todos chegam ao mesmo porto sob a terra (10.65).

13.
Um palco, a vida, e uma comédia; ou aprendes a dançar, deixando
a sisudez de lado, ou lhe aguentarás as dores. (10.72)

14.
Acaso estamos mortos e só aparentamos
estar vivos, nós gregos caídos em desgraça,
que imaginamos a vida semelhante a um sonho,
ou estamos vivos e foi a vida que morreu? (10.82).

15.
Creio que o deus é também um filósofo.
As blasfêmias não o irritam desde logo,
mas com o passar do tempo, ele aumenta os castigos
dos mortais miseráveis e perversos. (10.94)

16.
Todos os mortais têm de pagar a dívida da morte
pois ninguém sabe se amanhã estará vivo.
Aprende bem esta lição e cuida de alegrar-te, oh homem,
que tens no vinho o esquecimento do teu fim.
Deleita-te com Afrodite nessa tua vida efêmera
e deixa a Fortuna cuidar de todo o resto. (11.62)

17.
Quem por desgraça se casou com mulher feia
vê o escuro da noite quando acende as lâmpadas.(11.287)

18.
Toda mulher desperta cólera, salvo em dois bons momentos:
um quando na cama, o outro quando na campa. (11.381).

19.
Melhor louvar, a repreensão sempre traz inimizade.
Falar mal todavia é puro mel ático.(11.341)

20.
A cólera de Aquiles foi motivo, para mim também,
de funesta pobreza ao me tornar gramático.
Prouvera com os gregos me matasse aquela cólera antes
que me arruinasse a amarga fome da gramática.
No entanto, para que Agamemnon raptasse Briseida e Páris
roubasse Helena, foi que me fiz indigente.(9.169)



*Tradução: José Paulo Paes. Fonte: Paladas de Alexandria, epigramas. São Paulo: Alexandria, 1992.


Se não Falas


Se não falas, vou encher o meu coração
Com o teu silêncio, e agüentá-lo.
Ficarei quieto, esperando, como a noite
Em sua vigília estrelada,
Com a cabeça pacientemente inclinada.

A manhã certamente virá,
A escuridão se dissipará, e a tua voz
Se derramará em torrentes douradas por todo o céu.

Então as tuas palavras voarão
Em canções de cada ninho dos meus pássaros,
E as tuas melodias brotarão
Em flores por todos os recantos da minha floresta.



*Rabindranath Tagore - Poeta, contista, dramaturgo e crítico de arte hindu; nascido em Calcutá. Nasceu no dia 7 de Maio de 1861. Ele foi o maior poeta moderno da Índia e o gênio mais criativo da renascença indiana.Além de poesia, Tagore escreveu canções (letras e melodias), contos, novelas, peças de teatro (em prosa e verso), ensaios sobre diversos temas incluindo críticas literárias, textos polêmicos, narrativas de viagens, memórias e histórias infantis: O Jardineiro, O Carteiro do Rei, e Pássaros Perdidos. Grande parte de sua obra está escrita em Bengali. Gitanjali (1912), uma tradução e interpretação de uma obra poética em Bengali do original de 1910 fez com que Tagore ganhasse o Prêmio Nobel de Literatura em 1913.
Seu pensamento abriu novos caminhos para a interpretação do misticismo, procurando atualizar as antigas doutrinas religiosas nacionais. Colaborou em revistas americanas, tendo obras publicadas em francês, inglês e espanhol . Realizou conferências no Uruguai, Argentina, França, Estados Unidos. Recebeu o título de "Doutor Honoris Causa e Membro Honoris Causa" de universidades e associações do Brasil e outros países, e de Oficial da Legião de Honra da França e da Ordem do Leão Branco da Tcheco-Eslováquia.
Morr
eu em 7 de agosto de 1941 na casa onde nasceu, em Calcutá.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

O que é cultura?


Em meados do século dezoito o conceito de cultura surgiu da cabeça de Johann Gottfried Herder preparado para as batalhas em que tem estado envolvido desde então. Kultur, para Herder, é o sangue vital de um povo, a corrente de energia moral que mantém a sociedade intacta. Zivilisation, em contraste, é a sofisticação nas maneiras e o saber-fazer técnico e legal. As nações podem partilhar uma civilização, mas serão sempre distintas na sua cultura, uma vez que a cultura define o que elas são.
Esta ideia desenvolve-se em duas direções. Os românticos alemães (Schelling, Fichte, Hegel, Holderlin) concebem a cultura no sentido de Herder, como a essência que define uma nação, uma força espiritual comum que se manifesta em todos os costumes, crenças e práticas de um povo. A cultura, sustentam, molda a língua, a arte, a religião e a história e deixa a sua marca no mais pequeno dos eventos. Nenhum membro da sociedade, por pouca formação que tenha está dela arredado, pois cultura e pertença social são a mesma ideia.
Outros, mais clássicos do que românticos, interpretam a palavra no seu significado latino. Para Wilhelm von Humboldt, pai fundador da universidade moderna, cultura não significa desenvolvimento espontâneo, mas a instrução. Nem todos a possuem, visto que nem todos possuem o tempo livre, a inclinação ou a capacidade necessárias para aprender. Além disso, entre pessoas cultas, algumas são mais cultas do que outras. O propósito da universidade é preservar e expandir a herança cultural e transmiti-la à geração seguinte.
As duas ideias ainda se encontram entre nós. Os primeiros antropólogos adotaram a concepção de Herder e escreveram sobre a cultura enquanto práticas e crenças que formam a identidade própria de uma tribo. Qualquer membro da tribo possui a cultura, visto que é isso que a pertença requer. Mathew Arnold e os críticos literários que ele influenciou (incluindo Eliot, Leavis e Pound) seguiram Humboldt, entendendo a cultura como uma propriedade de uma elite, uma postura que envolve intelecto e estudo.

*Roger Scruton; "Modern Culture".


MUDAM-SE OS TEMPOS...

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, 
muda-se o ser, muda-se a confiança; 
todo o mundo é composto de mudança, 
tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades, 
diferentes em tudo da esperança; 
do mal ficam as mágoas na lembrança, 
e do bem (se algum houve), as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto, 
que já coberto foi de neve fria, 
e, enfim, converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia, 
outra mudança faz de mor espanto, 
que não se muda já como soía. 


*Luís Vaz de Camões

João Cabral de Melo Neto

II. Paisagem do Capibaribe 

Entre a paisagem 
o rio fluía 
como uma espada de líquido espesso. 
Como um cão 
humilde e espesso. 

Entre a paisagem 
(fluía) 
de homens plantados na lama; 
de casas de lama 
plantadas em ilhas 
coaguladas na lama; 
paisagem de anfíbios 
de lama e lama. 

Como o rio 
aqueles homens 
são como cães sem plumas 
(um cão sem plumas 
é mais 
que um cão saqueado; 
é mais 
que um cão assassinado. 

Um cão sem plumas 
é quando uma árvore sem voz. 
É quando de um pássaro 
suas raízes no ar. 
É quando a alguma coisa 
roem tão fundo 
até o que não tem). 

O rio sabia 
daqueles homens sem plumas. 
Sabia 
de suas barbas expostas, 
de seu doloroso cabelo 
de camarão e estopa. 

Ele sabia também 
dos grandes galpões da beira dos cais 
(onde tudo 
é uma imensa porta 
sem portas) 
escancarados 
aos horizontes que cheiram a gasolina. 

E sabia 
da magra cidade de rolha, 
onde homens ossudos, 
onde pontes, sobrados ossudos 
(vão todos 
vestidos de brim) 
secam 
até sua mais funda caliça. 

Mas ele conhecia melhor 
os homens sem pluma. 
Estes 
secam 
ainda mais além 
de sua caliça extrema; 
ainda mais além 
de sua palha; 
mais além 
da palha de seu chapéu; 
mais além 
até 
da camisa que não têm; 
muito mais além do nome 
mesmo escrito na folha 
do papel mais seco. 

Porque é na água do rio 
que eles se perdem 
(lentamente 
e sem dente). 
Ali se perdem 
(como uma agulha não se perde). 
Ali se perdem 
(como um relógio não se quebra). 

Ali se perdem 
como um espelho não se quebra. 
Ali se perdem 
como se perde a água derramada: 
sem o dente seco 
com que de repente 
num homem se rompe 
o fio de homem. 

Na água do rio, 
lentamente, 
se vão perdendo 
em lama; numa lama 
que pouco a pouco 
também não pode falar: 
que pouco a pouco 
ganha os gestos defuntos 
da lama; 
o sangue de goma, 
o olho paralítico 
da lama. 

Na paisagem do rio 
difícil é saber 
onde começa o rio; 
onde a lama 
começa do rio; 
onde a terra 
começa da lama; 
onde o homem, 
onde a pele 
começa da lama; 
onde começa o homem 
naquele homem. 

Difícil é saber 
se aquele homem 
já não está 
mais aquém do homem; 
mais aquém do homem 
ao menos capaz de roer 
os ossos do ofício; 
capaz de sangrar 
na praça; 
capaz de gritar 
se a moenda lhe mastiga o braço; 
capaz 
de ter a vida mastigada 
e não apenas 
dissolvida 
(naquela água macia 
que amolece seus ossos 
como amoleceu as pedras).


*João Cabral de Melo Neto

Ao lado de Manuel Bandeira (1886-1968) e Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), João Cabral de Melo Neto (1920-1999) forma a santíssima trindade da moderna poesia brasileira. Além da estatura poética, os três têm um fio que os une: Bandeira foi mestre de Drummond e este, por sua vez, também serviu de referência para Cabral. Ao lado, um trecho de "O Cão sem Plumas", poema publicado em 1950. Anterior à peça em versos Morte e Vida Severina (escrita em 1954-55), esse cão despossuído de adornos representa um dos momentos mais altos da criação cabralina. O cão desemplumado é a metáfora de Cabral para o rio Capibaribe e sua cinzenta convivência com os homens-caranguejos, que também são cães sem plumas. "Difícil é saber/ se aquele homem/ já não está/ mais aquém do homem".  Poema soberbo, "O Cão sem Plumas" é a descrição das condições subumanas nas palafitas e mocambos do Recife. A dicção é dura, como convém ao tema, mas nunca resvala para o panfleto. “Só mesmo um grande artista poderia assumir ecos de um discurso social sem ser panfletário, romântico ou esteticista”, escreve o colunista Daniel Piza (Gazeta Mercantil, 18/10/1999).

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Sonho


Uma mulher passa em meu sonho como passa um cão ou árvore, um vulto apenas, com a leveza de um céu que desaba. Cruza a fronteira do que é permitido a um pensamento. Passa, volteia, circula... Entrecorta a linha de verdade e mentira, reinventa em mim a idéia do real e a impressão de que a vida é ficta. Uma mulher desperta-me no meio da noite, agride meu sono, rouba a minha crença; E eu, nem sei o seu nome...

domingo, 15 de fevereiro de 2009

SERENATA




Repara na canção tardia
que timidamente se eleva,
num arrulho de noite fria.

O orvalho treme sobre a treva
e o sonho da noite procura
a voz que o vento abraça e leva.

Repara a canção tardia
que oferece a um mundo desfeito
sua flor de melancolia.

É tão triste, mas tão perfeito,
o movimento em que murmura,
como o do coração no peito.

Repara na canção tardia
que por sobre o teu nome, apenas,
desenha a sua melodia.

E nessas letras tão pequenas
o universo inteiro perdura.
E o tempo suspira na altura

por eternidades serenas.

*Cecília Meireles - De Viagem (1939)

Rimbaud



L'ETERNITÉ

Elle est retrouvée.
Quoi? – L'Eternité.
C'est la mer allée
Avec le soleil.

Âme sentinelle,
Murmurons l'aveu
De la nuit si nulle
Et du jour en feu.

Des humains suffrages,
Des communs élans
Là tu te dégages
Et voles selon.

Puisque de vous seules,
Braises de satin,
Le Devoir s'exhale
Sans qu'on dise: enfin.

Là pas d'espérance,
Nul orietur.
Science avec patience,
Le supplice est sûr.

Elle est retrouvée.
Quoi? – L'Eternité.
C'est la mer allée
Avec le soleil.

A ETERNIDADE


De novo me invade.
Quem? – A Eternidade.
É o mar que se vai
Como o sol que cai.

Alma sentinela,
Ensina-me o jogo
Da noite que gela
E do dia em fogo.

Das lides humanas,
Das palmas e vaias,
Já te desenganas
E no ar te espraias.

De outra nenhuma,
Brasas de cetim,
O Dever se esfuma
Sem dizer: enfim.

Lá não há esperança
E não há futuro.
Ciência e paciência,
Suplício seguro.

De novo me invade.
Quem? – A Eternidade.
É o mar que se vai
Com o sol que cai.

*Arthur Rimbaud (Maio de 1872) - Tradução: Augusto de Campos

Elegía


(En Orihuela, su pueblo y el mío,
se nos ha muerto como del rayo Ramón Sijé,
con quien tanto quería...)

Yo quiero ser llorando el hortelano
de la tierra que ocupas y estercolas,
compañero del alma tan temprano.

Alimentando lluvias, caracolas,
y órganos mi dolor sin instrumentos,
a las desalentadas amapolas

daré tu corazón por alimento.
Tanto dolor se agrupa en mi costado,
que por doler, me duele hasta el aliento.

Un manotazo duro, un golpe helado,
un hachazo invisible y homicida,
un empujón brutal te ha derribado.

No hay extensión más grande que mi herida,
lloro mi desventura y sus conjuntos
y siento más tu muerte que mi vida.

Ando sobre rastrojos de difuntos,
y sin calor de nadie y sin consuelo
voy de mi corazón a mis asuntos.

Temprano levantó la muerte el vuelo,
temprano madrugó la madrugada,
temprano está rodando por el suelo.

No perdono a la muerte enamorada,
no perdono a la vida desatenta,
no perdono a la tierra ni a la nada.

En mis manos levanto una tormenta
de piedras, rayos y hachas estridentes,
sedienta de catástrofes y hambrienta.

Quiero escarbar la tierra con los dientes,
quiero apartar la tierra parte a parte
a dentelladas secas y calientes.

Quiero mirar la tierra hasta encontrarte
y besarte la noble calavera
y desamordazarte y regresarte.

Volverás a mi huerto y a mi higuera,
por los altos andamios de las flores
pajareará tu alma colmenera

de angelicales ceras y labores.
Volverás al arrullo de las rejas
de los enamorados labradores.

Alegrarás la sombra de mis cejas
y tu sangre se irá a cada lado,
disputando tu novia y las abejas.

Tu corazón, ya terciopelo ajado,
llama a un campo de almendras espumosas,
mi avariciosa voz de enamorado.

A las aladas almas de las rosas
del almendro de nata te requiero,
que tenemos que hablar de muchas cosas,
compañero del alma, compañero.


*Miguel Hernández - Joan Manuel Serrat

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Paisagem


Um desejo existe como luz ou treva

Cruza a estreita fronteira entre a suposição e o tangível.
Mulheres mutiladas rondam o pórtico
Eu ausente de mim tateio o invisível,
Rogo mundos inalheios, rogo donzelas em torpor
Pelas noites convertidas em deserto
Nada faz eco ao meu sonho.
Quis me deitar, não tenho sono
Quis partir, não tenho pernas.
Ofertei no abismo tudo o que tinha
Ao mergulhar em busca da origem.


Meus ancestrais; éreis belos, éreis fortes
Mas o tempo vos deformou como às paisagens
Da infância remota 
Hoje não sois mais que trapos mal cheirosos
Fingindo Deuses de outrora.
Gaya violentada, Madona em degredo
Para tua tristeza ofereço meu peito oco
Para meu desespero tomo o teu sexo faminto.
Desço à cidade observando as coisas à volta
Ela existe com seus carros, árvores e pessoas,
Que vazio imenso, que pesar infinito...
Não me reconheço carro, árvore ou pessoa.
O mundo é estrangeiro, nada faz sentido aqui
A realidade é fugida, só minha dor é palpável.


Sinto a miséria e o regozijo
Dos generais e das prostitutas,
Dos Santos sem alma e das concubinas sem dinheiro.
Ou de tantos outros que analfabetos não escrevem
Ou que mudos não falam
Ou que sem vontade não pensam, sentem ou escrevem.
E a miséria maior a ferida aberta do que o não vivido deixa...


El poema de La mujer sin rostro


Porque una mujer
atraviesa la arena que existe
entre la memoria y la visión.
Las palabras se transforman en sueño,
en mundo inasible para cautivar.
El lenguaje se convierte en lo incierto,
bosque de fuego donde la verdad es mentira.
era un castillo azul
en el medio de la noche;
yo vivía;
pensaba que alejándome
me acercaría al canto de los muertos,
que no tendría que elegir
entre el vértigo y la soledad.
Pero ya ves,
es la distancia la que no perdona:
he olvidado mis rasgos,
ya no soy la que fui;
he pronunciado un nombre,
un nombre que no es mío.
Y ahora que se marcha
pienso que las canciones que tanto le gustaban,
se llenaron de polvo,
se cubrieron de moho,
sobreviven cansadas
en el armario de la desesperación.
Y es la distancia la que no perdona,
la que se multiplica cada vez que intento buscar
a esa mujer
que cabalga el olvido
como si aún tuviera el vientre fértil.


*Enrique Solin

Me gustas cuando callas


Me gustas cuando callas porque estás como ausente,
y me oyes desde lejos, y mi voz no te toca.
Parece que los ojos se te hubieran volado
y parece que un beso te cerrara la boca.

Como todas las cosas están llenas de mi alma
emerges de las cosas, llena del alma mía.
Mariposa de sueño, te pareces a mi alma,
y te pareces a la palabra melancolía.

Me gustas cuando callas y estás como distante.
Y estás como quejándote, mariposa en arrullo.
Y me oyes desde lejos, y mi voz no te alcanza:
déjame que me calle con el silencio tuyo.

Déjame que te hable también con tu silencio
claro como una lámpara, simple como un anillo.
Eres como la noche, callada y constelada.
Tu silencio es de estrella, tan lejano y sencillo.

Me gustas cuando callas porque estás como ausente.
Distante y dolorosa como si hubieras muerto.
Una palabra entonces, una sonrisa bastan.
Y estoy alegre, alegre de que no sea cierto.



*Pablo Neruda

Prometeu Prisioneiro, vv. 1008-1053



Ἑρμῆς

λέγων ἔοικα πολλὰ καὶ μάτην ἐρεῖν·
τέγγηι γὰρ οὐδὲν οὐδὲ μαλθάσσηι λιταῖς
ἐμαῖς, δακὼν δὲ στόμιον ὡς νεοζυγὴς
πῶλος βιάζηι καὶ πρὸς ἡνίας μάχηι.
ἀτὰρ σφοδρύνηι γ᾽ ἀσθενεῖ σοφίσματι·
αὐθαδία γὰρ τῶι φρονοῦντι μὴ καλῶς
αὐτὴ καθ᾽ αὑτὴν οὐδενὸς μεῖζον σθένει.
σκέψαι δ᾽, ἐὰν μὴ τοῖς ἐμοῖς πεισθῆις λόγοις,
οἷός σε χειμὼν καὶ κακῶν τρικυμία
ἔπεισ᾽ ἄφυκτος. πρῶτα μὲν γὰρ ὀκρίδα
φάραγγα βροντῆι καὶ κεραυνίαι φλογὶ
πατὴρ σπαράξει τήνδε, καὶ κρύψει δέμας
τὸ σόν, πετραία δ᾽ ἀγκάλη σε βαστάσει.
μακρὸν δὲ μῆκος ἐκτελευτήσας χρόνου
ἄψορρον ἥξεις εἰς φάος· Διὸς δέ σοί
πτηνὸς κύων, δαφοινὸς αἰετός, λάβρως
διαρταμήσει σώματος μέγα ῥάκος,
ἄκλητος ἕρπων δαιταλεὺς πανήμερος,
κελαινόβρωτον δ᾽ ἧπαρ ἐκθοινήσεται.
τοιοῦδε μόχθου τέρμα μή τι προσδόκα,
πρὶν ἂν θεῶν τις διάδοχος τῶν σῶν πόνων
φανῆι θελήσηι τ᾽ εἰς ἀναύγητον μολεῖν
Ἅιδην κνεφαῖά τ᾽ ἀμφὶ Ταρτάρου βάθη.
πρὸς ταῦτα βούλευ᾽, ὡς ὅδ᾽ οὐ πεπλασμένος
ὁ κόμπος, ἀλλὰ καὶ λίαν εἰρημένος·
ψευδηγορεῖν γὰρ οὐκ ἐπίσταται στόμα
τὸ Δῖον, ἀλλὰ πᾶν ἔπος τελεῖ. σὺ δὲ
πάπταινε καὶ φρόντιζε, μηδ᾽ αὐθαδίαν
εὐβουλίας ἀμείνον᾽ ἡγήσηι ποτέ.


Χορός

ἡμῖν μὲν Ἑρμῆς οὐκ ἄκαιρα φαίνεται
λέγειν· ἄνωγε γάρ σε τὴν αὐθαδίαν
μεθέντ᾽ ἐρευνᾶν τὴν σοφὴν εὐβουλίαν.
πιθοῦ· σοφῶι γὰρ αἰσχρὸν ἐξαμαρτάνειν.

Προμηθεύς

εἰδότι τοί μοι τάσδ᾽ ἀγγελίας
ὅδ᾽ ἐθώυξεν, πάσχειν δὲ κακῶς
ἐχθρὸν ὑπ᾽ ἐχθρῶν οὐδὲν ἀεικές.
πρὸς ταῦτ᾽ ἐπ᾽ ἐμοὶ ῥιπτέσθω μὲν
πυρὸς ἀμφήκης βόστρυχος, αἰθὴρ δ᾽
ἐρεθιζέσθω βροντῆι σφακέλωι τ᾽
ἀγρίων ἀνέμων, χθόνα δ᾽ ἐκ πυθμένων
αὐταῖς ῥίζαις πνεῦμα κραδαίνοι,
κῦμα δὲ πόντου τραχεῖ ῥοθίωι
συγχώσειεν τῶν οὐρανίων
ἄστρων διόδους ἔς τε κελαινὸν
Τάρταρον ἄρδην ῥίψειε δέμας
τοὐμὸν ἀνάγκης στερραῖς δίναις·
πάντως ἐμέ γ᾽ οὐ θανατώσει.

HERMES

Gasto saliva em vão nesta conversa.
De nada adianta insistir com súplicas:
não se amolece um coração de pedra.
Dentes nos freios, como um potro novo
de sela, a tua fúria agride as rédeas.
Teu destempero encobre engenho débil.
A audácia no insensato é uma quimera.
Se és surdo ao meu discurso, visualiza:
a tempestade, a tripla onda hostil
vai tombar sobre ti, vetando a fuga.
Com a chama do raio Zeus fratura,
trovejando, a escarpa do rochedo,
e arrebata teu corpo o abraço pétreo.
Ao fim de um longo, longo tempo lento,
retornarás à luz. O cão volátil,
a águia sanguessuga do Cronida,
arrancará um naco de teu corpo,
conviva sem convite, dia a dia.
No cardápio, roído, o negro fígado.
Não esperes o fim de um sofrimento
até que um deus assuma tuas dores
e aceite percorrer o negro Hades,
o Tártaro de turvas profundezas.
Reflete, pois não sou dos que modelam
ruídos, mas palavras com sentido.
A boca do Cronida não falseia:
tudo o que pronuncia se executa.
Pensa bem, examina, pois jamais
o arrojo esteve à frente da prudência.


CORO DAS OCEÂNIDES

Não nos parece que Hermes seja arauto
de absurdos; em vez do destemor
aconselha prudência. O sábio perde
o seu valor perseverando no erro.

PROMETEU

Apenas prega obviedades.
Ao inimigo não denigre
o desaforo do inimigo.
Recaia em mim o gume duplo
da espiralada trança ardente.
Rajadas e trovões agridam
a rarefeita calmaria.
Abale à terra o furacão,
rompendo ao fundo os alicerces.
Que o vagalhão roncando altere
no céu o traçado dos astros.
Em meio aos torvelinhos turvos,
me arroje o corpo até o Tártaro.
Em vão! Não pode dar-me a morte.

*Tradução de Trajano Vieira.