terça-feira, 29 de setembro de 2009

O Devasso Bilac

Nunca fui entusiasta dos parnasianos, todas aquelas formas marmóreas e o excesso de sobriedade tão maquinalmente calculado. Uma poesia sem sangue, pensava eu. Recentemente descobri um algo surpreendente para a maioria, o senhor Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac, mais conhecido por uma abreviação desse como Olavo Bilac, carregava em si uma devassidão velada. Você não leu errado, estamos falando da mesma pessoa. Aquele senhor polido, direitista e reacionário era em seus domínios, um anarquista sexual. Vim a dar conhecimento disso quando por acaso descobri um embaraçoso epitáfio da lavra de Emílio de Menezes para o túmulo de nosso amigo em questão: "Bilac esta cova encerra. Choram sacros e profanos... Muitos anos coma a terra, a quem comeu tantos ânus!". O apático gentleman era então um sodomita de carteirinha, deve mesmo ocorrer que de perto ninguém é tão normal assim. Pois bem, em busca de uma prova literária do apetite sexual do nosso poeta até pouco tempo senhor de virtudes cristalinas, me pus a lê-lo. Abaixo seguem alguns fragmentos.

Satânia
(...)
Sobe... cinge-lhe a perna longamente;
Sobe...- e que volta sensual descreve
Para abranger todo o quadril!- prossegue,
Lambe-lhe o ventre, abraça-lhe a cintura,
Morde-lhe os bicos túmidos dos seios,
Corre-lhe a espádua, espia-lhe o recôncavo
Da axila, acende-lhe o coral da boca,
E antes de se ir perder na escura noite,
Na densa noite dos cabelos negros,
Pára confusa, a palpitar, diante
Da luz mais bela dos seus grandes olhos.

E aos mornos beijos, às carícias ternas,
Da luz, cerrando levemente os cílios,
Satânia os lábios úmidos encurva,
E da boca na púrpura sangrenta
Abre um curto sorriso de volúpia...

Beijo Eterno
Diz tua boca: "Vem!"
"Inda mais!" diz a minha, a soluçar...Exclama
Todo o meu corpo que o teu corpo chama:
"Morde também!"
Ai! morde! que doce é a dor
Que me entra as carnes, e as tortura!
Beija mais! morde mais! que eu morra de ventura,
Morro por teu amor!

Ferve-me o sangue: acalma-o com teu beijo!
Beija-me assim! O ouvido fecha ao rumor
Do mundo, e beija-me, querida!
Vive só para mim, só para a minha vida,
Só para o meu amor!


Delírio

Nua, mas para o amor não cabe o pejo
Na minha a sua boca eu comprimia.
E, em frêmitos carnais, ela dizia:
Mais abaixo, meu bem, quero o teu beijo!
Na inconsciência bruta do meu desejo
Fremente, a minha boca obedecia,
E os seus seios, tão rígidos mordia,
Fazendo-a arrepiar em doce arpejo.
Em suspiros de gozos infinitos
Disse-me ela, ainda quase em grito:
Mais abaixo, meu bem! ? num frenesi.
No seu ventre pousei a minha boca,
Mais abaixo, meu bem! ? disse ela, louca,
Moralistas, perdoai! Obedeci…

Última Página
Primavera. Um sorriso aberto em tudo. Os ramos
Numa palpitação de flores e de ninhos.
Doirava o sol de outubro a areia dos caminhos
(Lembras-te, Rosa?) e ao sol de outubro nos amamos.

Verão. (Lembras-te Dulce?) À beira-mar, sozinhos,
Tentou-nos o pecado: olhaste-me... e pecamos;
E o outono desfolhava os roseirais vizinhos,
Ó Laura, a vez primeira em que nos abraçamos...

Veio o inverno. Porém, sentada em meus joelhos,
Nua, presos aos meus os teus lábios vermelhos,
(Lembras-te, Branca?) ardia a tua carne em flor...

(...)

*Leandro M. de Oliveira

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