"Por que tendes tanto medo de despertar de noite? Porque para vós a força das razões da vida vem da luz do dia. Das ilusões da luz(...)
Fiz rir sempre os meus amigos pelas inúmeras... como as chamáveis? alterações, isso, alterações, dos meus sinais. Mas podíeis rir, porque nunca vos ajudastes a considerar a minha necessidade estranha de me ver a mim próprio no espelho com um aspecto diverso, de iludir-me de não ser sempre aquele um que sou, de ver-me outro!
Mas, claro! Que pude alterar? Cheguei, é verdade, mesmo a rapar a cabeça para me ver calvo antes do tempo; e ora rapei os bigodes, deixando a barba; ou vice-versa; ora cortei bigodes e barba; ou deixei crescer esta duma maneira, ou de outra, em ponta, dividida no queixo, em colar...
Brinquei com os pelos.
Os olhos, o nariz, a boca, as orelhas, o tronco, as pernas, os braços, as mãos, não pude alterá-los coisa nenhuma. Mascarar-me como um ator de teatro? Tive às vezes a tentação. Mas depois pensei que debaixo da máscara o meu corpo continuava sempre aquele... e envelhecia!
Procurei compensar-me com o espírito. Ah, com o espírito pude jogar bem melhor!
Vós considerais acima de tudo e não vos cansais nunca de louvar a constância dos sentimentos e a coerência do caráter. E por quê? Mas sempre pela mesma razão! Porque sois covardes, porque tendes medo de vós mesmos, isto é, de perder – mudando – a realidade que vos destes e de reconhecer, desse modo, que ela não era outra coisa que uma ilusão vossa e portanto que não existe nenhuma realidade, se não a que nós mesmos nos damos.
Mas que quer dizer, pergunto eu, dar-se uma realidade, se não fixar-se num sentimento, prender-se, inteiriçar-se, encrostar-se nele? E por conseguinte, deter em nós o perpétuo movimento vital, fazer de nós outros tantos pequenos e miseráveis pântanos à espera de putrefação, enquanto que a vida é fluxo contínuo, incandescente e indistinto.
Vede, é este pensamento que me revolve e me torna feroz!
A vida é o vento, a vida é o mar, a vida é o fogo e não a terra que enruga e assume forma.
Toda forma é morte.
Tudo o que se retira do estado de fusão e se prende, neste fluxo contínuo, incandescente e indistinto, é a morte.
Nós todos somos seres presos numa armadilha, destacados do fluxo que nunca se detém, e fixados para a morte.”
*Luigi Pirandello in A Armadilha
quarta-feira, 2 de setembro de 2009
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