sábado, 11 de abril de 2009

Tempo veloz

Ele acordou no meio da noite incerto de qualquer verdade, foi ao banheiro e fez a barba como quisesse desfazer o peso em sua face. Não, não era possível lançar fora a personalidade raspando com uma gilete. Pensou em tomar um trago, mas nem todo o alcalóide do mundo dissimula a gravidade da vida.

-Verdade imutável número um: existir é um exercício tortuoso mesmo quando se está bêbado.

Se carregasse algo de profundo provavelmente escreveria um poema. Sorte escura, verdade hedionda. Ele não sabia como sentir ou pensar. Pôs-se então a caminhar na rua sem vontade ou esperança, era um andado maquinal, o cão do viúvo cruzou seu caminho num trote oblíquo: “Meu Deus como invejo esse cachorro.”. Se tivesse a memória de um Proust, nessa hora opaca poderia recordar um dia qualquer da infância, fechando os olhos tornaria a sentir o cheiro dos verdes anos. Mas não, ele não era tão meticuloso assim. Ao contrário muito modesto, e um acesso descente de nostalgia necessita algum refinamento. Seria melhor pensar em outra coisa...

Não sabia;

Não queria;

Não podia;

O instante de sonho foi perdido, a suave infância no escuro da lembrança pra sempre jaz. Ele acordou no meio da noite buscando construir um mundo novo. Mas quando olhou no espelho viu suas mãos amputadas.


*Porto Firme, 11 de abril de 2009, 09:54 hs

Um comentário:

shintoni disse...

Leandro:
Valeu ter enviado este texto para o Duelos! Já está postado!
Depois passa lá para ver como ficou.
Seja bem-vindo e volte sempre!
Um grande abraço!