quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Filosofia de Carnaval (uma fábula)

Manhã de um sábado de carnaval, num sobrado antigo, não muito longe da Igreja do Monte, em Olinda.
Um passante esfarrapado anuncia no meio da rua:
- Quem quer comprar vassoura de piaçava para deixar a casa bem limpinha depois da folia?
Dona Filósofa vai até a janela do sobrado:
- O Sr. não teria, por acaso, uma vassoura voadora? Preciso de uma para completar a minha fantasia de Platônica Perplexa!
- Quer dizer que a senhora quer alçar vôo até as transcendências? Mas em que plano pretende chegar - ao das entidades matemáticas, ao das Formas ideais, ou pretende mesmo contemplar o Bem em si?
- E o Sr. poderia me arranjar uma vassoura para vôos tão elevados?
- Só depende de suas reservas de pão espiritual e do vinho da alma.
- Ah, meu Sr., lamento muito, mas o meu forno e a minha adega estão quase vazios...
- Antes estivessem, minha cara Dona Filósofa; de fato, eles estão repletos, plenos de seus apetites e de sua preguiça.
- Ora bolas, mas o que posso fazer contra a minha fome e o meu cansaço?
- Nada, minha senhora, nada. A questão é essa: aprender a querer e a fazer como se fosse nada, simplesmente nada!
- E o que responder a meus desejos?
- Ora bolas, agora digo eu, minha cara, a senhora é surda? Nada, nada mesmo, e sobretudo não ousar sequer tentar escapar do estado de desejar! Seus estudos não lhe ensinaram que esse é o estigma da condição humana? Porventura, não aprendeu, depois de tantos anos, uma lição tão elementar?
- Como é possível, então, desejar sem preencher de objetos meus desejos?
- Com mais coragem e humildade a senhora aprenderia. Compreenderia que não está a seu alcance saber de que vinho e de que pão deve se alimentar! E, nesse caso, só lhe restaria desejar, desejar à toa, em vão... Desejar com intensidade, pensar com atenção, operar com diligência, mas sem se deixar enredar por quaisquer objetos ou objetivos. Lembre-se das palavras do Pater: Seja feita a Vossa vontade... Por acaso, a senhora pretende saber qual é a vontade que vem das transcendências? Já não viveu tantas vezes a experiência do desencanto, até quando julgava saber o melhor para si? Não tente pois, minha senhora, preencher a sua fome com toda a pretensão de sua imaginação. Limite-se a reconhecê-la e, creia-me, isto não seria pouco, seria o limiar da plenitude possível...
- O Sr. sabe se existe algum Fundo de Reservas Espirituais (uma espécie de avesso do FMI) que permitisse acesso a algum crédito sobrenatural, algum empréstimo dessa sabedoria, sem juros existenciais ou outros encargos?
- A senhora quer crédito maior do que a Vida mesma - a chance de, a cada dia, poder contemplar o Sol e recomeçar?
Antes de tudo, é preciso aprender que as melhores vassouras não servem para juntar ou acumular; servem para limpar e esvaziar. Por enquanto, Dona Filósofa, o melhor mesmo é a senhora começar aprendendo a lição mais simples e eficaz desta colorida vassoura de piaçava. Ela servirá também para complementar o faz de conta da sua fantasia. Contente-se com isso; cuide-se bem e brinque um alegre carnaval; não menospreze, sem conhecimento de causa e sem a devida iniciação, as cores e as luzes deste mundo a seu alcance. No próximo ano, quem sabe... Estou sempre passando pelas ruas como os melhores e mais antigos blocos de folia...
*Emília Maria M. de Morais

3 comentários:

Anônimo disse...

cade a moral que eu não vir

Anônimo disse...

ficou bom mais cade a moral

Anônimo disse...

ficou bom