domingo, 28 de fevereiro de 2010

Belphegor

Vento norte que em rota inesperada faz desnorte. Esse ar, essas ruas, esse cadáver, eternamente jaz, flutuando sobre mim. Queria uma emoção leve que fizesse do tempo um exercício comum, como não consigo, caminho como quem se suicida, ou tomo o ônibus que leva a um país iverossímil. A persistência que parece insustentável, o ermo feito indizível. Tudo é partida. Subi o monte com grandes expectativas, quando lá cheguei só haviam pedras e árvores. Buscar uma explicação é ter a alma pelo avesso, e eu como nada sei da direção comum, meto a mão no que sinto como um tumor que cresce de dentro pra fora. Viver custa caro, nisso tenho sido obrigado a por de própria algibeira. Por mil anos trabalhei no silêncio, obsoleto, agora minhas estão deformadas e minha vista cegou-se na incomensurável espera. Para o serviço de recenseamento seria eu excesso de contingente ou morto não declarado? Situação ingrata, ter de ser pertencido por alguma parte sem ser pertencido por parte alguma. Nessa terra devassa nem amargor é capaz de definir o meu amor. Todo sacrifício é degradação, toda vez que abro uma janela a paisagem persiste a mesma.

O silêncio às vezes é entrecortado pelos sons dum animal errante. O silêncio é um mistério inominável aos que carregam uma turba pelas ventas.Deus é som, animal, ou silêncio? Há tanta metafísica nas coisas ordinárias que a crença já não é algo mais tão seguro, os inquisidores tiraram férias... Não, não tiraram.

Apaixonar-se é ter nostalgia da perdida infância. Isso seria uma observação ou uma epígrafe? Talvez uma boa coisa pra se escrever nas paredes de um urinol público. As necessidades sempre fazem o homem parecer mais profundo. Irremediavelmente, a nostalgia tateia memórias além da memória, desce ao porão escuro agitando o pó já assentado. Na treva não há o que se contemple. La embaixo todos os sepulcros foram lacrados. Acaso existem infravermelhos pra se enxergar o escuro da alma? Na impossibilidade das respostas vou, com um cemitério na cabeça, com o universo todo por sobre os joelhos.

Conhecer do atemporal é engenho nobre. Irrelevante; debruçar-se a isso num mundo mais raso que um prato de sopa. Bem vindo à época da produção em série. Ave, triunfo burguês! Quem roubou meu cantil? Tenho sede e não há água em canto algum. Depois de certo tempo no deserto as pessoas passam a fazer parte dele. Homens de areia, mulheres de nada, paços insólitos permeiam a cidade. O mundo existe em mim como existe uma bruma a cobrir a paisagem, como existe alojada uma doença a que se quer purgar.

Prometeu amarga um perene castigo. Mandado ao Cáucaso por ser um homem bom? Bondosamente imbecil, salvar os outros é perder-se a si mesmo. O caminho e a resposta vêem de dentro. Também não sei por que cargas d’água me ponho a assim pensar, se dessa feita ocorresse, a espeleologia cuidaria de todos os vazios. Mãos ao alto ao mistério, mãos ao chão na queda. A gravidade é sempre inconstante, pode ser que estar em paz seja fechar os olhos e abrir a boca. Consumir idéias alheias é a forma mais antiética de canibalismo. Todavia fomos salvos, a TV democratizou o saber e fez com que todos soubessem as mesmas coisas. Boa noite e merda!

Depois que a mídia se tornou o nosso aiatolá, existir ficou tão colorido, tão nauseantemente simplificado que nem o vômito surte mais efeito. Tomaria alcalóides e dormiria como um xeique enfeitiçado, as garrafas estão vazias. Tenho de beber da esquizofrenia coletiva e fingir um pouco de lucidez. Onde estão meus óculos? Onde está a forma pacífica de ver as coisas? Já que tudo é guerra coloco botas de borracha e busco despojos na fossa sanitária das consciências. Estão vazias, visceralmente apartadas. Belphegor trabalha às tantas. Abençoados os que não se arrependem, amaldiçoados os que os abençoam. Discursar é uma forma de fazer com que as pessoas não reparem nossas vidraças, toda palavra é agressão. A luz apagou, a tempestade não estiou. Pra onde fugir agora? Que lugar é possível sem que hajam luzes, tempestades e memória? Fronteiras de meu reino, de tantas terras donde nunca ouvirei falar. O vento sopra a este bordo, o vento sempre soprou a mesma nota. Não escutar o arredor é ser ultrapassado pelas costas, talvez exista cera demais nos ouvidos. Quero partir em disparada mas, a letargia parece ter atrofiado meus membros.
*Leandro M. de Oliveira

5 comentários:

Pegadas disse...

Caro Leandro. Por aqui na Pérola do Atlantico (Madeira), vamos lentamente acordando desta letargia que nos invadiu com a catástrofe recente...é te disse um dia destes...eu, continuo em dívida com a vida. Grande abraço.

shintoni disse...

Leandro:
Este seu texto já foi postado no Duelos, ok?
Muito bom!
Valeu mesmo!
Abraço e tudo de bom!

Coisas de Mães disse...

Lindo!!!!

Monica disse...

"Tenho de beber da esquizofrenia
coletiva e fingir um pouco de lucidez. Onde estão meus óculos? Onde está a forma pacífica de ver as coisas? Já que tudo é guerra coloco botas de borracha e busco despojos na fossa sanitária das consciências."

Salve Leandro!

um abraço,
Monica

Willian de Morais Ribeiro disse...

Continua o mesmo Leandro que conhecei, aliás está em uma constante transformação e pra melhor que é o que importa não é mesmo!

Parabéns Leo pelo blog, como é bom o milagre da internet que nos permite divulgar nossos pensamentos e passar para os amigos. Abraço e até mais ver.