sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Asmodeus

A justa medida de medir todas as coisas, sem conceito pregresso, sem participação no processo. Não se encontra uma boa solução na caixa de achados e perdidos. Salvo o amor próprio todo o tipo de paixão é decadência; essa é uma era de homens decadentes. Do olho furacão todos estão cegados, como criticar as cores do quadro se a vida te fez daltônico? O dia consumido em horas, as horas consumidas em não ser. Viver é tomar parte na antiga tragédia, morrer é figurar nas estatísticas. Solas gastas patinam na lama e é preciso um coturno que amasse a terra com indiferença. Compadecer-se do passo adiante é degradação da pior espécie. Nada se destrói, as coisas vão reformuladas no contínuo de existir. Uma navalha abre carnes, uma navalha decepa membros. Acaso ha lâminas nessa terra que abram idéias ou decepem ideologias? Se os cuteleiros tivessem consciência política a vida na polis seria menos hipócrita. O processo é mais sofisticado.

Vis escravos, pra sempre sejam.

A noite passa. Eu a tecer insônias como quem tece uma camisa de força. Qual a justa medida? Se cada homem é um e vários ao apelo das circunstâncias, qual o sentido de verdade? Toda fé é inútil. A vida vai arrombar sua casa, estuprar seus filhos e te fazer beber um café amargo pela manhã. Maldição! Na ditadura é fácil culpar alguém. Então vem você com seu senso democrático e sua mentira, quer comandar o mundo todo mas, falha no papel simplório de soberano da própria pele. Bem vindo aos tempos do teatro experimental. A selva não permite regras de etiqueta, o que diferencia os homens é o lugar que cada um ocupa na cadeia alimentar. Tragam-me pantomimas, uma vez na vida, deixem que aconteça de dentro pra fora. O preço do pão torna as coisas pouco poéticas, compaixão para com os animais é engenho da mais cínica extravagância. Que Asmodeus dê cabo dos luxuriosos. E aqui estamos e cá continuaremos, por muito tempo até que os guias usem óculos, até que rebente a vergonha naqueles que te fizeram acreditar.

A vida existe na matéria, a matéria existe na aglomeração de átomos. O átomo é cheio de vida, e ao mesmo tempo vazio de matéria. Se não há matéria que preencha o átomo, não há vida na matéria. E se assim é, a vida vem de outra fonte e nada é como se pensa ser ou tudo é representação e nada é sequer coisa alguma. No primeiro caso o discurso é inútil, no segundo, a palavra é na melhor das hipóteses alçapão ou embuste. Detesto o cinismo existencial. Em qualquer feita tudo é ausente de sentido além daquele que o condicionamento permite.

Resumidamente, se tudo é vazio e ausente de sentido, talvez tudo seja deveras nada e como nada, inexiste em realidade. Se isso for, eu que pensei estar raciocinando me enganei, você que pensou estar em dívidas com a vida foi absolvido, e as palavras todas tampouco fizeram sentido, elas nem mesmo foram. Foram? Não foram?
*Leandro M. de Oliveira

4 comentários:

Pegadas disse...

foram...e amanhã você vai continuar raciocinando...e eu?...continuarei em dívida com a vida...

shintoni disse...

Leandro:
Este seu texto foi postado no Duelos na sexta, ok?
Muito bom!
Valeu mesmo!
Abraço, paz e ótima semana!

angela maino disse...

Oi Leandro,tudo bom?
Lendo esse seu texto "a justa medida de medir todas as coisas", me lembrei imediatamente da postura dessa escritora africana, Chimamanda Ngozi Adichie, no livro "Meio sol Amarelo", que descobri nesse blog blig.ig.com.br/fifties "O perigo da única versão", de Regina Amaral.
Essa postura diante da vida me chamou tanta atenção que tive que lá deixar um comentário.
Veja se concorda comigo.
(continuo visitando seu blog, e acho legal como vc. se coloca)
Abraços Angela.

Anônimo disse...

Humm.
Muito interessante seu texto, embora tenha achado alguns traços de pessimismo que eu considero muito forte.
Há sim muito de ruim no mundo e em como temos de agir para sobreviver nele, mas sem alguns sofrimentos e amarguras precisaríamos todos morrer. Seria tal a melhor solução?
Prefiro existir na dúvida da realidade que me entregar á imobilidade e absolutez da morte.