sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Trajetória


Prólogo:
Ele sentou-se uma vez mais à mesa, todavia, dessa vez algo de eternidade pairava em seus olhos. Tomou um bom copo de vinho, e em pensamento conjurou assim um sortilégio misterioso: “Às pessoas que me são caras, em verdade não as posso chamar amigas, nenhuma nunca penetrou em meu ser. A vocês desejo toda a doença, desolação e indignidade que se pode ter na vida. Quero que a vossa visão escureça e que a vossa carne decomponha lentamente e quando enfim o corpo se tornar um cativeiro, exatamente aí e somente nesse instante, vós sereis homens livres!”. Ele se levantou, tomou o alforje por sobre os ombros e se foi, com aquele olhar de infinito... O que vem a seguir são relatos provavelmente inverídicos de uma vida não vivida.


I

No caminhar infindo, silêncio e vazio...
Me pergunto se serei cingido com a marca dos justos,
Ou se meu coração é altivo demais
Pra que eu tome assento nesse tabernáculo.
Ouço ecos de terras distantes, paisagens de outrora,
Boiando à deriva em meio as marés do tempo.
E eu vejo, um a um, os pedaços de minha vida, 
Caindo irremediavelmente no abismo voraz da eternidade.
O vazio de existir, a imensidão de uma mão dada...
Que pode um homem desacreditado senão cismar?
Nesses tempos dignidade é deveras, coisa rara, 
A humanidade é ainda muito primitiva pra cumprir o seu propósito.

II
Essa é uma era de vergonha e desolação,
Meus olhos foram arrancados, a minha língua foi cortada.
Não entendo a mim, não entendo ninguém
No mundo em que criaste, 
Não é permitido que mesmo a dor,
 Possa definir o meu amor,
Teu corpo fecundei, alimentou-se de mim,
Mas como um estupro do que te ofereci,
A minha verdade recusaste, nesse novo lugar
Construído sobre os meus escombros.
Não posso continuar aqui, estou cansado e só,
Que venha o fim, mas que seja meu.


III

É chegado o termo das coisas, despossuído estou.
Me entendo leve como se estivesse em engano,
Me vejo em alerta como se acreditasse em algo.
Daqui parto, sem nada querer ou desejar
Minha glória é esta:
Criar desumanidade, viver em exílio.
Não posso seguir aquela estrada, embora queira,
Meu caminho é composto pela vontade de meus pés...
Que empresa me dás se não pode responder o que pergunto,
Prefiro as vias tortuosas a esse caminho reto.
Viajante em terra estrangeira, cruzado dos ideais esquecidos,
Meu tempo é quando, minha verdade é o que serei.


*Sábado 22 de novembro de 2008

03:06 hs

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