"Descobrimo-nos, pois, num mundo carregado de exigências, no seio de projectos em curso de realização: escrevo, vou fumar, tenho encontro marcado esta noite com o Pedro, não posso esquecer-me de responder a Simão, não tenho o direito de esconder por mais tempo a verdade a Cláudio. Todas estas pequenas expectativas passivas do real, todos estes valores banais e quotidianos tiram o seu sentido, a bem dizer, de um primeiro projecto de mim mesmo que é como que a minha escolha de mim mesmo no mundo.
O homem, estando condenado a ser livre, carrega nos ombros o peso do mundo inteiro: é responsável pelo mundo e por si mesmo enquanto modo de ser (...) A responsabilidade absoluta não é resignação: é simples reivindicação lógica das consequências da nossa liberdade. O que acontece comigo acontece por mim (...) Além disso, tudo aquilo que me acontece é meu; deve entender-se, por isso, em primeiro lugar, que estou sempre à altura do que me acontece, enquanto homem, pois aquilo que acontece a um homem por causa de outros homens e por ele mesmo não pode ser senão humano. As mais atrozes situações de guerra, as piores torturas, não criam um estado de coisas inumano; não há situação inumana (...) A situação é minha por ser a imagem da minha livre escolha de mim mesmo."
“ Acabo de fazer um gesto desastrado ou ordinário: (…) Apercebo-me de súbito, de toda a baixeza do meu gesto e tenho vergonha. Claro que a minha vergonha não é reflexiva, pois a presença de outrem à minha consciência, nem que seja à maneira de um catalisador, é incompatível com a atitude reflexiva: no campo da minha reflexão não posso nunca encontrar senão a minha própria consciência. Ora, o outro é o mediador indispensável entre mim e eu próprio: tenho vergonha de mim tal como apareço ao outro. E, pela própria aparição do outro, tenho a possibilidade de fazer um juízo sobre mim como sobre um objecto, pois é como objecto que apareço ao outro. (…) A vergonha é por natureza reconhecimento. Reconheço que sou como o outro me vê.”
*Jean Paul Sartre, O ser e o nada
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