terça-feira, 11 de novembro de 2008

Seleção Natural, A Gênese das Teorias

Ao remeter para Darwin seu ensaio sobre as variedades de seres vivos, Alfred Russel Wallace pedia que o mostrasse a Sir Charles Lyell, o famoso geólogo, caso nele visse algum valor. O ensaio teve um impacto avassalador sobre Darwin: trazia sentenças inteiras que poderiam ser encontradas em um antigo ensaio de Darwin de 1844.
“Seleção natural” e “sobrevivência do mais apto” apareciam tão articuladas no texto de Wallace quanto estavam na mente de Darwin.
Ao impacto do ensaio de Wallace somou-se um período de muita agitação emocional e Darwin teve de mudar seus planos inteiramente. O impacto de sua teoria sobre as raças do homem, idéia que Darwin vinha desenvolvendo, teria de esperar até 1871.
Malgrado essas mudanças de rota, uma teoria da evolução estava brotando na mente de pensadores em várias partes do mundo e o rebento teórico brotaria em algum lugar. O século 19 estava prenhe da evolução biológica.
Essa prenhez estava anunciada no livro que Darwin lera a bordo do Beagle, “Princípios da Geologia”.
Lyell escrevera que as teorizações inglesas tinham sido refutadas, e até mesmo ridicularizadas, pelos geólogos italianos do Século das Luzes. Eles tinham estendido as bases de Galileu para o estudo do interior da Terra e refutado a idéia de um dilúvio universal.
Lyell defendia o completo abandono da antiga idéia de que os fósseis não são marcas de seres vivos que de fato existiram no passado. Da mesma forma, dizia Lyell, não era razoável invocar os céus ou qualquer divindade para explicar fenômenos naturais à custa de milagres.
Nada além da “pura abominação” dessas visões era o que Lyell pedia a seus colegas iniciados das academias de intelectuais. Para explicar a ocorrência de fósseis marinhos nas alturas das montanhas não era necessário solicitar a intervenção de nenhuma força onipotente.
Até aquela data, muitos viam nos degraus da arena romana de Verona as marcas de Júpiter, cuja imagem os romanos tinham tomado de Amon dos egípcios. Os “cornu Ammonis” que até hoje ornam o rico mármore das calçadas de Verona, seriam simples lembranças espirituosas dos chifres de carneiro de Amon, e não marcas de amonitas (daí a origem do nome), animais reais extintos.
A geologia italiana acabara com o fundamentalismo anglicano naturalista e suas pretensões de sacralizar a ciência nascente.
A física e a mecânica dos céus tinham deixado de depender daquilo que estava nas Escrituras; a química vivia tempos revolucionários.
O estudo da vida seria o próximo campo fértil no qual germinariam as sementes da evolução orgânica, base de uma verdadeira ciência da vida, capaz de explicar as extinções, as “grandes revoluções” da crosta terrestre e o “mistério dos mistérios” -a origem das espécies.
Darwin e Wallace tinham resolvido a questão em 1858.
Darwin já o fizera em 1844 de maneira plenamente aceitável, mas insisitira em colecionar mais fatos e evidências.
Wallace confessava que, embora quisesse se dedicar ao tema de uma forma teórica, os afazeres cotidianos de coletor de espécimes lhe roubavam o tempo necessário.
Com um acesso de malária, ficou preso a uma cama, onde rememorou o que lera de Malthus e teve o “insight” criativo da seleção natural.
Em 1858, enfim, as duas perspectivas se juntaram e a teoria foi finalmente apresentada ao mundo. Passados 150 anos, sabemos que nada na biologia faz sentido sem ela. Há uma única razão para um anfioxo, uma lampréia, um sapo, uma tartaruga, um galo e um elefante terem um desenvolvimento embrionário com características comuns. Essa razão se resume à teoria da evolução, cujas bases foram assentadas pela geologia dos italianos do século 18, entendida e aplicada pelos britânicos que os sucederam, capazes de perceber a distinção básica entre ciência e religião. Ela estava no ar.

*por NÉLIO BIZZO

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