É útil dividir as teorias antropológicas da religião em três grupos: teorias da solidariedade social (ou da coesão social), teorias do sonhar alto e teorias intelectualistas (ou cognitivistas). As teorias da solidariedade social tomam as necessidades da sociedade como primárias e explicam a religião em termos do modo como esta as satisfaz, especialmente pela sua suposta promoção da harmonia e coesão. As teorias do sonhar alto tomam como primárias as emoções dos indivíduos e explicam a religião em termos do mitigar de sentimentos negativos, como o medo e a solidão, e da promoção da confiança ou da serenidade. Por fim, as teorias intelectualistas tomam como primária a necessidade humana de compreender o mundo. Desta perspectiva, a interpretação religiosa do mundo é, antes de tudo e principalmente, uma tentativa de compreensão. Cada uma destas teorias pode ser combinada com qualquer das outras duas, ou com ambas.
A teoria da segurança social tem sido a abordagem principal na antropologia desde a fundação desta última nos finais do séc. XIX. É uma forma de funcionalismo, dado explicar a religião pelo incutir nominal de fidelidade a uma sociedade. A religião consegue-o por meios simbólicos, usando roupas especiais, arquitetura, canto, dança e fórmulas verbais para aumentar sentimentos comunais. Na verdade, chama-se por vezes simbolismo à teoria da solidariedade social, querendo dizer que sustenta que a religião é uma atividade inteiramente simbólica que não se envolve com o mundo como um todo (como os seus executantes ou observadores poderiam pensar), mas apenas com as relações sociais humanas. Os seus símbolos podem estar ocultos e ser apreendidos apenas inconscientemente.
Que o simbolismo religioso unifica a sociedade não é uma idéia nova. Na Ásia oriental, por exemplo, o uso da religião pelo estado remonta pelo menos a 1027 a.C., quando a nova dinastia Chou citou a sua conquista dos povos subjugados como um sinal de que tinha recebido o mandato do Céu. As dinastias posteriores continuaram a fazer a mesma afirmação. Além disso, integraram Confúcio como uma figura quase religiosa que apoiava o estado, como fizeram os governos do Japão e da Coréia. No Japão tanto o culto de Shinto como o dos antepassados servia a unidade nacional. No ocidente ocorreu o mesmo: a perspectiva (e uso) da religião como forma de solidariedade social surgiu cedo e tem persistido. Começando pelo menos com Políbio, no séc. I a.C., e seguido por Bodin, Vico, Comte e Freud, entre outros, e mais recentemente Wilson e Roes e Raymond, muitos estudiosos sustentaram que a religião mantém a ordem social.
A teoria da coesão social, contudo, deve muito a Durkheim, que procurava saber como as sociedades mantêm a coesão. Afirmou que o conseguem em grande medida por meio da religião, que inclui crenças e práticas que são "relativas às coisas sagradas" e que organizam os seguidores em grupos de solidariedade. As coisas sagradas não têm de incluir deuses (o budismo, escreve Durkheim, é uma religião sem deuses): são seja o que for que represente os elementos essenciais da sociedade. As coisas profanas, pelo contrário, constituem uma categoria residual de tudo o que não é sagrado. A distinção feita pela religião entre o sagrado e o profano é o seu sinal característico.
Baseando-se em etnógrafos da religião aborígene australiana, Durkheim concluiu que o objeto principal de culto dos membros dos clãs australianos, o "totem," representa na verdade o próprio clã, e que é o clã que é sagrado. O mesmo princípio se aplica nas sociedades modernas complexas. O objeto explícito de culto, seja um totem, uma bandeira ou Deus, representa tudo o que é vital e portanto sagrado na sociedade. Ao formular e exprimir o sentimento de dependência mútua dos membros de uma sociedade, sentimento que de outro modo é apenas esporádico, a religião consolida-o e aumenta-o. Isto ajuda a fazer os membros comportar-se eticamente relativamente aos seus semelhantes e arregimenta-os em defesa da sociedade.
A teoria da solidariedade social tem vários pontos fortes, sobretudo o fato de as religiões parecerem muitas vezes ter produzido solidariedade e de os líderes de várias sociedades terem usado esta capacidade. Contudo, a teoria tem também pontos fracos. A tese de Durkheim de que a característica central da religião é a sua dicotomia entre sagrado e profano, por exemplo, foi imediatamente alvo de objeções de etnógrafos que relataram que nas culturas que estudaram não encontraram tal distinção.
Outro problema é que se a tese de que as religiões unem as sociedades é mais do que a tautologia de que as religiões unem os seus membros, então é preciso mostrar que as religiões emergem de grupos que têm outra base qualquer, que depois a religião fortalece. Mas na verdade há muitos tipos de grupos — famílias, aldeias, comunidades étnicas, estados — que a religião divide em vez de unir. Um corolário é que ao passo que os grupos sociais são alegadamente preservados pela religião, muitos têm ao invés sido destruídos por ela. Exemplos disso são os T'ai-p'ing Tao da China do séc. II a.C. e o Templo do Povo de Jonestown.
Por fim, é preciso responder a um problema de todo o funcionalismo: por que se adota a característica em causa (a religião) no sistema em causa (uma sociedade) que dela beneficia? Os funcionalistas ignoram muitas vezes esta questão ou parecem tacitamente sancionar algo como uma explicação darwinista: as sociedades com um dado traço têm mais sucesso e portanto sobrevivem mais ou espalham-se mais. O traço sobrevive com elas.
A questão mais básica de como surgem os traços também é habitualmente ignorada. Pode-se conjecturar que surgem apesar de adequada para descrever mutações, é uma explicação empobrecida da origem de uma cultura aleatoriamente, seguindo o modelo da mutação genética. A aleatoriedade, contudo, sabe-se demasiado sobre os processos mentais humanos para os entregar ao acaso cego.
Além disso, os traços culturais, ao contrário dos genéticos, não são transmitidos biologicamente, tendo de ser aprendidos e muitas vezes também ativamente ensinados. Logo, levanta-se a pergunta: o que motiva as pessoas a ensinar ou a aprender doutrinas ou comportamentos particulares? Esta pergunta torna-se mais aguda pelo fato de as pessoas que o fazem parecerem muitas vezes não estar cientes dos benefícios sociais atribuídos pelo observador. No caso da religião, por exemplo, poucas pessoas afirmam que rezam porque isso torna a sociedade mais coesa.
O fato de o funcionalismo vis-à-vis a religião (e a outras características das sociedades e dos organismos) persistir deve-se, talvez, não à sua plausibilidade sob análise mas por exercer uma certa atração intuitiva mas enganadora. A atração é que o funcionalismo zomba da propensão humana, do que nos apercebemos pelo menos desde Hume e que foi pormenorizada experimentalmente por Kelemen, para encontrar desígnio e propósito no mundo em geral. Esta propensão, mostra Kelemen, emerge espontaneamente nas crianças desde muito novas ("as nuvens existem para haver chuva") e permanece poderosa durante toda a vida. Kelemen mostra que esta tendência assume prontamente uma forma religiosa. Alguns religiosos atuais particularmente fervorosos, por exemplo, crêem ver um "desígnio inteligente" que rivaliza o evolucionismo como explicação científica da biologia. Contudo, esta crença parece revelar mais sobre as suscetibilidades perceptivas humanas do que sobre a biologia.
Assim, a teoria da coesão social de Durkheim e de outros não parece resistir às objeções a um conceito nuclear (a distinção sagrado-profano), aos contra-exemplos nos quais a religião não é um fator de coesão mas de dispersão, e por fim não consegue fornecer uma dinâmica credível da gênese e transmissão da religião. Apesar de a religião muitas vezes unir os grupos e poder ser deliberadamente usada para esse propósito, não é por essa razão que as pessoas a adotam. Além disso, a religião também separa muitas vezes os grupos.
Há uma segunda coleção de teorias pode-se chamar a abordagem do sonhar alto. Segundo estas teorias, a religião serve de paliativo para a ansiedade e descontentamento humanos, imaginando uma condição mais satisfatória, seja no presente, seja no futuro. Ao postular um mundo no qual podemos melhorar-nos apelando a deuses, ou no qual o sofrimento da vida será compensado por uma vida melhor no porvir, a religião torna a vida suportável.
Estas teorias têm também uma linhagem antiga. Vários autores têm observado que a religiosidade está correlacionada com a ansiedade, pelo menos desde a observação de Eurípides de que a tensão nos conduz, devido à "nossa ignorância e incerteza," a prestar culto aos deuses. Analogamente, Diodoro Sículo escreveu que o desastre nos disciplina, fazendo-nos ter "reverência pelos deuses". Espinosa, Feuerbach, Marx, e os antropólogos do séc. XX Malinowski e Kluckhohn fizeram observações comparáveis.
O defensor da teoria do sonhar alto mais amplamente lido, contudo, é sem dúvida Freud. Antropólogos que seguem Freud incluem Kardiner e Linton, Spiro, Wallace e La Barre.
(...)
Para Freud, as religiões são delusões, "nascidas da necessidade de o homem tornar o seu desamparo tolerável" e são "ilusões, realizações dos desejos mais antigos, fortes e urgentes da humanidade". As suas características particulares são "projeções" de emoções e experiências.
A noção de projeção, contudo, é uma metáfora enganadora, provavelmente baseada numa teoria popular da visão como toque. Entre outros problemas, implica que há dois tipos de percepção: projeção, que é subjetiva e falaciosa, e percepção improjetiva, que é objetiva e precisa. Esta implicação é contradita pelo fato de toda a percepção refletir os interesses do agente perceptivo, não havendo um ponto de vista neutro.
Muitas religiões, além disso, não se adequam bem a qualquer teoria da realização dos desejos por terem características que é improvável que alguém deseje. As divindades de algumas são cruéis ou coléricas, e têm muitas vezes como complemento demônios ou fantasmas assustadores. Noutras, a vida depois da morte ou não existe ou é efêmera, ou é um Hades ou outro lugar desagradável. Tais religiões podem ser tão ameaçadoras quanto promissoras. Como um antropólogo comentou, poder-se-ia igualmente sustentar que as religiões provocam "medos e ansiedades que de outro modo não existiriam."
Mesmo que no cômputo geral as idéias religiosas pendam para o conforto e não para a aflição, seria necessário explicar o que as torna credíveis. Não parece que acreditamos simplesmente no que nos poderia confortar. Como Pinker faz notar, opondo-se à teoria do conforto, as pessoas que estão a morrer de frio não parecem confortar-se a si mesmas com o pensamento de que na verdade estão quentes.
Ao terceiro grupo de teorias chama-se intelectualismo, cognitivismo ou (por vezes) neo-tylorianismo. Estas defendem que a religião é primariamente uma tentativa de entender o mundo e de agir de acordo com esse entendimento. Uma dessas teorias, a de Tylor, era a mais importante das primeiras teorias antropológicas da religião. Tylor, que é um humanista clássico, evolucionista e comparativo, descreve a religião como uma tentativa universal de explicar certas experiências humanas enigmáticas.
A teoria de Tylor, como acontece com as teorias anteriores da solidariedade social e do sonhar alto, tem predecessores. O seu comparativismo e aparentemente o seu humanismo recuam a Xenófanes (séc. VI a.C.), cujos fragmentos relatam que os seres humanos formam os seus vários deuses às suas diferentes imagens. Os etíopes, por exemplo, fazem os seus deuses negros, ao passo que os trácios lhes dão cabelo vermelho. Muito depois, Espinosa e Hume, a que Tylor atribui a formação da opinião moderna sobre a religião, anteciparam melhor Tylor ao escrever que a religião popular, pelo menos, consiste em atribuir características humanas ao mundo inumano, para interpretar o que nos rodeia e que de outro modo seria enigmático.
Tylor acrescentou a estas idéias mais antigas uma ênfase na evolução cultural que, combinada com um comparativismo mais abrangente, reforçou a perspectiva naturalista da religião como mais um produto da atividade mental humana. Como comparativista, baseou-se sistematicamente nos relatos de viajantes, administradores, missionários e primeiros etnógrafos para ter descrições de crenças e práticas por todo o mundo, para encontrar um denominador comum das religiões. Via as diferenças culturais, incluindo religiosas, como um reflexo não da genética mas de formas de sociedade, dado que uma "unidade psíquica" de processos mentais comuns existe em todos os seres humanos. Estas ênfases tornaram-se parte do cânone antropológico.
Tylor concluiu que a religião se pode definir como animismo, uma crença em seres espirituais, e que esta crença emerge universalmente de duas experiências: sonhos e a morte de outras pessoas. Os sonhos são interpretados em todo o lado, afirmou, como visitas do que é objeto do sonho (Tylor chamou "fantasma" ao visitante). A morte, em contraste, é em quase todo o lado concebida como a partida de algo (a "vida"). O fantasma e a vida são então concebidos como uma só coisa, o "espírito". Isto é uma imagem humana diáfana e insubstancial, sendo por natureza um gênero de vapor, película ou sombra; a causa da vida e do pensamento no indivíduo que anima; possuindo independentemente a consciência pessoal e a volição do seu dono corpóreo, do passado ou do presente; capaz de deixar o corpo para trás, de fulgurar subitamente de lugar para lugar; sendo na sua maior parte impalpável e invisível, manifesta contudo também poder físico, aparecendo especialmente aos homens, acordados ou a dormir, como um fantasma.
(continua...)
*Stewart E. Guthrie
A teoria da segurança social tem sido a abordagem principal na antropologia desde a fundação desta última nos finais do séc. XIX. É uma forma de funcionalismo, dado explicar a religião pelo incutir nominal de fidelidade a uma sociedade. A religião consegue-o por meios simbólicos, usando roupas especiais, arquitetura, canto, dança e fórmulas verbais para aumentar sentimentos comunais. Na verdade, chama-se por vezes simbolismo à teoria da solidariedade social, querendo dizer que sustenta que a religião é uma atividade inteiramente simbólica que não se envolve com o mundo como um todo (como os seus executantes ou observadores poderiam pensar), mas apenas com as relações sociais humanas. Os seus símbolos podem estar ocultos e ser apreendidos apenas inconscientemente.
Que o simbolismo religioso unifica a sociedade não é uma idéia nova. Na Ásia oriental, por exemplo, o uso da religião pelo estado remonta pelo menos a 1027 a.C., quando a nova dinastia Chou citou a sua conquista dos povos subjugados como um sinal de que tinha recebido o mandato do Céu. As dinastias posteriores continuaram a fazer a mesma afirmação. Além disso, integraram Confúcio como uma figura quase religiosa que apoiava o estado, como fizeram os governos do Japão e da Coréia. No Japão tanto o culto de Shinto como o dos antepassados servia a unidade nacional. No ocidente ocorreu o mesmo: a perspectiva (e uso) da religião como forma de solidariedade social surgiu cedo e tem persistido. Começando pelo menos com Políbio, no séc. I a.C., e seguido por Bodin, Vico, Comte e Freud, entre outros, e mais recentemente Wilson e Roes e Raymond, muitos estudiosos sustentaram que a religião mantém a ordem social.
A teoria da coesão social, contudo, deve muito a Durkheim, que procurava saber como as sociedades mantêm a coesão. Afirmou que o conseguem em grande medida por meio da religião, que inclui crenças e práticas que são "relativas às coisas sagradas" e que organizam os seguidores em grupos de solidariedade. As coisas sagradas não têm de incluir deuses (o budismo, escreve Durkheim, é uma religião sem deuses): são seja o que for que represente os elementos essenciais da sociedade. As coisas profanas, pelo contrário, constituem uma categoria residual de tudo o que não é sagrado. A distinção feita pela religião entre o sagrado e o profano é o seu sinal característico.
Baseando-se em etnógrafos da religião aborígene australiana, Durkheim concluiu que o objeto principal de culto dos membros dos clãs australianos, o "totem," representa na verdade o próprio clã, e que é o clã que é sagrado. O mesmo princípio se aplica nas sociedades modernas complexas. O objeto explícito de culto, seja um totem, uma bandeira ou Deus, representa tudo o que é vital e portanto sagrado na sociedade. Ao formular e exprimir o sentimento de dependência mútua dos membros de uma sociedade, sentimento que de outro modo é apenas esporádico, a religião consolida-o e aumenta-o. Isto ajuda a fazer os membros comportar-se eticamente relativamente aos seus semelhantes e arregimenta-os em defesa da sociedade.
A teoria da solidariedade social tem vários pontos fortes, sobretudo o fato de as religiões parecerem muitas vezes ter produzido solidariedade e de os líderes de várias sociedades terem usado esta capacidade. Contudo, a teoria tem também pontos fracos. A tese de Durkheim de que a característica central da religião é a sua dicotomia entre sagrado e profano, por exemplo, foi imediatamente alvo de objeções de etnógrafos que relataram que nas culturas que estudaram não encontraram tal distinção.
Outro problema é que se a tese de que as religiões unem as sociedades é mais do que a tautologia de que as religiões unem os seus membros, então é preciso mostrar que as religiões emergem de grupos que têm outra base qualquer, que depois a religião fortalece. Mas na verdade há muitos tipos de grupos — famílias, aldeias, comunidades étnicas, estados — que a religião divide em vez de unir. Um corolário é que ao passo que os grupos sociais são alegadamente preservados pela religião, muitos têm ao invés sido destruídos por ela. Exemplos disso são os T'ai-p'ing Tao da China do séc. II a.C. e o Templo do Povo de Jonestown.
Por fim, é preciso responder a um problema de todo o funcionalismo: por que se adota a característica em causa (a religião) no sistema em causa (uma sociedade) que dela beneficia? Os funcionalistas ignoram muitas vezes esta questão ou parecem tacitamente sancionar algo como uma explicação darwinista: as sociedades com um dado traço têm mais sucesso e portanto sobrevivem mais ou espalham-se mais. O traço sobrevive com elas.
A questão mais básica de como surgem os traços também é habitualmente ignorada. Pode-se conjecturar que surgem apesar de adequada para descrever mutações, é uma explicação empobrecida da origem de uma cultura aleatoriamente, seguindo o modelo da mutação genética. A aleatoriedade, contudo, sabe-se demasiado sobre os processos mentais humanos para os entregar ao acaso cego.
Além disso, os traços culturais, ao contrário dos genéticos, não são transmitidos biologicamente, tendo de ser aprendidos e muitas vezes também ativamente ensinados. Logo, levanta-se a pergunta: o que motiva as pessoas a ensinar ou a aprender doutrinas ou comportamentos particulares? Esta pergunta torna-se mais aguda pelo fato de as pessoas que o fazem parecerem muitas vezes não estar cientes dos benefícios sociais atribuídos pelo observador. No caso da religião, por exemplo, poucas pessoas afirmam que rezam porque isso torna a sociedade mais coesa.
O fato de o funcionalismo vis-à-vis a religião (e a outras características das sociedades e dos organismos) persistir deve-se, talvez, não à sua plausibilidade sob análise mas por exercer uma certa atração intuitiva mas enganadora. A atração é que o funcionalismo zomba da propensão humana, do que nos apercebemos pelo menos desde Hume e que foi pormenorizada experimentalmente por Kelemen, para encontrar desígnio e propósito no mundo em geral. Esta propensão, mostra Kelemen, emerge espontaneamente nas crianças desde muito novas ("as nuvens existem para haver chuva") e permanece poderosa durante toda a vida. Kelemen mostra que esta tendência assume prontamente uma forma religiosa. Alguns religiosos atuais particularmente fervorosos, por exemplo, crêem ver um "desígnio inteligente" que rivaliza o evolucionismo como explicação científica da biologia. Contudo, esta crença parece revelar mais sobre as suscetibilidades perceptivas humanas do que sobre a biologia.
Assim, a teoria da coesão social de Durkheim e de outros não parece resistir às objeções a um conceito nuclear (a distinção sagrado-profano), aos contra-exemplos nos quais a religião não é um fator de coesão mas de dispersão, e por fim não consegue fornecer uma dinâmica credível da gênese e transmissão da religião. Apesar de a religião muitas vezes unir os grupos e poder ser deliberadamente usada para esse propósito, não é por essa razão que as pessoas a adotam. Além disso, a religião também separa muitas vezes os grupos.
Há uma segunda coleção de teorias pode-se chamar a abordagem do sonhar alto. Segundo estas teorias, a religião serve de paliativo para a ansiedade e descontentamento humanos, imaginando uma condição mais satisfatória, seja no presente, seja no futuro. Ao postular um mundo no qual podemos melhorar-nos apelando a deuses, ou no qual o sofrimento da vida será compensado por uma vida melhor no porvir, a religião torna a vida suportável.
Estas teorias têm também uma linhagem antiga. Vários autores têm observado que a religiosidade está correlacionada com a ansiedade, pelo menos desde a observação de Eurípides de que a tensão nos conduz, devido à "nossa ignorância e incerteza," a prestar culto aos deuses. Analogamente, Diodoro Sículo escreveu que o desastre nos disciplina, fazendo-nos ter "reverência pelos deuses". Espinosa, Feuerbach, Marx, e os antropólogos do séc. XX Malinowski e Kluckhohn fizeram observações comparáveis.
O defensor da teoria do sonhar alto mais amplamente lido, contudo, é sem dúvida Freud. Antropólogos que seguem Freud incluem Kardiner e Linton, Spiro, Wallace e La Barre.
(...)
Para Freud, as religiões são delusões, "nascidas da necessidade de o homem tornar o seu desamparo tolerável" e são "ilusões, realizações dos desejos mais antigos, fortes e urgentes da humanidade". As suas características particulares são "projeções" de emoções e experiências.
A noção de projeção, contudo, é uma metáfora enganadora, provavelmente baseada numa teoria popular da visão como toque. Entre outros problemas, implica que há dois tipos de percepção: projeção, que é subjetiva e falaciosa, e percepção improjetiva, que é objetiva e precisa. Esta implicação é contradita pelo fato de toda a percepção refletir os interesses do agente perceptivo, não havendo um ponto de vista neutro.
Muitas religiões, além disso, não se adequam bem a qualquer teoria da realização dos desejos por terem características que é improvável que alguém deseje. As divindades de algumas são cruéis ou coléricas, e têm muitas vezes como complemento demônios ou fantasmas assustadores. Noutras, a vida depois da morte ou não existe ou é efêmera, ou é um Hades ou outro lugar desagradável. Tais religiões podem ser tão ameaçadoras quanto promissoras. Como um antropólogo comentou, poder-se-ia igualmente sustentar que as religiões provocam "medos e ansiedades que de outro modo não existiriam."
Mesmo que no cômputo geral as idéias religiosas pendam para o conforto e não para a aflição, seria necessário explicar o que as torna credíveis. Não parece que acreditamos simplesmente no que nos poderia confortar. Como Pinker faz notar, opondo-se à teoria do conforto, as pessoas que estão a morrer de frio não parecem confortar-se a si mesmas com o pensamento de que na verdade estão quentes.
Ao terceiro grupo de teorias chama-se intelectualismo, cognitivismo ou (por vezes) neo-tylorianismo. Estas defendem que a religião é primariamente uma tentativa de entender o mundo e de agir de acordo com esse entendimento. Uma dessas teorias, a de Tylor, era a mais importante das primeiras teorias antropológicas da religião. Tylor, que é um humanista clássico, evolucionista e comparativo, descreve a religião como uma tentativa universal de explicar certas experiências humanas enigmáticas.
A teoria de Tylor, como acontece com as teorias anteriores da solidariedade social e do sonhar alto, tem predecessores. O seu comparativismo e aparentemente o seu humanismo recuam a Xenófanes (séc. VI a.C.), cujos fragmentos relatam que os seres humanos formam os seus vários deuses às suas diferentes imagens. Os etíopes, por exemplo, fazem os seus deuses negros, ao passo que os trácios lhes dão cabelo vermelho. Muito depois, Espinosa e Hume, a que Tylor atribui a formação da opinião moderna sobre a religião, anteciparam melhor Tylor ao escrever que a religião popular, pelo menos, consiste em atribuir características humanas ao mundo inumano, para interpretar o que nos rodeia e que de outro modo seria enigmático.
Tylor acrescentou a estas idéias mais antigas uma ênfase na evolução cultural que, combinada com um comparativismo mais abrangente, reforçou a perspectiva naturalista da religião como mais um produto da atividade mental humana. Como comparativista, baseou-se sistematicamente nos relatos de viajantes, administradores, missionários e primeiros etnógrafos para ter descrições de crenças e práticas por todo o mundo, para encontrar um denominador comum das religiões. Via as diferenças culturais, incluindo religiosas, como um reflexo não da genética mas de formas de sociedade, dado que uma "unidade psíquica" de processos mentais comuns existe em todos os seres humanos. Estas ênfases tornaram-se parte do cânone antropológico.
Tylor concluiu que a religião se pode definir como animismo, uma crença em seres espirituais, e que esta crença emerge universalmente de duas experiências: sonhos e a morte de outras pessoas. Os sonhos são interpretados em todo o lado, afirmou, como visitas do que é objeto do sonho (Tylor chamou "fantasma" ao visitante). A morte, em contraste, é em quase todo o lado concebida como a partida de algo (a "vida"). O fantasma e a vida são então concebidos como uma só coisa, o "espírito". Isto é uma imagem humana diáfana e insubstancial, sendo por natureza um gênero de vapor, película ou sombra; a causa da vida e do pensamento no indivíduo que anima; possuindo independentemente a consciência pessoal e a volição do seu dono corpóreo, do passado ou do presente; capaz de deixar o corpo para trás, de fulgurar subitamente de lugar para lugar; sendo na sua maior parte impalpável e invisível, manifesta contudo também poder físico, aparecendo especialmente aos homens, acordados ou a dormir, como um fantasma.
(continua...)
Um comentário:
Amigas ??????????????? :s
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