sábado, 13 de novembro de 2010

Parábola do Inferno

(Em quase todas as culturas o arquétipo do demônio
e seus afins, está identificado com o movimento.
É ele, segundo o vulgo, quem faz o mundo acontecer primariamente.
Uma parábola do inferno pode ser o relato possível daquilo
que é apreendido numa viagem a reinos obscuros da
mente com a intenção de saber como tudo inicia...)

Ele começou a convencer-se da condição de alter-ego, sempre que algo não agradava a consciência oficial, aquele ser era compulsivamente evocada. Tais chamamentos por parte do consciente externo não foram raros, o vigilante puro embora entregue, havia desenvolvido uma sem conta de fantasias para deixar-se ao mundo. Ele precisava de quantos escudos pudesse reunir. Nosso personagem original não se queixava dessa concorrência que o fazia se manifestar um tanto quanto sazonalmente, uma vez que, deixado a mercê de sua vontade, tinha mais tempo para si mesmo. Embora não haja meditação suficiente a sanar a impressão de um corpo amputado, ele pensava. Quando aqui chegou, os efeitos de seu parto nesse mundo, ecoaram parecidos com um madeireiro a serrar galhos de planta condenada. Viver na mente de outrem seria um exílio?

A bendita sensação de distância, a maldita certeza de estar incompleto. No momento em que os portais dessa realidade se abriram, uma das condições exigidas foi a de que algo ficasse para trás. A totalidade do ser não obteve espaço suficiente na limitação débil do veículo a ele entregue. Era possível que o não-viver como incriado em alguma medida fosse mais grato que o viver como produto dum delírio. Pretendia-se lá e tão somente, algures de qualquer mataborrão de possibilidades. Agora que lhe deram o desejo do caminho, cortaram-lhe as pernas com uma lâmina cega. Ele poderia ter sido um ser humano digno, caso não fosse produto de pensamentos esparsos. O acaso é tudo! Um alter-ego é uma derivação ordinária do eu, não há um princípio divino em nada. Ele agora tem a impressão de ser feito da mesma substância que os sonhos. Sendo assim, com efeito, seu criador é também sonho?

Um homem projeta um mundo onde grassam animais por toda a parte, um animal projeta uma natureza repleta de espécies vegetais, um desses arbustos por sua vez, projeta um céu de chuva a nutrir a terra e essa água é a seus olhos a maior divindade que se pode conceber. Esses mundos embora hipotéticos, existem em alguma medida. Assim, tudo é ficção, o homem é um engenho vazio do da ânsia por si mesma. Criar dimensões é um álibi daqueles que se negam a testemunhar o nada inalterado. Ele saiu à rua com grandes expectativas, mas lá chegando, enfim deu por si... Da mesma forma que com as ruas onde nunca se caminhou e o homem do qual nunca se teve notícias, todo bem é hipotético. Você precisa morrer para viver de uma forma mais plena, sem desejo ou meta pode ser que as coisas se realizem, porque tudo é vazio em si.

Ele é deveras um alter-ego. Todavia, que mais se pode ser quando a impressão de não se guiar pela própria vontade é ininterrupta? O demônio nos daria abrigo do sol e uma bela roupa pra dançar, poderia ser, se acaso existisse de fato. Buscar a culpa na treva exterior é uma tentativa inútil de expurgar a própria escuridão. Deus só fez sentido algum dia por que a fé precisou ser testada, e de todas as invenções ele terminou por ser uma das mais impuras. Maldito seja quem nos transformou em fração do divino. Crer numa origem é uma das seduções mais infames. E você se sente elevado, e se sente pleno. O homem é o único animal da natureza que num projeto de busca do bem, usurpa e agride tudo quanto há de valoroso em seu semelhante. A raça humana é antes de mais qualquer coisa, filha da ganância e da dissimulação. Isso de fato poderia ter sentido, não fosse só um pensamento a me ocorrer enquanto escrevo.

E o homem que é não-homem, permanece latente, à espreita de um vacilo da consciência oficial. Será que nos tornamos algo quando aquilo que nos concebeu se pôs a dormir? Os religiosos provavelmente adorariam isso, mas o que é a vida senão um acidente da matéria. Onde estão os desígnios além de na cabeça de fanáticos que passam o tempo a imitar cruzados do medievo e de candidatos a homens bomba... A consciência é um cadáver, muitas vezes putrefato, que foi cuidadosamente acondicionado em cada uma de nossas costas. Ela pesa, porém abriga. Mas a que preço? Você vai morrer e sua contribuição mais alta será a de matéria orgânica decomposta para a manutenção de alguma colônia de vermes. Não é possível viver grandiosamente a não ser quando se convence que a vida é uma piada de quinta.
*Leandro M. de Oliveira

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