segunda-feira, 17 de maio de 2010

Das impossibilidades do desejo

Voltando à temática do desejo e do ímpeto “amoroso”, façamos uma pequena reflexão acerca das impossibilidades de um projeto de amor que se coloque inalterado através do tempo. O que se conclui é mesmo que não existe em verdade um estado paralítico de desejo (impulso amoroso) constante, o que se sofre são flashes, mais ou menos duradouros de acordo com circunstâncias, pessoas envolvidas e o que elas carregam de repressão e fetiche por exemplo. Essa virulência da paixão, o querer em estado bruto, não diz respeito exatamente ao outro mas, a si mesmo. O que se deseja não é a companhia, antes estar desejando. O ser humano é rebelde em essência, objetiva sempre o que não está ao alcance imediato. Não consegue se aprazer na imanência de sua vida, precisa transcender a todo instante, encontrar fora a justificativa para o que existe dentro. Essa necessidade para o além há de explicar em boa parte os que traem mesmo “amando”, ou melhor, os que buscam uma jornada conjunta por serem conscientes de que determinada relação é positiva para um determinado projeto de vida.

Fato é que a melancolia é uma constante dos que “amam” sem medidas. Faz-se ao mesmo tempo negação em face à instantaneidade do amor e sentimento de derrota ou impotência diante dessa natureza efêmera. O ser amada sempre nos escapa, como nós mesmos dela escapamos do seu domínio, já que é um fardo ser objeto exclusivo do amor de uma pessoa, sufoca e oprime.O amor erotizado sobre todos os outros é deveras um lampejo fugidio não sendo isso exatamente algo triste ou ruim, tem haver apenas com a desse momento natureza.

É preciso ter cuidado com o que se deseja, o fardo do vencedor não é leve. Uma vez tendo conseguido tudo o que se quis já não existe mais um álibi, já não é mais possível se queixar: “a vida me traiu”, “por que não eu?”... E o homem que nada sabe de gerir o próprio triunfo se torna tirano, e passa a outro objeto de desejo fazendo perecer o anterior e se puder a esse também na busca de novas empresas. E tempos mais tarde fatalmente é atacado de saudosismo idealizando que aquilo que ficou pra trás era o melhor que havia, ora, se assim o fosse, as coisas teriam se processado de outra maneira. Mas esse estado de melancolia constante é de extrema importância, principalmente numa sociedade como a ocidental-cristã onde se aprende que o martírio é o passaporte da sublimação, da imortalidade. Do homem é exigido o coração de uma galinha mesmo tendo nascido com os olhos de uma águia. Todavia, como já dito, a melancolia tem uma fase positiva, Jacques Lacan o grande reformador da obra freudiana considerava a angústia, geralmente uma filha do melancolismo como a única fonte da criação.

Muitos acreditam que o motivo das mulheres chorarem quando têm um orgasmo com o objeto amoroso, é que nesse esse exato momento ocorre uma condensação física e psicológica de toda busca amorosa. Assim é ao mesmo tempo a sensação de vitória e derrota, como se a busca não apresentasse mais surpresas, como se tudo já tivesse sido revelado... Então, depois daquele momento silencioso e iluminado, as pessoas voltam às próprias sombras, desestruturadas e despedaçadas à espreita de um novo lampejo do que pode ser a relação amorosa, é preciso novamente buscar o além. Falta a percepção capital de que na verdade todo o desejo é um fim em si mesmo, o vazio tende a nos deixar mais alertas.

A esse pensamento, some-se o da necessidade imanente que se impõe ao homem de transcender e pense o quanto é realmente produtivo. Dante não teria conseguido sem sua Beatrice, e quantos outros pintores, músicos e poetas nunca teriam despertado sem uma madona inatingível. Talvez a beleza seja forjada do sofrimento, talvez seja preciso estar privado de tudo pra saber o quanto vale cada pequena coisa. E quando se conquista já não há mais valor, porque se torna lugar comum, e ca estamos miseráveis e perdidos, bem-aventurados e altaneiros. Mas se essa conexão com o inatingível for cortada, voltaremos à condição ideal do ego animal, iguais, previsíveis e biológicos. O que é por excelência humano em cada homem é a faculdade de ser um mundo em si mesmo.

Voltando à questão mais importante, do desejo enquanto projeção. Deixamos por fim um pequeno trecho de Lacan, onde o autor comenta essa relação de eterna fome e eterno recomeço que existe em nós. Talvez a história do homem seja a história de seus desencontros com o que realmente lhe é caro.

“O que foi que tentei fazer entender com o estádio do espelho? Que aquilo que existe no homem de desvinculado, de despedaçado, de anárquico, estabelece sua relação com suas percepções no plano de uma tensão totalmente original. É a imagem de seu corpo que é o princípio de toda unidade que ele percebe nos objetos. Ora, desta própria imagem ele só percebe a unidade do lado de fora e de maneira antecipada. Devido a esta relação dupla que tem consigo mesmo, é sempre ao redor da sombra errante do seu próprio eu que vão se estruturando todos os objetos do seu mundo. Terão todos um caráter antropomórfico, podemos até dizer egomórfico.

É nesta percepção que é evocada para o homem, a todo instante, sua unidade ideal, que como tal nunca é atingida e que a todo instante lhe escapa. O objeto, para ele, nunca é definitivamente o derradeiro objeto, a não ser em certas experiências excepcionais. Mas este se apresenta, então como um objeto do qual o homem está irremediavelmente separado, e que lhe mostra a figura mesma de sua deiscência dentro do mundo – objeto que por essência o destrói, o angustia, que não pode alcançar, no qual não pode verdadeiramente encontrar sua reconciliação, sua aderência no mundo, sua complementaridade perfeita no plano do desejo.

O desejo tem um caráter radicalmente rasgado. A própria imagem do homem fornece uma mediação, sempre imaginária, sempre problemática que não se acha, pois nunca é completamente efetivada. Ela se mantém através de uma sucessão de experiência instantâneas, e esta experiência ou bem aliena o homem de si próprio ou bem vai dar numa destruição numa negação do objeto (…)”
*Leandro M. de Oliveira
**Jacques Lacan

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