A palavra “idéia” ou “eidos” quer dizer figura, aspecto: em suma, aquilo que se vê. Também é traduzida, em certos contextos, por forma; assim, em Aristóteles aparece como sinônimo de morphé, e por outro lado equivale nele a espécie. (Em latim, species tem a mesma raiz que o verbo spicio, ver ou olhar; entre as significações de species encontramos também a de beleza ou formosura, e equivale, portanto, a forma, de onde vem formosus.) Idéia é o que vejo quando vejo algo. Quando vejo um homem, vejo-o propriamente – isto é, vejo-o como homem – porque já tenho de antemão a idéia de homem, porque o vejo como participante dela; do mesmo modo, quando digo de um papel que não é totalmente branco, o que permite vê-lo como quase branco é a idéia de brancura.
Quando leio uma palavra escrita, vejo-a instantaneamente porque já possuo sua idéia; caso se trate de uma palavra de uma língua totalmente estranha e desconhecida, não a vejo diretamente e como tal, mas só como um agregado de letras – cujas idéias respectivas, em contrapartida, possuo; e se passo para um vocábulo escrito em caracteres que ignoro, a rigor não vejo as letras, nem poderia reproduzi-las sem uma prévia redução, mediante um exame detalhado, a formas de traços conhecidos. Um homem que não saiba o que é ler – não simplesmente que não saiba ler – não vê um livro porque carece de sua idéia. A idéia é, portanto, o pressuposto do conhecimento e da visão das coisas como tais. A descoberta das idéias já estava parcialmente preparada na filosofia anterior; recordemos primeiro a perspectiva, mediante a qual as homeomerias de Anaxágoras podiam adotar formas diversas variando sua posição; em segundo lugar, a definição socrática, que não diz o que é cada coisa concreta, mas todas as compreendidas nela; ou seja, a espécie. Mas há uma grande distância entre esses antecedentes e a doutrina platônica.
O ser verdadeiro, que a filosofia vinha buscando desde Parmênides, não está nas coisas, mas fora delas: nas idéias. Estas são, portanto, entes metafísicos que encerram o verdadeiro ser das coisas; são o que é autenticamente. As idéias têm os atributos exigidos tradicionalmente do ente e que as coisas sensíveis não podem possuir: são unas, imutáveis, eternas; não têm mescla de não-ser; não estão sujeitas ao movimento nem à corrupção; são de modo absoluto e sem restrições. O ser das coisas, esse ser subordinado e deficiente, baseia-se no das idéias de que as coisas participam. Platão inicia a cisão da realidade em dois mundos: o das coisas sensíveis, que fica desqualificado, e o das idéias, que é o verdadeiro e pleno ser.
Vemos, pois, a necessidade da idéia: 1º Para que eu possa conhecer as coisas como o que são. 2º Para que as coisas, que são e não são – ou seja, não são de verdade -, possam ser. 3º Para explicar como é possível que as coisas cheguem a ser e deixem de ser – em geral, movam-se ou mudem -, sem que isso contradiga os predicados tradicionais do ente. 4º Para tornar compatível a unidade do ente com a multiplicidade das coisas.
*Juliám Marias
Quando leio uma palavra escrita, vejo-a instantaneamente porque já possuo sua idéia; caso se trate de uma palavra de uma língua totalmente estranha e desconhecida, não a vejo diretamente e como tal, mas só como um agregado de letras – cujas idéias respectivas, em contrapartida, possuo; e se passo para um vocábulo escrito em caracteres que ignoro, a rigor não vejo as letras, nem poderia reproduzi-las sem uma prévia redução, mediante um exame detalhado, a formas de traços conhecidos. Um homem que não saiba o que é ler – não simplesmente que não saiba ler – não vê um livro porque carece de sua idéia. A idéia é, portanto, o pressuposto do conhecimento e da visão das coisas como tais. A descoberta das idéias já estava parcialmente preparada na filosofia anterior; recordemos primeiro a perspectiva, mediante a qual as homeomerias de Anaxágoras podiam adotar formas diversas variando sua posição; em segundo lugar, a definição socrática, que não diz o que é cada coisa concreta, mas todas as compreendidas nela; ou seja, a espécie. Mas há uma grande distância entre esses antecedentes e a doutrina platônica.
O ser verdadeiro, que a filosofia vinha buscando desde Parmênides, não está nas coisas, mas fora delas: nas idéias. Estas são, portanto, entes metafísicos que encerram o verdadeiro ser das coisas; são o que é autenticamente. As idéias têm os atributos exigidos tradicionalmente do ente e que as coisas sensíveis não podem possuir: são unas, imutáveis, eternas; não têm mescla de não-ser; não estão sujeitas ao movimento nem à corrupção; são de modo absoluto e sem restrições. O ser das coisas, esse ser subordinado e deficiente, baseia-se no das idéias de que as coisas participam. Platão inicia a cisão da realidade em dois mundos: o das coisas sensíveis, que fica desqualificado, e o das idéias, que é o verdadeiro e pleno ser.
Vemos, pois, a necessidade da idéia: 1º Para que eu possa conhecer as coisas como o que são. 2º Para que as coisas, que são e não são – ou seja, não são de verdade -, possam ser. 3º Para explicar como é possível que as coisas cheguem a ser e deixem de ser – em geral, movam-se ou mudem -, sem que isso contradiga os predicados tradicionais do ente. 4º Para tornar compatível a unidade do ente com a multiplicidade das coisas.
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