segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

A produção de um ponto moral é uma afirmação política?

Se eu fundamentar minha moral em minha religião, vocês contestarão minha religião em nome de outra religião ou da irreligião (se forem agnósticos ou ateus), e minha moral não passará de uma moral como as outras, de uma moral entre outras, uma moral particular. Só poderei dizer: esta é minha moral, vocês têm a sua, e eu a minha.

Se eu fundamentar minha moral em minha filosofia, vocês contestarão minha filosofia em nome de outra filosofia ou da não filosofia, e minha moral não passará de uma moral entre outras, sem nenhum direito de se impor.

Se vocês contestarem a necessidade de fundamentar a moral, porque todos já dispõem de uma, acreditarei decerto que minha moral é a melhor, mas vocês acharão o mesmo da moral de vocês. Todas as morais terão igual direito de julgar o que é bom e o que não é. Então os assassinos de Buchenwald, Dachau, Auschwitz etc. estarão com a faca e o queijo na mão. Terem sido vencidos por uma força superior, mas da qual não será possível dizer que estava, mais do que qualquer outra, a serviço da verdade moral, terem sido vencidos, repito, será seu único erro.
Caso contrário, deve-se, em primeiro lugar, fundamentar a moral; em seguida, deve-se fundamentá-Ia não no particular — e uma religião ou uma filosofia sempre são particulares, porque existem outras –, mas no universal. O universal é o que deixa de lado todas as particularidades.

Deixar de lado o que nos separa ou nos distingue é o que é feito no diálogo, quando se escuta. Eu falo, você escuta; você fala, eu escuto. Operamos ambos a redução dialógica, colocando de lado nossas crenças, nossas opiniões, nossas tradições, nossas particularidades de todos os tipos para estarmos exclusivamente atentos ao verdadeiro e ao falso. Realizamos o universal vivo por nossa operação recíproca. O que acontece então? Cada qual pressupõe que o outro pode apreender a verdade que é a sua verdade, mesmo que para cada um deles esta seja apenas a do outro. Ou: cada qual, simplesmente para poder dirigir-se ao outro, falar-lhe, pressupõe o outro como capaz de verdade. Por esse motivo, cada qual pressupõe o outro como seu igual. A partir do momento em que os desiguais dos regimes baseados em privilégios se dirigissem um ao outro de uma maneira que não fosse para julgar, louvar ou criticar, ou comandar sem réplica, colocariam em perigo, pelo simples fato de serem dois seres humanos falando um com o outro apenas para dizer o verdadeiro e o falso, o próprio sistema que os estabelecia como desiguais. É por esse motivo que privilegiados e não privilegiados não dialogavam e muitas vezes não se falavam. Ora, dessa igualdade de todos os homens, implicada no simples fato de se poder travar uma conversa de fato, extrai-se toda a moral — aquela que, diferentemente das morais coletivas particulares, é a mesma para todos e contém todos os direitos e deveres universais do homem.

A moral baseia-se não nesta ou naquela crença, religião ou sistema, mas neste absoluto que é a relação do homem com o homem no diálogo. … A moral, não a ética. A "ética" de Espinosa supõe o sistema desse filósofo. É portanto uma ética particular, pois somos espinosistas ou não. O mesmo ocorre com a ética nietzschiana do super-homem, ou com a ética epicurista, ou com a estóica, ou com qualquer outra. A ética é a doutrina da sabedoria — mas, a cada vez, de uma sabedoria; e a sabedoria é a arte de viver a melhor vida possível. Como viver? Nosso juízo a esse respeito será este ou aquele conforme, por exemplo, concebamos a morte como um ponto final ou uma passagem. Acontece a mesma coisa com as filosofias e as religiões: elas são necessariamente múltiplas, e ninguém pode demonstrar a inexatidão das concepções que não partilha.

(...)

Criticou-se a filosofia de Heidegger por não conseguir fornecer nenhuma diretriz moral. Se nós mesmos, porém, não estivermos em condições de fundamentar uma moral universal, se permanecermos em uma moral de opinião — a nossa –, a ser confrontada com outras morais de opinião igualmente não fundamentadas, estaremos no mesmo ponto que ele: no niilismo moral; e um consenso qualquer sobre os "direitos do homem" nada muda com relação a isso. Quanto à ética, se a filosofia de Heidegger não propôs uma nova visão da vida, como explicar que tenha "repercutido profundamente no coração da juventude alemã”?! …
*Marcel Conche

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