sábado, 10 de outubro de 2009

Eu Nunca Guardei Rebanhos

Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.

Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.

Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.

Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.

Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.

E se desejo às vezes
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),

É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.

Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro,
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas idéias,
Ou olhando para as minhas idéias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende.

Saúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapéu largo
Quando me vêem à minha porta
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes sol,
E chuva, quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé duma janela aberta
Uma cadeira predileta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer cousa natural —
Por exemplo, a árvore antiga
À sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado.

*Fernando Pessoa, por AIberto Caeiro

3 comentários:

Mel. disse...

Alberto Caeiro é meu favorito! Obrigada por seu comentário e parabéns também por seu excelente blog e respectivo conteúdo!

Beijos, continue postando. =)

Ana Paula Sena disse...

Olá, Leandro :)

Magnífica e belíssima escolha!

Passo para agradecer as suas palavras, e para deixar um abraço amigo.

É um espaço muito bom, o seu Soturna Primavera.

emerson mansano disse...

Olá Leandro!

Adorei seu blog! temos muito em comum, do Chê ao Coringa de Heath Ledger, passando por Mercedes e os diversos escritores e poetas que citou.

Tenho um blog de artesanato dedicado mais às mulheres, mesmo sendo apaixonada por leitura. Ainda montarei um blog como esse, tão belo e tão diversificado qto!

Vc me proporcionou bons momentos de leitura por aqui... Fiquei um tempão!

Posso linkar teu blog?

Não vou de seguidora pq o meu blog abri na conta do meu irmão. Não tenho a senha, pedirei e depois vou te seguir.

Beijooooooo