Como escapar a esse olhar tenebroso que nos contamina com uma profunda tristeza? Esse olhar virado para dentro, o olhar do indivíduo mal configurado desde a sua origem, esse olhar que é um suspiro deixando entrever como esse homem fala a si próprio. "Gostava tanto de ser outro!", assim suspira esse olhar. "Mas não há esperança! Sou o que sou: como poderia eu ver-me livre de mim?" É neste terreno do autodesprezo, verdadeiro pântano, que cresce toda a espécie de ervas daninhas, toda a espécie de plantas venenosas, e tudo tão pequeno, tão escondido, tão vil, tão meloso. Aí fermentam os vermes dos sentimentos de vingança e de ressentimento; aí o ar fede a coisas secretas e inconfessáveis; aí é construída a teia da mais abominável conspiração, a conspiração dos sofredores contra os robustos e triunfantes; aí cultiva-se o ódio pelos triunfadores. E que falsidade, para não admitir que esse ódio é ódio! Que edifício de palavras grandiosas, que arte da calúnia "leal"! Que nobre grande eloqüência jorra dos lábios destes fracassados! Quanta submissão melíflua, viscosa, obsequiosa, flutua nos seus olhos! Que quer esta gente afinal? Querem ao menos representar a justiça, o amor, a sabedoria, a superioridade...Eis a ambição dessa gente "inferior", dessa gente doente! E que habilidade resulta dessa ambição! Admire-se nomeadamente a habilidade dos produtores de moeda falsa que imitam o cunho da virtude, com todo o pormenor, até no som, aquele tirintar aurífero da virtude.
*Friedrich Nietzsche in Genealogia da Moral
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
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