sexta-feira, 15 de outubro de 2010

O Imperador Filósofo

"Corpo, alma, inteligência. Pertencem ao corpo as sensações; à alma os instintos; à inteligência os princípios. Receber impressões do que se pode ver, disso até as bestiagas são capazes. Ser zarandeado como marionetas pelos instintos, são disso muito capazes as bestas-feras, os andróginos, os Fálaris e os Neros.

Tomar por guia a inteligência rumo ao que se apresenta como dever nosso também disso são capazes os que não respeitam os deuses¹, traem a pátria, cometem todas as torpezas à porta fechada. Se tudo o mais é comum aos seres de que falamos, privilégio do homem de bem é fazer acolhimento com alegria e amor ao que lhe sucede e vem entretecido na trama da sua vida; é de não deixar imiscuir-se nem perturbar no formigueiro das idéias o gênio que estabeleceu morada no seu íntimo; velar porque ele se mantenha sem agravo, obedeça, como é bem, a Deus, sem soprar palavra contrária à verdade, nem perpetrar ação contra a justiça.

Mesmo que os homens todos recusem acreditar que essa vida é reta, modesta e bem humorada, ele não está atrelado a ninguém e não se desvia uma polegada do caminho que leva ao termo da vida, termo a que nos cumpre chegar puros, calmos, livres de entraves e numa perfeita harmonia com o destino."


(Marco Aurélio)

Marco Aurélio, imperador de Roma, foi adepto e talvez o maior nome romano entre aqueles que la seguiram a doutrina estóica. De uma maneira geral, o estoicismo é uma corrente filosófica fundada por Zenão de Cítio em Atenas e que afirma que todo o universo é corpóreo e governado por um Logos divino. A alma está identificada com este princípio divino, como parte de um todo ao qual pertence. Este lógos (ou razão universal) ordena todas as coisas: tudo surge a partir dele e de acordo com ele, graças a ele o mundo é um kosmos (termo que em grego significa "harmonia").

O estóicos propunham viver de acordo com a lei racional da natureza, aconselhando a indiferença (apathea) em relação a tudo que é externo ao ser. O homem sábio obedece à lei natural reconhecendo-se como uma peça na grande ordem e propósito do universo, devendo assim manter a serenidade perante as tragédias e coisas boas.

A partir disso surgem duas conseqüências éticas: deve-se (viver conforme a natureza): sendo a natureza essencialmente o logos, essa máxima é prescrição para se viver de acordo com a razão.

Sendo a razão aquilo por meio do que o homem torna-se livre e feliz, o homem sábio não apreende o seu verdadeiro bem nos objetos externos, mas bem usando estes objetos através de uma sabedoria pela qual não se deixa escravizar pelas paixões e pelas coisas externas.


Estóico em última instância é aquele que revela fortaleza de ânimo e austeridade. Impassível; imperturbável; insensível. É o homem que se desapega da vida externa pra vivê-la numa dimensão mais profunda a partir do verdadeiro ser que fala pela razão.
*Marco Aurélio
**1 – entenda-se “Deuses” por faculdades da razão.

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