Ouviu-lhe estas palavras piedosasA fermosa Dione, e, comovida
Dentre as ninfas se vai, que saudosas
Ficaram desta súbita partida.
Já penetra as Estrelas luminosas,
Já na terceira Esfera recebida
Avante passa, e lá no Sexto céu,
Para onde estava o Padre, se moveu.
E como ia afrontada do caminho,
Tão fermosa no gesto se mostrava,
Que as Estrelas e o Céu e o Ar vizinho
E tudo quanto a via, namorava;
Dos olhos, onde faz seu filho o ninho,
Uns espíritos vivos inspirava,
Com que os Pólos gelados acendia,
E tornava do fogo a esfera fria.
E, por mais namorar o soberano
Padre, de quem foi sempre amada e cara,
Se lhe apresenta assim como ao Troiano
Na selva idéia já se apresentara.
Se a vira o caçador, que o vulto humano
Perdeu, vendo Diana na água clara,
Nunca os famintos galgos o mataram,
Que primeiro desejos o acabaram.
Os crespos fios de ouro se esparziam
Pelo colo, que a neve escurecia;
Andando, as lácteas tetas lhe tremiam,
Com quem Amor brincava e não se via,
Da alva petrina flamas lhe saíam,
Onde o Menino as almas acendia;
Pelas lisas colunas lhe trepavam
Desejos, que como hera se enrolavam.
C'um delgado cendal as partes cobre
De quem vergonha é natural reparo,
Porém nem tudo esconde nem descobre
O véu, dos roxos lírios pouco avaro;
Mas, para que o desejo acenda e dobre,
Lhe põe diante aquele objeto raro.
Já se sentem no Céu, por toda a parte,
Ciúmes em Vulcano, amor em Marte.

*Luís Vaz de Camões - 1572 Os Lusíadas, 2. 33-37

Nenhum comentário:
Postar um comentário