O argumento, tal como é apresentado, não é convincente. Não obstante ser certamente verdade que um homem não é livre se for constrangido ou compelido, não se segue de modo nenhum que ele não é livre apenas se for constrangido ou compelido. Para tornar isso plausível, teríamos de entender as palavras ‘constrangido’ e ‘compelido’ num sentido muito alargado. No sentido habitual das palavras, o cleptomaníaco não é constrangido ou compelido a roubar: ninguém move o seu corpo contra a sua vontade, ninguém lhe está a cravar uma faca ou o cano de uma pistola nas costas, ameaçando-o de morte se não fizer o que lhe é dito. Se dizemos, no entanto, que ele é constrangido a roubar por causa das suas neuroses ou traumas de infância, estamos a alargar o conceito e, neste sentido alargado, temos de admitir que, à luz de novas descobertas, todos os casos de tomadas de decisão humanas possam vir a ser casos de constrangimento ou coação. Se o compatibilista se remete ao sentido estrito de ‘constrangido’ e ‘compelido’, há contra-exemplos à elucidação que propõe sobre o real significado da liberdade; se ele procura abarcar esses contra-exemplos, dizendo que nestes casos os agentes estão, vistas bem as coisas, a agir sob alguma compulsão ou coação, então deixa de ter fundamentos para negar que possa vir a acontecer que todas as nossas ações sejam casos de compulsão ou coação. Nem pode fundamentar um argumento geral sobre a circunstância de termos a palavra ‘responsável’ e de a sabermos usar. Não há argumentos válidos da linguagem para a realidade. Temos o conceito de ‘disco voador’, mas daí não se segue que existam discos voadores.
*J. R. Lucas, Responsibility (Oxford, 1995, pp. 14, 15). Tradução de Carlos Marques. (Adaptado da edição portuguesa).
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