terça-feira, 14 de outubro de 2008

Alguma filosofia de Karl Popper (parte 1)


*por Fernando Lang da Silveira

AS EXPLICAÇÕES CIENTÍFICAS E A LÓGICA DEDUTIVA


Uma das tarefas da ciências é a explicação. Ao longo da história da prática da explicação, muitos métodos e tipos diferentes foram tidos como aceitáveis, mas todos eles têm algo em comum: “consistem todos de uma dedução lógica; uma dedução cuja conclusão é o explicandum - uma asserção da coisa a ser explicada”
(Popper, 1982, p. 321) e de um conjunto de premissas - o explicans - constituído por leis e condições específicas.
Qualquer explicação envolve no mínimo um enunciado universal (lei) que, combinada com as condições específicas, permite deduzir o que se deseja explicar. Apenas condições específicas não são suficientes para se produzir uma explicação. Por exemplo, se quisermos explicar o aumento da resistência elétrica de um fio de cobre pela elevação da temperatura, podemos supor um enunciado universal que afirma que os condutores metálicos possuem resistência variando com a temperatura.

Lei: a resistência elétrica dos condutores metálicos varia com a temperatura.

Condições específicas: a temperatura do fio de cobre variou de 20° C para 6° C.

Conclusão: a resistência elétrica deste fio de cobre variou. Obviamente que esta não é a única explicação possível. Outras explicações mais profundas e complexas recorreriam a leis e condições específicas sobre a estrutura da matéria, justificando o fenômeno macroscópico (a variação da resistência) a partir deste nível microscópico. Uma explicação desta ordem envolveria uma longa cadeia dedutiva para finalmente atingir o explicandum. O importante na presente discussão é o aspecto dedutivo das explicações e a necessidade de se recorrer a no mínimo uma lei e às condições específicas.
 
Outras tarefas das ciências, como a derivação de predições e aplicações técnicas, também “podem ser analisadas por meio de esquema lógico que apresentamos para analisar a explicação” (Popper, 1982, p. 324).
A derivação de predições parte do suposto conhecimento das leis e das condições específicas, obtendose algo que ainda não foi observado. Nas aplicações técnicas são especificados os resultados a serem obtidos, como, por exemplo, a construção de uma ponte, e são admitidas certas leis e teorias relevantes. O que se procura então são condições específicas que possam ser tecnicamente realizadas. A lógica dedutiva desempenha um papel de grande importância no conhecimento científico. Segundo Popper, ela é:

– transmissora da verdade.
– retransmissora da falsidade.
– não-retransmissora da verdade.

Ela transmite a verdade do explicans para o explicandum, ou seja, sendo verdadeiras as leis e ascondições específicas, será necessariamente verdadeira a conclusão. Ela retransmite a falsidade do explicandum para o explicans, ou seja, se a conclusão é falsa, então uma ou mais premissas são falsas. Ela não retransmite a verdade do explicandum para o explicans, ou seja, sendo a conclusão verdadeira, poderá ser parcialmente ou totalmente falso o explicans. Em outras palavras, de premissas falsas é possível se obter conclusões verdadeiras. Essas três propriedades da lógica dedutiva podem ser exemplificadas através do raciocínio dedutivo abaixo:

Primeira premissa: todos os A são B.
Segunda premissa: X é A.
Conclusão: X é B.
A transmissão da verdade das premissas para a conclusão ocorre no seguinte exemplo onde as premissas são verdadeiras:
Primeira premissa: todos os metais são condutores elétricos.
Segunda premissa: o cobre é metal.
Conclusão: o cobre é condutor elétrico.
A retransmissão da falsidade da conclusão para as premissas ocorre no seguinte exemplo onde a conclusão é falsa porque a segunda premissa é falsa:
Primeira premissa: todos os metais são condutores elétricos.
Segunda premissa: o vidro é metal.
Conclusão: o vidro é condutor elétrico.
A não-retransmissão da verdade da conclusão para as premissas ocorre no seguinte exemplo Onde a primeira premissa e a conclusão são verdadeiras e a segunda premissa é falsa:
Primeira premissa: todos os metais são condutores.
Segunda premissa: o carvão é metal.
Conclusão: o carvão é condutor elétrico. A estrutura dedutiva das explicações científicas e as propriedades da lógica dedutiva são importantes para a filosofia da ciência de Popper, em especial no método crítico exposto mais adiante.


O PROBLEMA DA INDUÇÃO.


Um dos problemas da filosofia da ciência investigado por Popper é o chamado “problema da indução”. Acreditavam os indutivistas ser possível justificar logicamente a obtenção das leis, das teorias científicas a partir dos fatos; poder-se-ia, utilizando a lógica indutiva, chegar às leis universais, às teorias científicas.
"É comum dizer-se “indutiva” uma inferência, caso ela conduza de enunciados singulares (...), tais como descrições dos resultados de observações ou experimentos, para enunciados universais, tais como hipóteses ou teorias. Ora, está longe de ser óbvio de um ponto de vista lógico, haver justificativa no inferir enunciados universais de enunciados singulares, independentemente de quão numerosos sejam estes; com efeito, qualquer conclusão colhida desse modo sempre pode revelar-se falsa; independentemente de quantos cisnes brancos possamos observar, isso não justifica a conclusão de que todos os cisnes são brancos" (Popper, 1985, p. 27/28).

O problema da indução também pode ser formulado de outra maneira: há leis universais certamente verdadeiras ou provavelmente verdadeiras? É possível se justificar a alegação de que uma teoria é verdadeira ou provavelmente verdadeira a partir de resultados experimentais ou de observações?

Aqui também a resposta de Popper é negativa. Não importa quantas asserções de teste (resultados experimentais ou de observações) se tenha, não é possível justificar a verdade de uma teoria, pois a lógica dedutiva não retransmite a verdade. O confronto da teoria com as asserções de teste nunca é direta; há necessidade de se combinar as leis universais com condições específicas e derivar dedutivamente hipóteses ou conclusões com baixo nível de generalidade. Estas podem em princípio ser confrontadas com os fatos. Se os fatos apoiarem as conclusões, se as conclusões forem dadas como verdadeiras, não há retransmissão da verdade para as hipóteses com alto nível de generalidade (as leis universais). Não importando quantas “confirmações” de uma teoria tenham sido obtidas, é sempre logicamente possível que no futuro se derive uma conclusão que não venha a ser confirmada. Conforme o exposto na secção anterior, é possível de premissas falsas se obter conclusões verdadeiras. Outra razão contra a existência da lógica indutiva está em que um conjunto de fatos sempre é compatível com mais de uma generalização (rigorosamente com um número infinito de generalizações).

Por exemplo, se todos os cisnes até hoje observados são brancos, algumas possíveis generalizações são as seguintes:

– Todos os cisnes são brancos.

– Todos os cisnes são brancos ou negros.

– Todos os cisnes são brancos ou vermelhos ou azuis.

Qualquer enunciado que afirma o observado e um pouco mais (ou muito mais) será compatível com as observações ocorridas. Estes aspectos lógicos que contraditam a existência da lógica indutiva serão complementados nas secções seguintes com outros que se apoiam na história da ciência. A história da ciência mostra exemplos que teorias que passaram a corrigir os fatos que pretensamente teriam servido como “base indutiva” das mesmas (a mecânica newtoniana assim o fez). Além disso, há exemplos de teorias científicas que se originaram não em fatos mas em teorias metafísicas (é o caso da teoria copernicana). Tendo Popper negado a possibilidade de uma solução positiva ao problema da indução, parte então para uma resposta à questão do método das ciências empíricas (física, química, biologia, psicologia, sociologia, etc.).

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