segunda-feira, 19 de abril de 2010

Relativismo radical, a crítica de Dawkins

Muitas vezes pensamos que é inteligente dizer que a ciência não é mais do que nosso mito de origem moderno. Os judeus tinham Adão e Eva, os sumérios, Marduk e Gilgamesh, os gregos, Zeus e os deuses do Olimpo, os nórdicos, o Valhala. O que é a evolução, dizem algumas pessoas espertas, senão o nosso equivalente moderno dos deuses e dos heróis épicos, nem melhor nem pior, nem mais verdadeira ou mais falsa? Há uma filosofia de salão elegante chamada relativismo cultural que afirma, na sua versão radical, que a ciência não tem mais direito em afirmar a verdade do que o mito tribal: a ciência é apenas a mitologia favorecida por nossa tribo ocidental moderna. Uma vez fui provocado por um colega antropólogo e coloquei uma questão claramente, do modo que se segue: suponha que existe uma tribo, disse eu, que acredita que a Lua é uma cabaça velha lançada aos céus, pendurada fora de alcance um pouco acima do topo das árvores.

Você afirma realmente que nossa verdade científica - que afirma que a Lua está a 382 mil quilômetros afastada e tem um quarto do diâmetro da Terra - não é mais verdadeira do que a cabaça da tribo? "Sim", disse o antropólogo. "Nós apenas fomos criados em uma cultura que vê o mundo de outro modo. Nenhum destes modos é mais verdadeiro do que o outro.

Aponte-me um relativista cultural a 10 quilômetros de distância [altitude] e lhe mostrarei um hipócrita. Aviões construídos de acordo com princípios científicos funcionam. Eles mantêm-se no ar e o levam ao seu destino escolhido. Aviões construídos de acordo com especificações tribais ou mitológicas, tais como os aviões de imitação dos cultos de carregamento nas clareiras das selvas ou as asas coladas com cera de abelha de Ícaro, não funcionam. Se você estiver voando para um congresso internacional de antropólogos ou de críticos literários, a razão pela qual você provavelmente chegará lá - a razão pela qual você não se esborrachará em um campo cultivado - é que uma multidão de engenheiros ocidentais cientificamente treinados realizou os cálculos corretamente.

A ciência ocidental, com base na evidência confiável de que a Lua orbita em torno da Terra a uma distância de 382 mil quilômetros, conseguiu colocar pessoas em sua superfície. A ciência tribal, acreditando que a Lua estava um pouco acima do topo das árvores, nunca chegará a tocá-la, exceto em sonhos.
*Richard Dawkins

2 comentários:

Fernanda Rodrigues Barros disse...

Pertinente a crítica. A ilusão, o imaginário jamais poderão alcançar a praticidade do realizável a qual a ciência tão bem o faz, bem citado foi o pobre Ícaro com suas asas destroçadas ao contato com o calor do sol. Porém, os mitos carregam algo que ciência alguma poderá engendrar: têm seu valor fora da praticidade e dentro da fantasia, da utopia, do esperado, da quimera... embora bem se saiba jamais realizável, fica latente em sonho!

Leandro disse...

Olá Fernanda, agradeço o comentário e a atenção. Concordo em absoluto, a questão totêmica é fundamental para trazer o lúdico da vida, para recuperar aquela medida de esperança que o exercício puramente pragmático sempre nos rouba.

O capital simbólico é o que de fato confere personalidade a um grupo social, todavia a crítica Dawkins vai no sentido de alertar acerca da necessidade de não colocar esse imaginário poético em detrimento do cálculo científico, como pretende uma segmento da antropologia contemporânea. Uma vez que dado o gral de interação e dependência do homem na produção de soluções para o mundo moderno, o saber técnico-científico é crucial para manutenção da vida em alguns casos, por exemplo.

Mais uma vez obrigado pelo comentário, sua presença nos honra muito.