domingo, 4 de abril de 2010

Linguagem e comunicação em Aristóteles (As palavras e seus usos)

No caso de um oposto contraditório, é preciso ver igualmente se ele tem mais de um significado. Porque, se assim for, o seu oposto será também usado em mais de uma acepção:

Por exemplo, "não ver" é uma expressão que tem mais de um significado, a saber: (1) não possuir o sentido da vista, e (2) não fazer uso ativo dessa capacidade. Mas, se "não ver" tem mais de um significado, segue-se necessariamente que "ver" também tem mais de um, pois haverá um oposto para cada sentido de "não ver"; por exemplo, o oposto de "não possuir o sentido da visão'' e possuí-lo, enquanto o oposto de "não fazer uso ativo do sentido da visão" é fazer uso ativo dele. Examine-se, além disso, o caso dos termos que denotam a privação ou a presença de um certo estado: porque, se um dos termos tem mais de uma acepção, o mesmo acontecerá com o outro: por exemplo, se "ter sensibilidade" se usa em mais de um sentido, conforme se aplique à alma ou ao corpo, "estar privado de sensibilidade" também será usado em mais de um sentido, segundo se referir à alma ou ao corpo. Que a oposição entre os termos agora depende da presença ou privação de um certo estado é evidente, pois os animais possuem naturalmente ambas as espécies de "sensibilidade", tanto no que se refere à alma como ao corpo.

Examinem-se igualmente as formas derivadas. Pois, se "justamente" tem mais de um sentido, “justo" também será usado em mais de um significado, porquanto haverá um acepção de "justo" correspondente a cada acepção de "justamente"; por exemplo, se a palavra "justamente" se emprega no sentido de julgar de acordo com a sua própria opinião, e também no de julgar como se deve, então "justo" será usado de igual maneira. Analogamente, se "saudável" tem mais de um significado, "saudavelmente" também será usado em mais de uma acepção; por exemplo, se "saudável" significa tanto o que produz saúde e o que a conserva como o que dá mostras de saúde, "saudavelmente" também será usado nos sentidos: "de maneira a produzir", ou a "conservar", ou a "dar mostras de" saúde. E do mesmo modo nos outros casos, sempre que o termo original comporte mais de um significado, o termo que dele se deriva será usado em mais de um significado, e vice-versa.

Considerem-se também as classes de predicados que o termo significa, procurando ver se são as mesmas em todos os casos. Porquanto, se não forem as mesmas, o termo será evidentemente ambíguo; por exemplo: "bom", no caso de alimentos, significa "que causa prazer"; e, no caso de medicamentos, "que promove a saúde", ao passo que, se o aplicarmos à alma, significará a posse de certa qualidade, como a de ser temperante, corajoso ou justo; e do mesmo modo quando aplicado a "homem". Por vezes significa o que acontece em determinada ocasião, como, por exemplo, o "bom" que acontece na ocasião oportuna, pois ao que acontece na ocasião oportuna chamamos "bom". Não raro significa o que existe em determinada quantidade, por exemplo; quando se aplica à quantidade apropriada; pois a quantidade apropriada também é chamada boa. Por tudo isso se vê que o termo "bom" é ambíguo. E, analogamente, "claro", quando aplicado a um corpo, significa uma cor, mas em referência a uma nota designa o que é fácil de ouvir . "Agudo" é também um caso que tem estreita semelhança com este, pois o mesmo termo não possui o mesmo significado em todas as suas aplicações; com efeito, uma nota aguda é uma nota rápida, como nos ensinam todos os teóricos matemáticos da harmonia, ao passo que um ângulo agudo é aquele que é menor do que um ângulo reto, enquanto um punhal agudo é o que possui uma ponta penetrante (pontiagudo).

Atenda-se também aos gêneros dos objetos designados pelo mesmo termo, e veja-se se são diferentes sem ser subordinados um ao outro, como, por exemplo, "gato", que designa tanto o animal como o utensílio. Com efeito, as definições correspondentes ao nome são diferentes em cada caso: num deles se dirá que é um animal de determinada espécie, e no outro um utensílio usado para certo fim. Se, contudo, houver subordinação entre os gêneros, não é necessário que as definições sejam diferentes. Assim, por exemplo, "animal" é o gênero de "corvo" e também de "ave". Por conseguinte, sempre que dizemos que o corvo é uma ave, também dizemos que ele é uma determinada espécie de animal, de modo que ambos os gêneros se predicam dele. E igualmente, sempre que dizemos que o corvo é um "animal bípede voador", classificamo-lo como ave; e assim, também desta maneira ambos os gêneros se predicam de corvo, bem como a sua definição. Isso, porém, não acontece no caso dos gêneros que são subalternos, pois sempre que chamamos uma coisa de "utensílio" não a chamamos de animal, e vice-versa.
*Aristóteles

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