segunda-feira, 19 de abril de 2010

A menina e a teia

Sedução em rouge de mãos, olhos, bocas e abismos. Entre o deserto e a noite as paredes gritavam. A fome que não cessa, a fome que bestializa a vida; como pretender um momento excelso? Viver às vezes parece que se resume ao ato de flutuar por sobre os escombros. Nada mudou, a transfiguração é um estado de espírito, nada mais. A eterna promessa, o erro sem perdão de abraçar o agora exigindo o depois. A ordem do dia é o desespero, as estrelas são geradas no caos. O embuste da felicidade duradoura já paralisou muitas almas nobres. E você se viu ultrapassado e se viu perdido. Temos más notícias, só tuas pernas são capazes de movimentar teu corpo. É tempo de repaginar os sentidos, é imperioso sentir a si próprio quando nada mais restar. Coisa alguma jamais existiu de fato, as coisas não se desintegram ao nada. Se são estão, se não estão, é porque nunca foram em verdade.

Há muitas formas de se perceber um corpo alheio, todavia, nunca pode ser maior que a percepção da rota individual. O martírio nunca santificou, a cisma em sofrer não é mais que degeneração da alma. E como o sol não está fixo por sobre o céu, entre dores e gemidos é preciso bailar por sobre a terra, a imobilidade atrofia, só o movimento concebe potência. Abra os olhos, abra o seio da terra com os dentes, cuspa o passado como se fosse um chiclete sem açúcar. A tua hora é essa, esse instante encerra a chave do novo, que será feito então? Cada um é livre ao que desejar, tanto para esforço supremo como para degradação voluntária. Cadáveres exalam mau cheiro depois de algum tempo, lancem-nos ao fogo, salte você mesmo. A colheita não para, a árvore que deixa de produzir deve ser ceifada. Quero que a vergonha habite a sua casa, que a doença e o caos espreitem sua respiração. Eu vim para trazer a discórdia, a injúria e o ódio. Só é possível renascer quando se morre, corte a garganta da tua mentira, corte as correntes que te uniram ao que nunca deveria ser.

O chão rachou debaixo dos pés, o ar parece condensado como uma instância do inferno. Virgílio só guia o peregrino de Dante, terás de conseguir com teu próprio esforço. É duro, é sem sentido mas, é o único jeito. Grite até quebrar todas as vidraças, a essa altura a fúria é muito salutar. Depois, quando não houver mais voz, sorria como um Sheik drogado, expulsar os fantasmas é melhor que anestesiar-se de ópio imaginário.

Vamos, rebele-se!

Enquanto isso as paredes continuarão gritando, o sono será escasso e a noite abundante. Mas que importa? A bíblia não diz “bem aventurados os que sofrem”? Sei que diz, e você se esconde atrás desse tipo de mentira para exaltar a escravidão. O velho inconsciente ocidental e seu talento em fabricar auto-piedade. Um aleijado não é um semi-deus, é só um aleijado, assim como todos os outros enfermos e gente desqualificada de toda a espécie. Esperar alguma glória na derrota é violentar as leis da vida. Então a opção é essa, expor-se aos ressentidos, sentir deles a pequenez em suas formas mais vis, lutar, perder, cair e levantar. E repetir o ciclo em tantas vezes forem necessárias até que chegue o dia da imunidade. Em muitos casos é preciso descer ao inferno pra ascender como anjo, a única questão é: Você quer aprender a voar?
*Leandro M. de Oliveira

Um comentário:

Monica disse...

" E repetir o ciclo em tantas vezes forem necessárias até que chegue o dia da imunidade. Em muitos casos é preciso descer ao inferno pra ascender como anjo, a única questão é: Você quer aprender a voar?"

Leandro sempre as suas palavras
vão lá no âmago...

"Amor é o que se aprende no
limite.
Depois de se arquivar toda a
Ciência,herdada,ouvida.
Amor começa tarde."

Fragmento/Amor e Seu Tempo
Carlos Drummond de Andrade.