Dado que qualquer resposta à pergunta "O que é a arte?" tem de ser dividida em duas fases, há duas maneiras de correr mal. Pode resolver o problema do uso satisfatoriamente, mas errar no problema da definição; ou pode lidar competentemente com o problema da definição mas falhar no problema do uso. Estes dois tipos de deficiência podem ser respectivamente descritos do seguinte modo: saber do que estamos a falar, mas dizer coisas destituídas de sentido; e dizer coisas com sentido, mas não saber do que estamos a falar. O primeiro tipo dá-nos um tratamento bem informado e relevante, mas desordenado e confuso; o segundo, um tratamento arrumado e metódico, mas irrelevante.
As pessoas que têm interesse em filosofia da arte subsumem-se aproximadamente em duas classes: artistas com uma inclinação para a filosofia e filósofos com um gosto pela arte. O artista esteta sabe do que está a falar. Consegue discriminar coisas que são arte de coisas que são pseudo-arte, e consegue dizer o que são estas outras coisas: o que as impede de serem arte e o que engana as pessoas fazendo-as pensar que são arte. Isto é a crítica de arte, que não é a mesma coisa que filosofia da arte, mas apenas com a primeira das duas fases que a constituem. É uma atividade perfeitamente válida e valiosa em si; mas as pessoas que são boas nessa atividade não conseguem necessariamente de modo algum chegar à segunda fase e oferecer uma definição de arte. Tudo o que conseguem fazer é reconhecê-la. Isto acontece porque se contentam com uma idéia demasiado vaga das relações que a arte mantém com as coisas que não são arte: não tenho em mente os vários tipos de pseudo-arte, mas coisas como ciência, filosofia, e assim por diante. Contentam-se em conceber estas relações como meras diferenças. Para formular uma definição de arte é necessário pensar em que consistem essas diferenças exatamente.
Os filósofos estetas têm formação para fazer bem exatamente o que os artistas estetas fazem mal. Estão admiravelmente protegidos contra a conversa destituída de sentido: mas não há garantia de que saibam do que estão a falar. Daí que a sua teorização, por mais competente que seja em si, facilmente sofra de fraquezas na sua fundamentação factual. A tentação que sentem é iludir esta dificuldade dizendo: "Não pretendo ser um crítico; não estou à altura de ajuizar os méritos do Sr. Joyce, do Sr. Eliot, da Menina Sitwell, ou da Menina Stein; de modo que me limito a Shakespeare e Miguel Ângelo e Beethoven. Há muito a dizer sobre a arte com base apenas nos clássicos reconhecidos." Isto seria aceitável para um crítico; mas para um filósofo não. O uso é particular, mas a teoria é universal, e a verdade que se tem em vista é index sui et falsi. O esteta que declara saber o que faz de Shakespeare um poeta está tacitamente a declarar que sabe se a Menina Stein é ou não uma poetisa, e, se não o é, por que não. O filósofo esteta que se restringe a artistas clássicos garante certamente que localizará a essência da arte não no que faz deles artistas, mas no que os faz deles clássicos, isto é, aceitável aos olhos do espírito acadêmico.
A estética dos filósofos, não dispondo de um critério material a favor da verdade das teorias na sua relação com os fatos, não pode senão aplicar um critério formal. Pode detectar defeitos lógicos numa teoria e conseqüentemente rejeitá-la por ser falsa; mas nunca pode aclamar ou proclamar qualquer teoria como verdadeira. É completamente inconstrutiva; tamquam virgo Deo consecrata, nihil parit. Contudo, a virtude fugitiva e enclausurada da estética acadêmica não é totalmente destituída de aplicação, ainda que meramente negativa. A sua dialética é uma escola na qual o artista esteta ou o crítico podem aprender as lições que lhe mostrarão como passar da crítica de arte à teoria estética.
*R. G. Collingwood
**Tradução de Desidério Murcho
domingo, 28 de junho de 2009
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