quinta-feira, 18 de junho de 2009

Aprendiz de filósofo, como se comportar à busca do conhecimento profundo

Ora se o fundamental da Filosofia é, de fato, a crítica, e se a Filosofia deve ser estudada, não pelo mérito das respostas precisas sobre um certo número de questões primárias, mas pelo valor que em si mesma ela assume, para a cultura do espírito, a mera discussão de tais problemas, segue-se que é ideia inteiramente absurda a de se dar a alguém uma iniciação filosófica pela pura transmissão das respostas precisas com que pretendeu resolver esses tais problemas um determinado autor ou uma certa escola. Deverá pois a iniciação filosófica assumir um caráter essencialmente crítico, e consistir num debate dos problemas básicos que não seja dominado pelo intuito dogmático de cerrar as portas a discussões ulteriores. (...) Repito: seja a Filosofia para o aprendiz de filósofo, não uma pilha de conclusões adotadas, e sim uma atividade de elucidação dos problemas. É esta atividade o que realmente importa, e não o aceitar e propagandear conclusões. (...) Pode ser muito útil para a vida prática o simples enunciado de uns tantos teoremas de matemática: porém, não há nisso sombra de valor cultural: só possui de fato valor cultural o perfeito entendimento dos raciocínios que nos dão as provas dos enunciados.

Por isso mesmo, ao lermos um filósofo de genuíno mérito, de dois erros opostos nos cumprirá guardar-nos: o primeiro de nos mantermos aí eternamente passivos e de tudo aceitarmos como se fossem dogmas, de que depois tentaremos convencer o próximo; o segundo, o de criticarmos demasiado cedo, antes de chegarmos à compreensão do texto. Para evitar o escolho do segundo erro, a atitude inicial do aprendiz de filósofo deverá ser receptiva e de todo humilde. Se achar uma ideia no texto de um Mestre que lhe pareça de fácil refutação, conclua que ele próprio é que não percebe, e que o pensar do autor deverá ser mais fino, mais meandroso, mais facetado, mais verrumante, do que ao primeiro relance se lhe afigurou: e que se lhe impõe, portanto uma atenção maior...

*António Sérgio in Os problemas da Filosofia,de Bertrand Russell (Prefácio)

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