sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Tempis Fugit

A fuligem se espalha pelas reentrâncias da carne, o limo hei de triunfar no movimento de outras esferas. Além, aquém do momento esperado, há um segredo oculto entre mãos e olhos. Dar visão ao cego exige que a terra seja abraçada como uma mancha de sangue.

A solidão do animal mais solitário. Um espelho lustrado que não produz reflexo. Quando o vírus toma a corrente circulatória é preciso respirar arrancando a pele. O peito nu, o estar aberto ao sabor do inesperado. Olhos de ontem que não vêem mais que uma tentativa insólita de recompor o pretérito. Corpos expostos, atração de abutres. Sua carne há de ser dividida entre os que não foram convidados, um ato bravamente cristão da parte de quem o fizer.

Escarro, tortura e mutilação. Diversões que fazem algo pulsar no peito de loucos entre outras sortes de homens santos. Não se sabe bem até onde essas terapias podem se aplicar à pacientes cuja libertação é uma necessidade patológica. Você vai passar toda uma vida sendo privado por seus modos diferentes só pra que quando chegue o final, possa enfim ser tratado de uma maneira ordinária. Certidões mau digitadas de óbito, valas comuns, celas que se repartem entre sonhos e esquecimentos. Rasgue o tórax com as mãos, fustigue a boca até que não haja mais por onde dizer aquilo que não se sente. Punir o corpo pode ser um ato de desespero, mas em algumas ocasiões é o que resta.

Pagar ao síndico sempre pareceu menos oneroso que administrar a própria vida. Ajoelhe! Agora e um milhão de vezes mais até que solo tenha se apoderado de suas articulações.

(e a manhã veio...)

Um lugar onde a vida vivida agora pode já ter sido feita há mil anos. A cabeça confusa acorda espraiada no crepúsculo indolente, pessoas são sombras que o pensamento projeta. E é o próprio homem construído de suas sombras. Qual o fundamento da beleza? Tudo o que é cotidiano à uma presença, quanto mais viceja menos sustenta seus lumes.

A mulher que nunca tornará a essa cama torna perfeita nesse momento de distância do que não consente, assim como os cavalos gigantes, os circos de palhaços imperitos ou qualquer quadro da infância que arrebatada foi, pra sempre desse domínio. O encanto parece mesmo ter haver com aquilo que carrega mais de porvir e de ausência do possível, a contragosto da maravilha cotidiana que é sempre miséria aos que aqui estão.

O passado é uma cadeia de eventos como qualquer outra, mesmo um lixão costuma produzir bons mosaicos quando olhado de longe. E cá estão todos outra vez, o quarto, as paredes, a procissão de flashes que nubla a retina. Daqui a vinte anos sentirei saudades da atmosfera densa, da infiltração que torna precário o arremate dos prédios ou ainda, de urinar na rua enquanto a cidade adormece. Isso pode ser, se houver vida até lá. Será mesmo que todos os vigários são pederastas? Não tente aparar a grama enquanto o quintal está enlamaçado, não tente pisar o chão agora que seus pés foram arrancados. “Tu és pra sempre maldito!”. Assim bradava um deus antigo enquanto nós o sodomizamos pela manhã. Todas as ruas mau iluminadas do mundo, a falta de oxigênio no cérebro, lesões se confundem com o hábito de inventá-las.

Morfina custa caro, outros anestésicos podem custar ainda mais. As pessoas tem medo e violência, e eu preparo em silêncio uma bomba, que fará clarear a noite e escurecer o dia.
*Leandro M. de Oliveira

Um comentário:

Borges disse...

Fiquei feliz em ler seu comentario, obrigada.

E confesso que adorei seu blogger, continue escrevo.
Um forte abraço