segunda-feira, 27 de setembro de 2010

72 horas

Como se a vida redefinisse o ser ao do tempo e esse, um encontro além de seus domínios. Insuspeitado, o desvario infinito, onde cada segundo é eterno e todo o porvir cabe num suspiro. Assim foi, num arremate do que não se prevê, bruxas esquecidas sibilaram um canto de memória. A casa agora inundada, tudo é luz. Entre a linha de montanha e céu, um refúgio sinuoso no horizonte, como a primavera insinua lábios e mãos entrelaçadas. De ferro fundido ao passado, o chão a frente pavimenta o cotidiano mais leve. As casas e seu testemunho, o que é em desacordo finda em ruínas. Pela observação da natureza apreende-se que o sol sempre volta a liquefazer o granizo que cobre a terra, e o peso do céu torna outra vez numa coisa menos densa.

Eu te amei por setenta e duas horas a fio. Meus olhos cegaram na luz como ao admirar um deus antigo. Minha voz era o grito de todos os famintos do mundo, a nau de todo Pelegrino que deseja se afogar. Comi de tua carne, bebi de teu sangue. Seu corpo era impulso e refúgio, alimento e flagelo. Todavia, o inexorável se cumpriu enfim. O instante se perdeu, o granizo e o sol transmigraram como em aporte. Nada restou do caminho pretérito do mesmo modo que nada nunca resta além de uma cisma incurável das experiências possíveis. Voltamos ao país das pessoas de sal. Há uma ferida aberta em cada sonho, uma quimera impiedosa a debater a planta contra seu chão.

Encimesmadamente da sede que a boca contém. Como parto e amputação, tudo vai, tudo deflui. Uma foto é o caminho simbólico da denuncia de uma memória decrépita. Perenizar um momento faz parte das buscas dos que não sabem recomeçar. É o crime dos que perderam o contato com a fonte, um tonel de Danáides obsoletas no espaço. Aparte a representação, cada nicho é decadência. Pessoas são pessoas, se fossem algo mais já teriam transcendido essa condição. Nesse carrossel vindo de uma infância desbotada, o querer segue a girar em trajes maltrapilhos. A graça não habita uma casa amaldiçoada. Talvez. A potência deve residir no afastamento singular donde ninguém nunca tocou. Ajoelhar-se ao encontro pode significar lançar mão do que foi aprendido até aqui.

Apreender um corpo alheio. No circo de dentro vive um domador inverossímil, ele acaricia a fera, embala seu sono. Mas o coração é um órgão de fogo, sua fúria resume tudo. E a alma como uma caverna que é um bloco impenetrável por fora e uma coisa oca por dentro, deixou-se por mérito o reino do eco pra sempre perdido. Não quero ter alma, não quero ter metafísica. Por deus se ainda restou algum, não quero ganhar o prêmio Nobel da paz! Ocorre que o infinito pesa como uma tempestade de chumbo e não houve tempo hábil a fazer um telhado em minha casa. Um escarro seria um ato de descortesia, não fosse as senhoritas desse tempo serem mais abomináveis que vermes de outrora. Todo amor que é vivido se torna corrupto. Todo louvável é hipotético. Felicidade a dois é um cinismo ácido.
*Leandro M. de Oliveira

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