quinta-feira, 10 de junho de 2010

Por um sentido mais óbvio que a transcendência

Se vamos então tratar dos fenômenos do alto, das leis que regem os movimentos do sol e da lua, e que governam todas as coisas da terra, falta-nos ainda e sobretudo como meio de um método penetrante, investigar a formação do espírito e da alma, saber o que são estes objetos terríveis que nos aterrorizam na febre da doença, ou soterrados no sono, ao ponto de pensarmos ver e entender face a face aqueles que já ascenderam à morte e dos quais a terra guarda os ossos.

Sei bem que os obscuros sistemas dos gregos são difíceis de clarificar nos versos latinos, sobretudo porque é preciso usar tantos termos novos, por causa da pobreza da língua e da novidade dos temas!

Mas, todavia a atração da tua virtude, a doçura áspera da tua prezada amizade, levam-me a ultrapassar todas as fadigas, a velar nas noites serenas, procurando quais as palavras e em que versos poderei ascender no teu espírito uma luz que o ilumine sobre os segredos mais profundos da natureza. Este terror, estas trevas da alma, precisam, para se dissiparem, não dos raios do sol, os traços luminosos do dia, mas da visão exata da natureza e da sua raciocinada explicação.


O princípio que nos servirá de ponto de partida, é que nada se pode engendrar do nada por efeito de um poder divino. Se a necessidade tem agrilhoado todos os mortais, é porque sobre a terra e no céu lhes aparecem fenômenos dos quais não podem de modo nenhum perceber as causas e as atribuem a uma ação dos deuses. Quando tivermos visto que nada se forma de nada, então o que procuramos descobrir-se-á mais facilmente; saberemos do quê cada coisa pode receber o ser e como todas as coisas se formam sem a intervenção dos deuses.
*Lucrécio (Titus Lucretius Carus), Roma, 98 a.c

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