terça-feira, 15 de junho de 2010

Le Rouge

O vermelho no sangue, o rubro que há em tudo quanto deve ser ardor e desespero. Alguns recorrem à violência contra os seus, sem saber que o chicote pode revidar, como a pantera, o vazio ou o homem. O seu dilema é tão íntimo a mim, como são todos os dilemas de quem aprendeu a dançar numa corda bamba, o circo vem essa semana, fuja! Ou apodreça nesse delírio incólume. A magia só vale a pena quando não mais se acredita nela, as bochechas rosadas de uma virgem à espera da desonra, o gozo e a solidão dos homossexuais sem lar. Tudo é projeção, a consciência desses tempos tem causado ao homem o que mil Hitleres não teriam se tivessem chance. O real é o espaço entre o sonho e a lida, pra compreendê-lo é preciso estar além de ambos.

Onde acaso daria esse poço se você fosse jogado contra a gravidade? Supor e entender é tão quimérico quanto amar ou delirar. Dance arlequim, como se a única coisa possível fosse a dança, como se caos não fosse irremediável em todas as instâncias. Uma prostituta deu à luz, não houve anjos a dizer amém, um homem depois de uma vida de sacrifícios conquista alguns objetos, haverão anjos, demônios e pessoas a dizer, “mãos ao alto”. A terra está ficando infértil com tanto vômito espalhado pela superfície. É hora de partir, ou interiorizar ainda mais, quem vai saber? A resposta definitiva é uma pergunta a qual ninguém pôde responder.

Você vai olhar sua silhueta sobre o sol e provavelmente não reconhecerá a própria sombra. A guerra é uma fábrica de vítimas e a catástrofe a profissão de fé dos homens de nossa época. Desnude seu corpo com a delicadeza de uma confissão silenciosa, eu o banharei de luz e graça, na redondilha que nunca fui capaz. Como te desejei no tempo que perdeu a linearidade, como operei exaustivamente o sexo com mãos e pensamento. De tudo quis ser estrangeiro e fora acabei estando mais dentro que uma semente ou uma idéia. Alheio nunca é quem tem em si o mundo e nas costas o peso.

A tua fronte, o teu imaculadamente prostituído seio. Alguém tem que levar a culpa para que a imagem não rache os espelhos, entendo o que se passou aqui. Você quer voltar ao tempo das coisas simples, quando o destino cabia em um suspiro. Todavia, as belle epóques se esgotaram junto com a infância, em sua cama agora só poeira e vertigem. A resistência é um fenômeno da biologia, está ligada ao instinto de sobrevivência, muito embora se cisme que seja algo mais. Há saltimbancos desdentados pela praça, pode acontecer que a miséria física seja a única privação existencial que permita ainda alguma alegria. É mais fácil mergulhar na frente de um ônibus, ou se atirar ao primeiro que passa ou só manter um desprezo cínico pelo que te é caro. A mesma pessoa, tantos rostos diferentes. O desatino é único em si e múltiplo na partilha, as pessoas se matam em doses homeopáticas pensando estar vivendo um pouco mais.

Madrugada chega e ninguém mais dorme por aqui. A divagação noturna só comove as corujas. Esse é o país da desesperança, onde agressão se confunde com a candura mais terna. Não é possível agir de outra forma, muito embora o coração assinta. Quer desfilar seu casaco vermelho? Isso significa estar exposto demais, assim corre-se o risco de uma ventania na cara. Seu peito continua aberto enquanto seus dedos estão enrugados pelas baixas temperaturas. O que os mártires fariam ao saber que todo sacrifício é vão? Recolhe-te à tua cela, bebe tua água, come teu pão. A desonra chega a todos, qualquer pressa é desnecessária.
*Leandro M. de Oliveira

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