O processo de adestramento do homem enquanto espírito livre se cristaliza nas formas mais difusas, entretanto é inegável a importância de um dos métodos utilizados na milenar arte de agrilhoar o ser em flagelos invisíveis. Na sociedade ocidental herdeira direta dos valores romano-cristãos e em princípio formatada a partir deles, incide de forma capital a idéia advinda do argumento teológico, hoje já um imperativo no arcabouço de crenças da nossa tradição onde o homem se vê projetado na figura do próprio “Deus”, uma vez que foi concebido à sua imagem e semelhança. O aceite dessa condição leva o indivíduo a uma perigosa jornada transnatural, fazendo-o interagir em um mundo alheio ao seu. Em primeira análise poderia isso ser de grande valia, pois o homem mediano, o decadente que habita em nós consegue se aprazer em seu instante particular de meditação onde contempla essa origem divina, mais que isso, essa cristalização do macrocosmo em microcosmo. Todavia, é mister observar que o êxtase proporcionado por esse breve momento é quebrado tão logo se restitui o senso comum, e o homem ou se vê impotente ou se vê em uma espécie de exílio não voluntário, e por esse igualmente oprimido. A idéia de deidificação do homem o faz perder contato com sua essência humana, assim ele permanece estranho a si mesmo, e a fé que deveria edificar uma sociedade justa, um resgate da verdade de ser belo por ser imperfeito, já não se encontra mais disponível, uma vez que fora alienada na busca ininterrupta daquela medida de perfeição a que teríamos direito de acordo essa gênese criacional ofertada a nós pela tradição. O que se pretende dizer com isso, em linhas gerais, é que a perda da identidade humano-temporal para uma identidade humano-atemporal (seguindo-se o raciocínio da busca de uma equivalência entre homem e Deus), afasta o indivíduo do prazer das coisas simples, do sentido de fraternidade e bem coletivo que só pode ser restaurado quando o homem voltar-se integralmente a si mesmo e não mais a metas inalcançáveis de perfeição. Revisitando a visão Grega, nota-se que o indivíduo era a polis e a polis era o indivíduo, e assim confundido com a coletividade o homem se via imediatamente livre e universal, diferente dessa realidade cotidiana onde o ser se coloca individual necessitando deliberadamente de símbolos que justifiquem a sua condição. O fim da cidade Grega representa com efeito, na nossa tradição, o momento de ruptura, o início da tragédia de existir. Esse é o momento onde sociedade, cultura, o eu e o espírito operam-se na criatura humana como peças separadas de um quebra-cabeças, muitas vezes antagônicas e estranhas umas as outras. Talvez por força desse dilema, a humanidade desconstruída venha buscar alento na quimera da perfeição divina e da missão de alcançá-la a qualquer custo. Daí surgem inúmeras manifestações como a criação do mártir e a moral do vencido, tão típicas da decadência desses tempos. Todavia, minha fé reside na crença de que apenas o amor entre homens (concreto) e não só em Deus (abstrato), é o que pode restituir a essência desse perdido sonho trazendo de volta ao âmago humano a perfeição que hoje se vê alienada no “divino”, despertando a consciência adormecida e tirando-nos de uma vez por todas dessa existência medíocre.
*Leandro M. de Oliveira
terça-feira, 18 de agosto de 2009
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