quarta-feira, 4 de maio de 2011

Sofismática da mansarda

Semelhante a um amor clandestino, a noite invade as salas antes mais iluminadas. Inscritas em matéria mais líquida que o fogo, sibilas inventam o futuro ainda presas ao hostil passado. A pertinência daquele corpo reside ao longo do edifício, muito embora de forma imaterial. O choque entre mundos deve ser um evento de natureza dúctil, caso contrário, seriam menos acidentados os caminhos que circundam o intransponível cume. Sentir na carne a verdade do mistério é ter de respirar no fundo d’água a plenos pulmões, como se compacta toda a fibra que espera ou se oprime qualquer porção de carne posta em torniquete, não há como retroagir quando se é cegado.

Dir-se-ia do homem que uma vez posto em jornada a um país estrangeiro perdera o caminho de volta pra casa. Sugerir que a crença do lar só existe quando não há mais nada para substituí-la pode ser uma das idéias mais honestas que se ousa. Nesse lugar, onde a fome de justiça conta com recursos tão parcos, só a quimera de alguns raros comporta a resignação necessária. Recorre-se à acolhida como uma porta que da para dentro de si, todo o resto que é lançado fora está igualmente perdido. O mundo a brotar como uma suspeição dos improváveis, pessoas a escavar o peito em busca de um abrigo anti-bombas.

O inteiro universo é uma massa oca e o buraco negro que sugou as constelações sou eu.

Impressentido, por campos abertos vou, ceifando a erva jovem, pisoteando as flores da insistente primavera. A natureza de um homicida não é diferente da de outro homem. No fim todos serão julgados com severidade, apesar de não haver quem saiba exatamente se são mais graves os vícios ou as virtudes ou se acaso há diferença entre eles. Ninguém pode ser belo ou grandioso demais sem que aconteça uma desgraça. Toda força, toda vitalidade há de ser subtraída um dia e aqueles que nos trouxeram aqui estarão na indiferença de suas distâncias, rindo como bêbados insanos.

Ademais da cisma de uma tragédia irreparável, a hesitação da vida rasga a consciência como um túnel.
*Leandro M. de Oliveira

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