Deslocações de ar, de palavras, partes do corpo
deslocações de sentido nas partes do corpo.
As ribeiras tremem na base das montanhas —
geladas, de costas,
as montanhas tremem sobre as águas deslocadas de repente.
Os animais apoiam-se no seu próprio sangue.
As flores apoiam-se na sua própria cor.
As idades apoiam-se na sua própria memória.
E o sono desloca-se da terra para o coração.
Vive-se com o coração a tremer
como uma montanha sobre ribeiras de luz —
e depois a treva desloca-se da idade para o coração
como um lugar inteiro.
E um dia os animais passam junto aos lençóis estendidos,
e a sua passagem queima a brancura
exposta a todas as deslocações.
Então candeias e papoulas deslocam-se sobre imagens cheias de patas —
e fechamos os olhos para a terrível dor da carne,
respiramos mal,
trememos apoiados no nosso próprio terror.
(...)
O dia apoia-se no seu próprio movimento.
O peixe apoia-se na sua própria submersão.
O amor apoia-se no seu próprio êxtase.
E as vozes apoiam-se no seu próprio som.
Apenas as flores se apoiam no perfume veloz.
Apenas os corpos se apoiam nas flores que eles próprios são —
atados como ramos de um cego e amargo e monstruoso e veloz perfume,
como um perfume de corpos.
As ribeira de luz respiram a prumo.
As ribeiras de treva respiram a prumo.
Vive-se a tremer com o pavor e a glória.
Vive-se de uma ponta à outra o extremo amor, o amor,
e a solidão como um lugar inteiro.
(...)
Alguém ferve pela luz adiante até entrar nas trevas
e ficar respirando nas trevas.
Um perfume de esperma.
Um perfume de salsa.
Um perfume de enxofre que estonteia.
Alguém se transforma numa coisa inominável.
(…)
*Herberto Helder
quinta-feira, 20 de janeiro de 2011
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