terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Túmulo do Sol

Quando morri acho que as pessoas não se aperceberam muito bem. Fato é que deve mesmo ter importado pouco pois, embora a inegável ausência de uma substância mais sutil, a presença física teimou ainda de um modo ordinária. Liquefeito num corpo denso, inalteradamente tateável. Entretanto, nada seria como antes, a casa foi esvaziada e o jardim, irremediavelmente esquecido. Existe uma chaga aberta no peito de todo homem que ousou demais, uma vala comum onde se repartem sonho e impossível. Foi querer da vida que entre todas as navalhas, o bem fosse a mais afiada. Minha história não agradável como aquelas que são inventadas, é antes uma pré-história do nada porque o vazio é mais antigo que o silêncio. Pouca coisa fica pela estrada ademais do pó feito pela cal dos dias, árvores estéreis, certidões mau digitadas de óbito rememorando a não chegada do filho, aquele que vai, eternamente natimorto.

Não diga que me ama se não quer ver o mundo desmoronar outra vez. Quando o carinho colapsar em ausência, que não haja ninguém a lembrar da torpeza desses dias. Aqui é o ponto onde todos os caminhos se bifurcam, a linha de sangue que rasga os céus toda vez que o crepúsculo anuncia noites intranqüilas. Não é difícil partir, muito mais duro é ter afeto à decadência quando se entende a miséria das coisas. A moldura colorida do horizonte falseia o cinza que há por trás de tudo, o excelso da vida parece mais um momento de descuido onde tenta-se não ser e quando volta a vigilância tudo é mais agudo. A procissão de almas sem lar busca a todo custo imaginar beleza no além pra que ela maquie a feiúra do aquém. Tudo que é vida cheira a desespero. Essa não é uma festa de bastardos, ofereça seu corpo aos cães antes que a vida faça isso por você. Heis aí o túmulo do sol, que esse mundo é sepulcro em vida quando se quer vivê-lo além da rasurado comum.

Por que sentir tanto horror, logo eles virão silenciar o mundo, pra que no escuro das eras o seu choro seja voz de destaque. Vou tirar os sapatos quando chover, quero sentir a terra com entendimento, quero dedilhar sem afeto as lajes de minha última e fria morada. Pó e sombra, o instante passou e com ele o que construiu algum significado. Agora o que resta é aquilo que sempre fica aos que não quiseram o caminho já percorrido. Um leito ingrato de mãe prostituta, donde por fim hei de me ver em vencida derradeira. Tive sede e a água não chegou, fome quando tudo era deserto. Abrace-me com o seu maior carinho e terá o meu vômito mais sincero, não há como retroceder. O zelo dos grandes soa como injúria aos anões da alma, aprenda a machucar quem te ama. Nas batalhas a eficiência de um exército sempre é medida pela sua impiedade, ser livre só é possível implacavelmente. Tudo o que quiseres, toma com mão forte, o que não te serve, arremessa pela janela. Já é dia, e ainda escuro noutro hemisfério, o segredo da luz pode ser uma sombra que a sustente. Ou isso, ou tudo é mera especulação.

O ácido contido em minhas vísceras conseguiria digerir o universo inteiro. Nesse momento, demônios estão vindo dançar no jardim e o condutor da orquestra sou eu.
*Leandro M. de Oliveira

Um comentário:

AMCD disse...

"Tudo que é vida cheira a desespero."

Desespero por se manter vivo. A vida luta pela vida, contra a morte, desesperadamente. Morrer de vida, viver de morte... Talvez por isso, nas batalhas, " a eficiência de um exército seja medida pela sua impiedade."

Gostei de ler.

Cumprimentos, desta margem do oceano.