terça-feira, 17 de agosto de 2010

O gene egoísta (parte 1)

1. Por que as pessoas existem?

A vida inteligente de um planeta atinge a maioridade no momento em que compreende pela primeira vez a razão de sua própria existência. Se criaturas superiores vindas do espaço um dia visitarem a Terra, a primeira pergunta que farão, de modo a avaliar o nível da nossa civilização, será: "Eles já descobriram a evolução?". Os seres vivos já existiam na Terra há mais de 3 bilhões de anos, sem ter a menor idéia do porquê, antes que finalmente a verdade ocorresse a um deles. O seu nome era Charles Darwin. Para ser justo, é preciso dizer que laivos da verdade já haviam ocorrido a outros antes dele, mas foi Darwin quem, pela primeira vez, construiu uma explicação coerente e convincente da razão por que existimos. Devemos a ele a possibilidade de dar uma resposta racional à criança curiosa cuja pergunta serve de título a este capítulo. Não precisamos mais recorrer à superstição quando confrontados com questões profundas como as seguintes: "Há um sentido para a vida?"; "Para que existimos?"; "O que é o homem?". Depois de formular a última dessas perguntas, o eminente zoólogo G. G. Simpson declarou: "Aquilo que quero esclarecer agora é que todas as tentativas de responder a esta pergunta feitas antes de 1859 são totalmente desprovidas de valor e que estaremos em melhor posição se simplesmente as ignorarmos por completo".

Hoje, a teoria da evolução está tão sujeita à dúvida quanto a teoria de que a Terra gira em torno do Sol, mas as implicações mais profundas da revolução de Darwin ainda não foram amplamente compreendidas. Nas universidades, apenas uma minoria se dedica ao estudo da zoologia, e mesmo aqueles que escolhem essa área de estudos quase sempre o fazem sem avaliar o seu profundo significado filosófico. A filosofia e outras disciplinas conhecidas como "humanidades" continuam a ser ensinadas quase como se Darwin nunca tivesse existido. Não há dúvida de que isso se modificará com o tempo. Seja como for, este livro não pretende representar uma defesa geral do darwinismo. Na verdade, ele se propõe a explorar as conseqüências da teoria da evolução em relação a um problema específico. O meu propósito é examinar a biologia do egoísmo e do altruísmo.

Para além de seu interesse acadêmico, a importância humana desta questão é óbvia. Ela toca de perto todos os aspectos da nossa vida social, o nosso amor e o nosso ódio, a luta e a cooperação, o dar e o roubar, a nossa ganância e a nossa generosidade. As mesmas pretensões poderiam ser atribuídas a obras como On aggression [Sobre a agressividade], de Lorenz, The social contract [O contrato social], de Ardrey, e Love and hate [Amor e ódio], de Eibl-Eibesfeldt. O problema com esses livros é que seus autores erraram, total e completamente. E erraram porque não entenderam como a evolução opera. Eles supuseram que o importante na evolução é o bem da espécie (ou do grupo), em vez do bem do indivíduo (ou do gene). É irônico que Ashley Montagu tenha acusado Lorenz de ser um "descendente direto dos pensadores da 'natureza rubra em seus dentes e garras' do século XIX...". Até onde entendo a visão de Lorenz acerca da evolução, ele concordaria inteiramente com Montagu ao rejeitar as implicações da famosa frase de Tennyson. Ao contrário de ambos, eu penso que a idéia de "uma natureza rubra em seus dentes e garras" traduz admiravelmente bem a compreensão moderna da seleção natural.

Antes de iniciar a minha argumentação, quero explicar brevemente o tipo de argumentação de que se trata aqui, e também o tipo de que não se trata. Se nos dissessem que um homem viveu uma vida longa e próspera no mundo dos gângsteres de Chicago, nos sentiríamos autorizados a fazer certas especulações sobre que tipo de homem ele era. Seria de esperar que tivesse algumas qualidades, tais como valentia, rapidez no gatilho e habilidade de atrair amigos leais. Embora tais deduções não sejam infalíveis, podemos inferir algumas coisas sobre o caráter de um homem se tivermos conhecimento das condições em que ele sobreviveu e prosperou. O argumento deste livro é que nós, e todos os outros animais, somos máquinas criadas pelos nossos genes. Como os bem-sucedidos gângsteres de Chicago, nossos genes sobreviveram - em alguns casos, por milhões de anos - num mundo altamente competitivo. Isso nos permite esperar deles algumas qualidades. Sustentarei a idéia de que uma qualidade predominante que se pode esperar de um gene bem-sucedido é o egoísmo implacável. Em geral o egoísmo do gene originará um comportamento individual egoísta. No entanto, tal como veremos, existem circunstâncias especiais em que um gene pode atingir mais efetivamente seus próprios objetivos egoístas cultivando uma forma limitada de altruísmo, que se manifesta no nível do comportamento individual. "Especiais" e "limitada" são palavras importantes na última frase. Por mais que desejemos acreditar no contrário, o amor universal e o bem-estar da espécie como um todo são conceitos que simplesmente não fazem sentido do ponto de vista evolutivo.
*Richard Dawkins

Um comentário:

Borges disse...

Olá.
Depois de tanto tempo fui ver seu recado no meu blogger.E aproveitei pra retribuir a visita.
Nossa praticamente um bau de informações, adorei suas pesquisas, esta de parabens..