terça-feira, 17 de agosto de 2010

Do vazio

Aceitar o estar só não é tão fácil assim. Saber que não havia ninguém quando tudo começou é parecido com ser vomitado, mesmo não havendo bocas ou orifícios. Algumas pessoas simplesmente perdem o controle. E existir que poderia ser um fim em si mesmo, um ciclo perfeito e por isso finito, tem de ganhar outras significações, com verdades sempre alheias ao que houver de certo e tangível. As luzes apagaram por um segundo, elas jamais estiveram acesas senão na ficção. Todo desespero requer uma fuga, retirar ou negar o pensar é a contrição de quem traiu a si e não consegue fazer o caminho da volta. Em qualquer noite que o sono não vem o tempo é como gordura acumulada na inação, e o mundo fica menor cada vez que uma possibilidade se esgota. No silêncio que invade quando todos vão deitar, Deus não é mais que um nome refinado para o delírio, viver tem uma dinâmica parecida com boiar numa corrente qualquer. Fechar os olhos será um dia, um crime sem perdão.

Entre a aragem e o sal, há em mim uma medida de sonho que pra sempre não se pode realizar. Porque a vida que me deste é um mosaico sem sentido, o prazer das peças reside unicamente em manuseá-las. Nunca, nunca se juntam. A esperança passou como um bonde velho, como passou noite, como passam carros inadivertidamente cada vez mais velozes, enquanto eu, estanque ao vento que me corta. O que pode ser compreendido são fragmentos, a totalidade esta além de tua vista. Olha pra baixo, afim de elevar a alma deves começar pelo corpo, é aqui donde a terás em plenitude. Algures nesse peito há um coração perdido no ártico de todo desencontro, sabê-lo tão mansamente poderia ser uma experiência sobrenatural. Se tudo te fosse revelado num segundo, desfecharias uma lâmina em teu seio. Por que não tentar? Rasgue com tuas unhas o que haver em ti de carne, estraçalhe as mãos com teus dentes para que não toquem ou ousem. Teu sangue tem gosto de medo, isso é patético.

Aquele sítio tornou-se inatingível aos mortais, e assim continuará, posto que não há mais ninguém. O mundo é um continente só, eu ensimesmado, permaneço como ilha mais a oriente do impossível. Ao que tem olhos, a vida de uma serpente no deserto contém mais sedução que a lida de uma ovelha em pastagens aparentemente verdejantes. Deixe-me cravar as presas em quem ousa caminhar sem sandálias, a humildade não é mais que uma garbosa afronta ao bom senso. Que será de nós? Cinzas? Decomposição? E tudo se resume em uma solidão incalculável. Como se ao entender que sempre se está só, nascêssemos já amputados. Deve-se sentir compaixão pelas pedras que não teêm olhos pra chorar. É realmente uma pena que tenham lhe cortado as pernas, fenecer nessa pocilga é o castigo mais hediondo. Talvez aconteça que pensar no além tenha mais haver com inconformismo que com qualquer outra coisa, que justificar a vida exija a figura de um grande pai, ainda que alegórica. É tempo de despertar.

Bebe criança, toma tudo o que acaso encontre. Quem tocar a ferida entenderá o motivo do torpor...


*Leandro M. de Oliveira

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